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Projeto Pedais pelo Mundo visa a conscientização do uso da bicicleta


Estrada de Alter do chão para Belterra (foto: Arquivo pessoal/ Felippe César Santana)

Aracaju – Sergipe, meados de 2006, lá estava eu sentado no pátio da universidade tentando vender assinaturas de uma revista de Arquitetura que representava e ganhar um dinheiro extra. Ao mesmo tempo, sempre sentavam pessoas para ficar batendo papo e esperar o início de suas aulas. Em uma dessas conversas, estava com um grande amigo, José Waldson, debatemos a respeito da mobilidade urbana e sobre o uso da bicicleta como meio de transporte, ele a utilizava para ir para a faculdade todos os dias, em um trajeto de 6 km, lembro-me que achei uma distância enorme para se percorrer de bicicleta, no entanto prometi que iria comprar uma bicicleta e voltaria a pedalar, afinal, desde 2003 que já não tinha mais, pois havia vendido para trocar minha prancha de surf.


Essa promessa foi se protelando até julho do ano seguinte, quando participei de um ENEA – Encontro Nacional dos Estudantes de Arquitetura, coincidentemente iria acontecer uma oficina chamada ciclo arquitetura, ministrada pelos cicloativistas Vinicius Viana, Eduardo Green e Zé Maurício, hoje bons amigos. Antes de sair para pedalar pela cidade, pintando bicicletas nas ruas, pendurando placas para conscientizar os motoristas, foi exibido um vídeo chamado cycling friendly cities (cidades amigas da bicicleta), mostrando a cultura da bicicleta e a infraestrutura existente na Holanda, Dinamarca e Bogotá, naquele momento eu soube o que queria para mim, era o tema do meu trabalho de monografia e muito mais.

Volto então para Aracaju com um milhões de idéias, sendo a principal, comprar uma bicicleta, a Carmélia, que virá a ser minha grande companheira na volta pelo mundo. Peço então autorização do meu pai para fazer a compra da bicicleta em seu cartão e parcelo em quatro suaves prestações de R$ 300,00. Ela era perfeita para andar na cidade, inclusive para cicloviagem, uma bike híbrida, com paralamas, bagageiro e um grupo relativamente bom. Naquele momento eu já me imaginava fazendo uma grande viagem, me permitindo o contato direto por todos os espaços, trocar olhares, bons dias, boas tardes e boas noites com todos por que passar, e principalmente sem fazer um barulho significativo e sem poluir.

Engajamento – Após isso, o mergulho no universo da bicicleta foi cada vez mais profundo, cicloativismo, bicicletada, fundação de ONG, lutas políticas e consequentemente o cicloturismo, conheci projetos como o Acercando El Mundo, Valdo Vieira com o Pedalando pela Paz e me lembrei que quando criança, bem próximo de mim existia um cicloviajante, era o meu vizinho, pai dos meus amigos, uma vez por ano ia para Salvador pedalando, uma distância aproximada de 350 km, me recordo perfeitamente das suas bicicletas com equipamentos de alta qualidade, de pedalada macia e bom desempenho, foi juntando todas essas histórias que pensei pela primeira vez, eu ainda vou fazer uma volta pelo mundo de bicicleta.

Final de 2008 estava eu lá na grande corrida para graduação em Arquitetura e Urbanismo, utilizando, pensando e escrevendo sobre bicicleta todos os dias, ela era a grande coadjuvante de toda a história, já fazia um ano que havia optado por não utilizar mais meu carro como principal meio de locomoção na cidade, ele cumpria o papel agora de ficar empoeirado na garagem.

Apresento minha monografia, o resultado foi extremamente satisfatório e agora posso me chamar de Arquiteto e Urbanista, podia fazer o que quiser, era o que meu pai falava. No ano seguinte, a única coisa que pensava era em viajar, e então começou minha vida nômade, fui para o Rio de Janeiro visitar minha prima e encontrar os amigos da ONG Transporte Ativo, em seguida fui para São Paulo participar da bicicletada e acabei ficando também para o World Naked Bike Ride, ou Peladada adaptação para o português, somando quase dois meses fora de casa.

Volto para Aracaju e recebo o convite de Antônio Miranda para trabalhar em seu escritório de arquitetura, em Blumenau (SC), desenvolvendo planos cicloviários. Era tudo que queria, trabalhar com mobilidade urbana, no entanto a viagem de bicicleta não saia da minha cabeça, pensei então em fazer uma cicloviagem até Buenos Aires, estava tudo planejado para o verão, porém, o trabalho acabou não durando muito porque não havia demanda, volto novamente para Aracaju e mal sabia que dois meses depois seguinte começaria a grande viagem de volta pelo mundo.

