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Recordes pelos 500 anos de Noronha


Karol comemora orgulhosa com a bandeira do Brasil. (foto: )

As águas cristalinas do arquipélago de Fernando de Noronha sempre brindaram mergulhadores de todo o mundo com sua beleza e ótimas condições para a prática do esporte. Como forma de retribuir a “hospitalidade”, um grupo de três mergulhadores brasileiros escolheu o local para quebrar recordes nacionais e sul-americanos a partir de agosto, mês em que Fernando de Noronha comemora 500 anos de descobrimento.

Karol Meyer, Gilberto Gabardo e Alexandre Fraenkel ficaram 35 dias no arquipélago para realizar o projeto Corveta Ipiranga, que consistiu em descer sem o auxílio de oxigênio e nadadeiras até a Corveta – navio de propriedade da Marinha naufragado em 1983. Hoje ele encontra-se a mais de 50 metros de profundidade.

“Fernando de Noronha é um paraíso para os mergulhadores. E nós ficamos muito interessados em fazer esse desafio em cima da Corveta”, afirma Karol, que articulou a concretização do projeto e a escolha do lugar. “Permanecemos por mais de um mês lá e não tivemos nenhum dia desfavorável”, comemora a mergulhadora.

Alexandre cita outras vantagens do paraíso azul. “Fernando de Noronha oferece boas condições de água, como transparência e temperatura amena. Além de que os pontos de mergulho são todos próximos, o que diminui o tempo de navegação até os locais. E é um destino de sonho para todos”.

Trabalho pesado – Apesar do encantamento com o arquipélago, Karol, Gilberto e Alexandre tiveram pouco tempo para relaxar enquanto estiveram por lá. “Tínhamos metas ousadas e treinamos bastante. Para se ter uma idéia, apenas em três dias nós relaxamos”, conta Gilberto.

Os candidatos a recordistas chegaram a Fernando de Noronha em 16 de agosto e gastaram aproximadamente R$ 50 mil com infra-estrutura, hospedagem e custos operacionais. Mas faltava apenas cumprir as expectativas, que eram de recordes em quatro disciplinas: Imersão Livre, Lastro Variável, Lastro Constante e No Limits. “Não falta mais, pois nós conseguimos”, vibra Karol.

“Conseguimos ter à nossa disposição uma estrutura muito boa e precisávamos muito de marcas significativas”. A declaração é de Karol Meyer e representa fielmente o pensamento dos três mergulhadores nos dias que separaram a chegada deles ao arquipélago até 8 de setembro, data em que os recordes começaram a ser quebrados.

Porém, somente estrutura não garantiria o triunfo. E não faltaram obstáculos. “O mergulho em apnéia é bastante perigoso”, admite Gilberto Gabardo. E falhas em um esporte como esse podem significar a morte. “São uma série de riscos, como doenças descompressivas, perda da consciência, barotrauma e perfuração do tímpano”, acrescenta Karol.

A brasileira melhor colocada no ranking mundial da modalidade tentaria fazer história em duas disciplinas: Imersão Livre e Lastro Variável, assim como Alexandre Fraenkel, que até a metade do ano ocupou a terceira posição mundial de Apnéia Estática. Já Gilberto Gabardo se incumbiria de obter as melhores marcas no Lastro Constante sem nadadeiras e no No Limits.

Depois de sessões longas de treinamentos, chegou o dia. Na madrugada de uma segunda-feira (08/09) os três mergulhadores, na companhia de juízes e médicos, partiram para o local onde está naufragada a Corveta Ipiranga. Apesar dos ventos e da forte corrente marítima, era a hora da realização.

Gilberto foi o primeiro a ir para o mar. Em 48 segundos, ele conseguiu nadar sem o auxílio de nadadeiras e cabos até 20 metros de profundidade e retornou à superfície, conquistando o novo recorde sul-americano no Lastro Constante sem assistência. “Esse tipo de mergulho é muito sacrificante. Exige 100% de esforço durante todo o tempo”, explica.

“E o esforço contínuo acaba reduzindo o tempo de apnéia”, completa Gilberto, que ficou a 25 metros do recorde mundial. “O Lastro Constante é uma modalidade recém criada e iniciarei treinos específicos para ela a partir de agora. Acho que 30 metros de profundidade é viável, mas chegar aos 45 do recorde fica quase impossível”.

A comemoração pelo sucesso do mergulho de Gilberto foi logo contida. Ainda restavam as tentativas de Karol Meyer e Alexandre Fraenkel. Então o cabo que guiaria Karol foi baixado a 57 metros de profundidade. Depois de pedir mais um minuto para iniciar o mergulho, Karol partiu em direção à Corveta.

Guiando-se pelo cabo, ela desceu até a marca e tocou na areia da embarcação naufragada antes de iniciar o retorno. Com tranqüilidade passou pelo apneísta de segurança faltando 15 metros para a superfície e se soltou do cabo, fazendo o tempo de 1min48. “Senti que poderia ter ido ainda mais fundo, mas fiquei extremamente feliz por ter conseguido”.

Karol obteve com o mergulho o recorde sul-americano de Imersão Livre Feminino. A melhor marca do mundo é da norte-americana Daniel Street, que chegou aos 70 metros de profundidade.

