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Projeto Juvenal: sobre limites do homem e o abismo em cavernas

Redação Webventure/ Montanhismo

Piso da galeria principal do Abismo do Juvenal (foto: Projeto Juvenal)
Piso da galeria principal do Abismo do Juvenal (foto: Projeto Juvenal)

No fim de 2004, cinco exploradores espeleólogos, dois fotógrafos e dois colaboradores iniciaram mais uma fase de estudos do Abismo Juvenal, no Petar, no Estado de São Paulo, com o objetivo de descobrir outros mistérios dessa profunda caverna. O espeleólogo Luiz Eduardo Spinelli conta com detalhes todo o trabalho da equipe e sobre as descobertas. Confira a reportagem.

Caverna, por definição, é toda cavidade natural que possua uma parte escura, que a luz não alcança e que o homem pode entrar. As cavernas são divididas em grutas e abismos. Grutas são todas as cavernas cujo desenvolvimento horizontal é maior que o desnível, e abismo é toda cavidade cujo desnível é maior que o seu desenvolvimento horizontal. Em outras palavras, abismo é toda caverna que seja mais profunda do que comprida.

O Abismo foi descoberto na década de 70 por um morador local chamado Juvenal, que percorrendo a mata se deparou com um poço largo e profundo. Anos mais tarde uma equipe de exploradores do Centro Excursionista da USP ingressou no abismo para explorá-lo e mapeá-lo.

Durante anos, o abismo foi conhecido como o abismo mais profundo do Brasil. Atualmente, o Juvenal é o abismo com o maior desnível (241 metros) formado em rocha calcária no país, inserido na lista das maiores cavidades Brasileiras.

O Juvenal é um complexo de condutos, com dois grandes acessos verticais a uma galeria maior. Esse complexo pode ser estendido através do trabalho sistemático de explorações.

A primeira fase do projeto ocorreu no período entre 2001 e 2002. O novo mapa do Abismo do Juvenal, produzido no ano de 2001 numa parceria entre diferentes grupos espeleológicos, realçou pontos desconhecidos da caverna. Galerias que chegam nos condutos principais, mas que não se sabe de onde vem.

Outro aspecto que motivou o Projeto Juvenal foi o nível técnico que essa caverna exige para a progressão dentro dela. A maior parte da caverna é vertical e exige o emprego de equipamentos e técnicas específicas, e faz com que os exploradores estejam quase que o tempo todo pendurados em cordas, seja descendo ou subindo.

Um conjunto de grandes condutos verticais intercalados por passagens estreitas dificulta o progresso dos exploradores, ao mesmo tempo em que os deslumbra pela grandiosidade da natureza. A estratégia na primeira fase do projeto foi procurar e explorar buracos na superfície do relevo que pudessem eventualmente levar aos tais condutos dentro do abismo.

Foram encontradas e exploradas dezessete cavidades em torno do Juvenal, sendo que nenhuma delas se conectou com o abismo. Entre as novas cavidades, três delas eram abismos que foram mapeados e cadastrados pela equipe do projeto.

Além da descoberta e mapeamento das novas cavernas, o projeto deu uma importante contribuição para a ciência encontrando vestígios paleontológicos (ossos de animais extintos) no interior de dois abismos. Atualmente esse material é alvo de pesquisa pelo Museu de Zoologia da USP.

Encerrando a primeira fase, a equipe do Projeto Juvenal investiu na exploração vertical de uma fenda na rocha, localizada no interior do abismo, na galeria principal do Juvenal, utilizando técnicas de escalada subterrânea. A escalada dentro do abismo foi uma atividade de grande aventura e de alto nível técnico, sendo que paredes verticais de calcário foram vencidas com técnicas de escalada livre, que utiliza apoios naturais com as mãos e os pés, e o trecho mais difícil com técnicas artificiais que consiste em instalar equipamentos para apoiar o explorador e permitir a sua ascensão.

Essa investida levou a equipe ao alto da fenda aonde chegam dois condutos por onde percorre água, mas que se estreitam, não permitindo a passagem de pessoas. Essa exploração encerrou a primeira fase do Projeto Juvenal que teve continuidade no ano de 2004.

A equipe do Projeto Juvenal reiniciou os trabalhos em agosto de 2004, auxiliando a equipe de pesquisadores do Museu de Zoologia da USP com a capacitação do pessoal para as técnicas verticais em cavernas, no reconhecimento do material paleontológico e das condições de trabalho para a sua pesquisa e retirada.

Foram realizadas duas viagens com os pesquisadores e mais de uma dezena de incursões para o desenvolvimento dos trabalhos.

Na seqüência, a equipe do projeto reiniciou os trabalhos de exploração do Abismo do Juvenal.

Nessa nova fase, o Projeto Juvenal selecionou dois pontos dentro da caverna para serem investigados, e que exigiriam o emprego de técnicas de escalada subterrânea.

Dentro do cronograma da segunda fase foi possível concluir apenas parte dos objetivos.

O ponto investigado foi a provável continuidade da galeria principal. Na parte alta dessa galeria ela se verticaliza e impõe como obstáculo aos exploradores uma parede de aproximadamente 15 metros de altura.

Incursões no abismo – Três incursões com durações entre 15 e 20 horas foram necessárias para enfrentar o desafio.

Em cada uma delas foi preciso descer 120 metros da parte conhecida do abismo, e caminhar por cima de centenas de blocos de rocha desmoronados (alguns instáveis) para chegar na base da parede que foi escalada.

A primeira incursão exigiu um total de 16 horas de atividade para apenas duas horas e meia de escalada. A descida do abismo instalando as cordas que deram acesso ao ponto da exploração e o retorno à saída desinstalando os mesmos equipamentos, tomaram a maior parte do tempo.

