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Relato da conquista da via <i>Metamorfose Ambulante</i> no Pico do Baiano (MG)


Pico do Baiano (foto: Gustavo Vianna)

Cinco horas da manhã e o despertador avisa, é hora de levantar. Um rápido café da manhã, mochilas arrumadas e pé na trilha. Um belo dia de sol se anuncia… Após seis horas de caminhada chegamos à base da via. Já haviam três enfiadas conquistadas ha quatro anos por outra equipe. Apenas eu, Gustavo, havia participado desse primeiro intento.

A trilha para a parede norte do Baiano tem o mesmo padrão das outras. Tem 6,5 km muito íngremes e nem sempre bem marcados. Logo depois do vilarejo do Morro d’Água Quente atravessa a mineração (onde é proibida a passagem) e penetra na mata. Após 1,5 km chega-se ao Vale do Mel, conjunto de blocos com até 25m de altura e que possui algumas vias equipadas, com graus do IV ao IX. Daí em diante a trilha estava muito suja e deu muito trabalho! Fizemos duas viagens nessa primeira investida. Na primeira levamos os equipos pessoais e de escalada até a base. Esvaziamos as mochilas e voltamos até o Vale do Mel para buscar água. Saldo do dia: caminhamos das 7h da manhã às 9 e meia da noite. Chegamos exaustos à base carregando 45 litros d’água. O suficiente para 7 dias na montanha.

No primeiro dia de escalada repetimos até P3 e instalamos nosso acampamento base, a 160m de altura. A vontade de escalar era tanta, que montamos o acampamento de forma precária e partimos logo para a conquista. A içagem das mochilas até o acampamento foi bastante desgastante, demorada e conquistamos apenas 50m com 2 grampos intermediários e um na parada. No meio da noite a surpresa, chuva! Foi de arrasar… havíamos esquecido as lonas e não restou outra alternativa; levantamos e esperamos a noite passar, comendo tudo que tínhamos direito, escutando “sons” no rádio do Marquinho e lançando bons presságios para o dia seguinte. Afinal, era julho!

Amanheceu e a chuva deu lugar a uma intensa neblina. No início da tarde a rocha estava seca e mais 50m foram abertos. Dessa vez a chuva nos pegou durante a conquista. Descemos da P5 num temporal e mais uma noite acordados. Revezamos na única rede, que por algumas horas permaneceu seca. Esse platô na P3, Platô do Ninho, é “confortável”. Dá para quatro pessoas, duas no chão e duas em redes ou portaledges, mas devido à inclinação ficávamos sempre clipados à um varal e dormimos de cadeirinha. O dia seguinte amanheceu chuvoso e resolvemos descer. Deixamos água, alimentos e alguns equipos de grampeação no platô. Deu muito trabalho rapelar com as cordas molhadas e começamos a caminahada à tarde. Chegamos no “Abrigo do Caverna” umas 11 e meia da noite, totalmente molhados e com o moral lá em baixo.

Coincidência ou não, era aniversário do Caverna e havia muitos hóspedes no sítio. Três deles nos esperavam acordados e bastante animados! Emerson “Mandacaru”, Adriano “Rosinha” e o anfitrião Alexandre “Caverna”. Tínhamos um walkie talkie, com o qual mantivemos contato com essa galera informando nossa situação em boletins matinais e noturnos. Da parte deles pudemos escutar boas músicas, ao nosso gosto. Era a rádio caverna. Fez sucesso na montanha! Recebemos roupas secas, barracas, um farto caldo de mandioca e um bom vinho.

Dois dias de descanso e o tempo bom estava de volta, dessa vez com muito frio. Decidimos ficar na parede até a comida e água acabarem. Levamos mais 20 litros e alimentos. Ainda cansados, contratamos dois carregadores nativos que nos ajudaram a chegar à base menos desgastados. “Chora na rampa,” foi o grito da caminhada! O dia rendeu… da vila tivemos uma visão esclarecedora. Estávamos tomando o rumo errado. A neblina tinha atrapalhado a leitura da via. O sistema de fendas que queríamos tinha ficado para trás na quarta enfiada. Decididos a pegar esse filé, abandonamos a quinta enfiada já conquistada e fomos para as fendas. Na verdade, no início são chaminés de larguras variáveis, alguns off-widths e fendas para friends pequenos e médios. Uma delas, na sexta enfiada, uma obra prima! Muito frio nesta parte que não vê o sol nunca. Quatro dias de escalada e seis enfiadas conquistadas. Poucos grampos, não usamos furadeira na conquista. Alguns lances bem expostos, mas no geral fáceis. Nada além do VII.

Alguns episódios, agora cômicos, quase foram trágicos. Um ascensor voador acertou a cabeça do Marquinho. Quase cai no “vazio”. Felizmente o Marcus usava capacete! Uma marreta quis seguir a mesma carreira, mas foi apanhada no ar e o Marquinho conseguiu terminar a colocação do grampo. Esse foi o saldo da 2ª investida!

Descemos de dia e rápidos, com pouco peso. Nossa intenção era voltar uns 50 dias depois… não agüentamos e na metade do prazo, estávamos de volta. Mais um escalador se juntou à nós para a repetição da parte conquistada e foi embora no segundo dia levando duas cordas nossas, e fizeram falta. Nosso acampamento agora era na P10, onde havíamos parado na ultima tentativa. Uma boa plataforma, batizada de Platô do Observatório. Que vista para as estrelas! Dessa vez dispensamos as cadeirinhas na hora do sono…

Quando chegamos na P13 não tínhamos mais grampos, parafusos, comida e os punhos já estavam quebrados há muito tempo. Encontramos as chapas da Mahakali, mas não conseguimos enxergar o caminho feito por eles (Eustáquio, Fox e Daniel). Resolvemos continuar e se necessário rapelar nas brocas, para o desespero do Marcelim. Duas enfiadas bem expostas e duas paradas em móvel. Apesar de serem as mais fáceis da via, são as mais perigosas.

Mais três dias de escalada com cinco enfiadas verticais, três delas quase inteiras em artificial. Enfim o cume! Ficamos menos de uma hora lá em cima… encontramos o “livro” de cume, uma garrafa pet cortada com algumas folhas de papel dentro. Deixamos nossas impressões e começamos a descida. A via segue uma linha reta da P3 até o cume e por isso os rapéis são “fáceis”.

É bom lembrar que esse cume não é o principal do Baiano. É um pouco mais baixo e ao norte daquele. Não menos fascinante e desafiante! Foi alcançado a primeira vez pela via Mahakali, meses antes. Uma conquista que durou nove anos.

Em vários momentos vimos nossa situação frente ao desafio mudar de repente. Sol e chuva. Frio e calor. Água de sobra e noite de sede. Três punhos e 15 minutos depois, nenhum… até mesmo nossas expectativas frente à via mudaram radicalmente. Metamorfose Ambulante foi o nome escolhido. 700 metros, 6° VII A2 E3, dois dias para repetição.
Certamente uma ótima opção para quem quer se aventurar pelas paredes do Caraça.

É isso aí… boas escaladas e usem capacete! Escalem com segurança e pratiquem o mínimo impacto!

A equipe!

Este texto foi escrito por: Gustavo Vianna