Com o objetivo de superar os 32 metros, Alexandre Fraenkel foi o terceiro a cair no mar. Ele precisou de 1min26 para ir até 50 metros e retornar, garantindo novo recorde brasileiro. “Foi extremamente gratificante para mim ter conseguido. Tive que deixar o trabalho durante muito tempo e enfrentei a dificuldade pelo custo das passagens até Noronha”, resume.

O mergulhador catarinense afirma que também sofreu com a adaptação. “Todos os treinos que havia feito em Santa Catarina tinham sido em profundidades menores. Eu ainda não tinha mergulhado abaixo dos 50 metros”, conta Alexandre.

Para brindar o êxito triplo, houve longa comemoração em um restaurante em Fernando de Noronha. “Ficamos até anoitecer comendo, bebendo e conversando sobre o feito que conseguimos”, revela Alexandre.

Novos treinos – No dia seguinte (09/09), Karol, Gilberto e Alexandre reiniciaram a rotina puxada de atividades, visando obter mais recordes nas disciplinas No Limits e Lastro Variável. E depois de dez dias, os três retornaram ao mar novamente na companhia de juizes e médicos.

Em 19/09, eles sacramentaram a condição de melhores da América do Sul com outros recordes. Karol chegou aos 80 metros de profundidade no Lastro Variável, enquanto Alexandre fez 65 e ficou como melhor marca do Brasil no Masculino. Já Gilberto conseguiu alcançar 59 metros no No Limits (com o auxílio de um sled, ele usa o peso que quiser e enche um balão antes de iniciar a subida).

Depois de entrarem para a história, Gilberto e Karol ainda ganharam outro presente no sábado (20/09). Eles trocaram alianças e se casaram na capela de São Pedro, em Fernando de Noronha, coroando os 35 dias mágicos no arquipélago. “Foi tudo muito maravilhoso”, finaliza a mergulhadora.

Na condição de melhor brasileira e atual quarta colocada no ranking da AIDA Internacional, Karol Meyer admite que mergulhar nas condições às quais se submete podem colocar a própria vida em risco. “Não que falte estrutura para os meus mergulhos. Mas um mergulho em apnéia a 70 metros de profundidade é suscetível a uma série de adversidades”, revela.

Karol, seu marido Gilberto Gabardo, e Alexandre Fraenkel correram perigo durante a expedição em Fernando de Noronha. “Mas fizemos um grande planejamento e contamos com forte infra-estrutura, que diminui muito a possibilidade de acidentes”, explica. “O grande problema são pessoas que querem treinar sozinhas, sem conhecer seus limites”.

Na entrevista abaixo, a pernambucana fala sobre o projeto Corveta Ipiranga, a conquista de recordes sul-americanos e da falta de apoio ao mergulho em apnéia. Confira!

Webventure Quando você começou a pensar em realizar o projeto Corveta Ipiranga?
Karol Meyer – No ano passado fui pela terceira vez a Fernando de Noronha. Já havia me encantado nas outras duas oportunidades, mas desta vez tive uma conversa muito boa com o pessoal do Tamar-Ibama, que, junto com a operadora Águas Claras, deu um grande incentivo à realização do projeto.

E por que você não realizou essa expedição sozinha?
Porque achei que, com a infra-estrutura montada, seria legal que outros atletas também conseguissem marcas expressivas, como foi o caso.

O resultado final agradou?
Não só a mim, mas ao Gilberto (Gabardo) e ao Alexandre (Fraenkel). Todos nós ficamos ainda mais maravilhados com as belezas de Fernando de Noronha, com o acolhimento do povo local e com as condições do mar. Além disso, ainda conseguimos os recordes já homologados pela AIDA Brasil.

Fernando de Noronha é mesmo um paraíso para os mergulhadores?
Sem dúvida. Durante todo o tempo em que estivemos lá não encontramos um dia desfavorável. O mar também não tem termoclima, ou seja, a temperatura se mantém em torno de 28º. Não é uma água que vai ficando extremamente gelada com o aumento da profundidade. A visibilidade é excelente, também.

Se vocês não tivessem contado com apoio, quanto teriam gasto?
Se fosse colocar tudo na ponta da caneta, com hospedagem, alimentação, transporte e infra-estrutura, acho que algo em torno de R$ 50 mil pelos 35 dias em que estivemos em Fernando de Noronha.

Quais são seus planos futuros?
Devo fazer novas tentativas no Campeonato Brasileiro, que acontece em janeiro. E vou seguir me preparando para os desafios. Estive no primeiro lugar no ranking mundial de atletas durante o primeiro semestre, caí para a quarta colocação e buscarei melhorar novamente.

O Brasil está muito longe dos demais países no mergulho em apnéia?
Está bastante em relação aos países europeus e Estados Unidos e Canadá. Faz parte da cultura deles praticar a apnéia, enquanto no Brasil isso não acontece.

E por que?
Por uma série de fatores. É um esporte caro, pois exige grande retaguarda. Também é de difícil cobertura por parte da mídia, fato que acaba escondendo um pouco o mergulho. E muitos ainda o vêem como um esporte extremamente perigoso, pois escutam falar de acidentes e mortes.

Quais são as maiores potências?
Itália, França, Estados Unidos e Canadá.

Este texto foi escrito por: Jorge Nicola