Antes da segunda incursão, a parte da equipe de exploradores que mora na região realizou previamente a instalação das cordas até 70 metros de profundidade, fazendo com que a incursão de exploração economizasse tempo para entrar e sair do abismo.

Com isso a segunda investida permitiu uma dedicação à escalada de quatros horas e meia.

Apesar da segunda investida ter tido um tempo maior de escalada, progrediu menos que a primeira em função das dificuldades encontradas.

Diferente da saudável prática da escalada em rocha praticada em montanha, onde na maioria das vezes o escalador tem vias (caminhos) nas paredes parcialmente equipados e em bastante seguras, a escalada no Abismo do Juvenal deixou tensos todos os que nela se envolveram.

Detalhes – Parte da parede estava recoberta com uma fina camada de argila e fragmentos de rocha que se desprendiam ao mais leve toque. Inúmeras rachaduras geraram o medo de que parte da parede pudesse estar instável, e eventualmente desabar.

Quando o som dos golpes que perfuravam a rocha ressonavam de maneira diferente, a tensão emocional aumentava: o bloco poderia estar se rompendo e levando junto os escaladores.

Na escalada ao ar livre, eventuais quedas do escalador amparadas por uma corda e pelos demais equipamentos de segurança são consideradas normais, sem maiores preocupações, porém, em cavernas, o medo de cair é maior.

Apesar das técnicas de segurança utilizadas dentro da caverna terem sido as mesmas, o receio era com os riscos que o ambiente oferecia ao equipamento e ao explorador.

As superfícies da caverna costumam ser muito abrasivas, e muitas vezes cortantes, por causa da dissolução do calcário pela água ou pela deposição mineral típica nesse ambiente.

Outra dificuldade técnica foi ter que instalar manualmente parafusos de aço e buchas de metal na rocha, utilizados para dar apoio e segurança ao explorador. A parede foi perfurada com uma broca manual que desgastava a rocha a golpes de martelo.

Esse processo levou de oito a quinze minutos para a instalação de cada pequeno parafuso de aço (apenas para apoio) e de quinze a trinta minutos para a instalação de cada bucha de metal utilizada no sistema de segurança.

No decorrer do projeto, a equipe conseguiu o apoio de um fabricante de ferramentas elétricas (a Bosch) que doou um martelete de perfuração à bateria (furadeira profissional) que foi utilizada na terceira incursão e que tornou o trabalho de instalação dos equipamentos na parede muito mais fácil, rápido e seguro.

Durante a escalada, dois membros da equipe que não estavam envolvidas diretamente na atividade resolveram explorar a galeria onde estava o grupo. Sondaram os vãos entre as centenas de blocos desmoronados que recobriam por completo o piso da galeria.

Desobstruindo uma passagem estreita removendo um pequeno bloco de rocha, um dos integrantes da equipe se aventurou numa situação chamada pelos exploradores como “quebra-corpo”, que são condutos muito apertados.

A recompensa pelo desconforto e pela tensão emocional foi encontrar do outro lado algumas centenas de metros de novos condutos e salões, até então, desconhecidos pelo homem.
Enquanto um membro da equipe se aventurou buraco adentro, outro ficou preventivamente do lado de fora. Após alguns minutos o explorador retornou com a notícia de que havia uma longa continuidade que se abria em galerias e salões.

Enquanto a escalada prosseguia, foi realizada uma nova incursão as partes novas, mas dessa vez com dois membros da equipe para melhor explorar os condutos. Essa foi o tipo de situação que gera euforia e êxtase, mas passado esse momento, as condições perigosas do lugar chamaram a atenção.

A maior parte dos ambientes novos tinham o aspecto de instabilidade porque paredes e tetos eram formados por blocos com frágeis ligações ou já desmoronados.

A última incursão teve como objetivos a fotografia, a continuidade da escalada e o mapeamento dos novos salões e galerias descobertos na viagem anterior. A equipe foi dividida para que parte das tarefas pudessem ser desenvolvidas simultaneamente, mesmo assim, essas atividades impuseram uma jornada com vinte horas de permanência dentro do abismo.

As partes novas da caverna foram mapeadas e a escalada progrediu o suficiente para descobrir o que a caverna guarda para a próxima fase do projeto. Os exploradores envolvidos com a escalada vislumbraram a parte superior da galeria que não pode ser vista de baixo. A parede diminui a inclinação para 45º, e a via de acesso até a parede que parece ser o final desse trecho se apresenta num formato de canaleta.

O piso inclinado está recoberto de pequenos blocos de rocha, provavelmente soltos, e com argila recobrindo tudo. Esse piso se une com o teto da galeria principal, e nesse ponto, poderia ser o final da exploração se não fosse um grande buraco escuro no lado esquerdo do teto, a uma altura de aproximadamente 10 metros acima daquele ponto.

Embaixo desse grande buraco existe um trecho da parede deslocado para frente e que pode esconder uma fenda. Se essa fenda não existir, a única maneira de continuar será enfrentando mais outro trecho de escalada vertical. Porém, essa aventura terá continuidade em julho desse ano, na realização da terceira fase do Projeto Juvenal.

Na exploração do Abismo do Juvenal, e isso vale para a maioria das cavernas, nunca poderemos dizer que ela está totalmente explorada. A desobstrução de uma passagem ou mesmo a exploração de um pequeno buraco até então desprezado poderá levar a novos salões e galerias, onde nenhum ser humano já pisou.

Este texto foi escrito por: Luiz Eduardo Spinelli

Last modified: maio 10, 2005

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