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Quando o capacete salva a sua vida

Redação Webventure/ Montanhismo

Xisto pratica a exploração de cavernas há 17 anos... (foto: Arquivo pessoal)
Xisto pratica a exploração de cavernas há 17 anos… (foto: Arquivo pessoal)

Em relato impressionante, Xisto, da Curtlo, narra um acidente sofrido durante a exploração de uma caverna no Petar. Experiente na atividade, ele reconhece que foi o uso de um bom equipamento o que salvou a sua vida.

Ser espeleólogo não é simplesmente gostar de cavernas. É ter no sangue o “vírus espeleológico”. Assim como queremos dominar o tempo, queremos também dominar o inexplorado. Ir além dos desmoronamentos e sifões, querer chegar aonde nunca ninguém chegou. Isso nos impulsiona a correr riscos. E, por mais precauções que tomemos, sempre teremos na caverna algo além das nossas previsões.

No campo da exploração, em que os riscos são bem maiores, estamos expostos – e dispostos! – a atravessar lagos profundos, desmoronamentos e paredes a serem escaladas. Em todos os meus anos de explorações em cavernas, passei por muitos sufocos, e nem sempre fiz a opção por mais segurança e precaução. Já passei por enchentes, escaladas em paredes enlameadas, cheguei até a ficar 50 minutos entalado em quebra-corpo (passagens estreitas entre blocos desmoronados). Mas sempre usei equipamentos adequados que me livraram de lesões mais graves.

Bem, tudo isso para falar do meu acidente no mês passado… Em nossa última incursão ao Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Vale do Ribeira), conhecida região de cavernas em São Paulo, estive na região do Lageado com o GPME (Grupo Pierre Martin de Espeleologia). E mais uma vez foi fundamental o equipamento certo e a exploração em grupo para evitar um acidente mais grave.

O acidente – Durante a exploração de um pequeno conduto que se bifurcava do conduto principal da caverna, eu minha companheira de exploração, Maria Elisa Soares Rosa, progredíamos sem maiores dificuldades pelo conduto e conversávamos inclusive sobre a importância de uma exploração segura, consciente. Que era muito importante a exploração em conjunto. Então, eu queria ultrapassar um pequeno desmoronamento de uns três metros de altura e resolvi contorná-lo pela esquerda, pois era menos íngreme.

Só agora eu, após algumas semanas, eu consigo raciocinar o que realmente aconteceu: no mesmo instante em que eu apoiava minha mão direita na parede sedimentada por argila, numa fração de segundos, um bloco gigantesco se desprendeu da caverna e, sem que eu tivesse qualquer ação instantânea de sair, ele caiu sobre mim. Deitou-se sobre meu corpo e desapareci por completo debaixo do bloco…

Essa massa de rocha sedimentar se apoiou nas minhas costas e sobre meu capacete. Todo esse peso incalculável até hoje para mim – começou a me esmagar até eu sentir o pior: que o capacete estava cedendo e minha cabeça, cada vez mais, estava comprimida sobre o chão… Pela primeira vez, depois de tantos anos de caverna, tive a certeza de que era o fim e de que eu não conseguiria sair vivo dali.

“Quebrei minha cabeça!” – Estava sentindo o osso quebrando na minha cabeça quando de repente senti a pressão do bloco diminuir sobre mim. Era Maria Elisa erguendo o grande bloco com uma força inexplicável. Logo após estava de pé olhando o bloco de um outro ângulo. Com a sensação de estar com a cabeça esmagada e ver uma poça de meu sangue no chão, comecei a dizer, meio desnorteado: “Quebrei minha cabeça, quebrei minha cabeça!”. Sentei à beira do pequeno rio comecei a jogar água na cabeça desesperadamente, mas Maria Elisa me abraçou e tentou me deixar calmo pedindo que eu olhasse para ela. Não tive coragem, pois achava que estava cego do olho esquerdo.

Depois de algum tempo criei coragem e olhei para ela. Que sensação boa! Consegui vê-la com os dois olhos! Ela sorriu e disse: “Calma, calma. Você apenas cortou o supercílio”. Graças a ela e a Deus, eu estava inteiro e lúcido. E o mais importante: vivo.

O fundamental – Bom, amigos, para resumir, quero fechar com a lição de que o uso de um equipamento adequado, em qualquer esporte, é imprescindível. Não avalie nunca pelo equipamento mais barato; pode sair caro. No caso em cavernas, a utilização de cordas revisadas, botas com alta resistência, macacão de nylon, mochilas específicas para o ambiente cavernícola e principalmente um bom capacete – que no caso eu estava usando, da Montana, que suportou toda aquela pressão é extremamente importante.

Além destes materiais, a presença de uma equipe experiente – como a do Pierre Martin – e em particular a força de Maria Elisa uma amiga que não se desesperou e graças à sua frieza e sabedoria no meio de caverna salvou minha vida são fatores fundamentais num grupo. Hoje, o que mais quero é voltar às explorações com todos os seus riscos e continuar aquele conduto que, com certeza, dará em uma grande caverna.

Agradeço a toda equipe do GPME, que me auxiliou e me acompanhou até o hospital, ao Jurandir, o diretor do parque, e a Deus, por estar vivo e continuar a fazer o que mais gosto: “explorar cavernas”.


(*) Luiz Cláudio de Almeida, o Xisto, é gerente de Desenvolvimento de Produtos Curtlo e escreveu especialmente para o Webventure. Tem 32 anos, 17 deles dedicados à espeleologia.

Este texto foi escrito por: Luiz Cláudio de Almeida (Xisto), especial para Webventure

Last modified: junho 23, 2003

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