Na volta pra casa, sem emprego comecei a pesquisar sobre mestrado, era uma das minhas opções, e claro que meu desejo era estudar na Holanda, país meca das bicicletas e do planejamento. Até que em agosto de 2009, um colega se animou em ir para Maceió pedalando e me chamou para acompanhá-lo, visto que ele não tinha nenhuma experiência em viagem e tampouco sobre manutenção básica de bicicleta.

Contudo, eu sabia que se saísse de casa de bicicleta iria fazer a tão sonhada volta pelo mundo, abandonaria tudo e eu acabara de receber um email de uma universidade da Holanda falando para preparar meu projeto de pesquisa. Naquele momento eu pensei, o que é que eu sei fazer de melhor no universo da bicicleta? É falar dela! No boca a boca, mostrando sua importância, o quão perfeito seria então viajar de bike, conscientizar e fomentar o seu uso?

Tomei então uma decisão muito sábia, decidi pedalar o mundo e deixar o mestrado para quando terminar a viagem. Chegada a hora de falar para meus pais, mas de toda a missa não contei um terço dela, falei apenas que iria para Maceió, a 270 km, pegava um ônibus e voltava pra Aracaju, chegando lá fui para Xingó a convite de Fábio Gualberto que trabalhava na usina e tinha casa por lá. Em conversa por telefone com meus pais, disse agora que iria para Recife, e foi somente lá que falei que iria mesmo fazer a volta pelo mundo, a aprovação no início foi bem difícil, imagina falar para seus pais que irá viajar o mundo de bicicleta, só pode ser coisa de doido mesmo, porém a medida que o projeto se estruturava eles compreenderam a importância de tudo aquilo.

Pedais pelo Mundo – O Pedais pelo Mundo foi surgindo na viagem, como minha saída de Aracaju foi muito de surpresa, eu não tinha planejado nada, e foi na viagem que ele foi se moldando, a medida que avançava cada estado, cada cidade, novas ideias iam surgindo, agregando hoje ao projeto várias palestras em escolas, universidades, participação de eventos com a temática da mobilidade urbana e dessa forma vou conseguindo mostrar a importância da bicicleta como alternativa de transporte nas cidades, e não é somente uma opção de lazer. Outra atividade agregada a viagem são os estudos e a pesquisa sobre as cidades, analisando o que está sendo feito no campo do planejamento urbano focado na mobilidade por bicicleta e sua infraestrutura cicloviária.

A viagem está só no começo, com quase um ano, o projeto chega a 10 estados brasileiros, pretendendo visitar todos os 26 e o distrito federal nos primeiros anos, mais de 70 países em um total de seis anos de viagem, percorrendo cinco continentes em busca das cidades com melhores planejamentos urbanos sustentáveis. A viagem talvez nuca acabe, pois continuará também nos livros e documentários em vídeos que se pretende fazer.

Com o Projeto “Pedais pelo Mundo” pretendo contribuir com a sociedade a reflexão da importância da mudança de nossos pequenos hábitos para garantir a sustentabilidade e equidade do planeta e seres humanos.

* Felippe César Santana, idealizador do Pedais pelo Mundo, é aracajuano, nasceu em 1986, Fotógrafo e Cicloativista, formado em Arquitetura e Urbanismo e, preocupado com o meio ambiente luta desde 2007 em prol da bicicleta como meio de transporte. É um dos fundadores da ONG Ciclo Urbano, que tem como objetivo difundir o uso da bicicleta intervindo diretamente com a população, empresas privadas e órgãos públicos, a partir de seminários, palestras e outras ações. É também conselheiro Norte/Nordeste da UCB União dos Ciclistas do Brasil – ONG de nível nacional que trabalha diretamente com o desenvolvimento de leis e investimentos pró-bicicleta, além do suporte prestado para as pequenas entidades.
Adepto do vegetarianismo desde 2008, aderiu a essa filosofia de vida, pelos impactos ambientais que a produção de carne provoca no meio ambiente e a forma de como os animais são tratados, se tornando meras mercadorias. Para saber mais: www.pedaispelomundo.com.

Este texto foi escrito por: Felippe César Santana, especial para o Webventure