O monte divide Brasil Venezuela e Guiana (foto: Luiz Carlos Begliomini Jr.)
Depois de subir o Monte Roraima localizado exatamente na divisa de Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa posso afirmar que, em viagens de aventura, por melhor que seja o check-list e as informações previamente coletadas, situações inesperadas podem acontecer. Que bom, porque essas são as melhores histórias para contarmos depois.
Por isso, vou começar pelo fim. No último dia de um trekking de sete, um pequeno deslize aconteceu. Depois de horas caminhando, estávamos felizes, porém suados e exaustos. Tudo o que queríamos era um banho de rio, daqueles sem hora para acabar. Já estava escuro quando elegemos um cantinho na margem e entrarmos na água. Uma coisa, no entanto, não estava no script. Enquanto eu me dava de presente uma massagem natural em uma queda d’água, o meu namorado fotógrafo da trip desastrosamente empurra pra dentro do rio todo o nosso material de higiene (biodegradável, claro!). Foi engraçado vê-lo todo ensaboado, tentando vencer a correnteza para encontrar, pelo menos, o sabonete. Já eu tive de respirar fundo e me conformar com o banho de gato.
Perrengues à parte, a caminhada de sete dias foi uma grande e agradável surpresa, do início ao fim. O Parque Nacional do Monte Roraima, Patrimônio Histórico da Humanidade, é considerado um dos lugares mais antigos do mundo, com 2 bilhões de anos, aproximadamente. Mas, a imponente montanha de 2.739 metros de altitude que dá o nome ao parque não brilha sozinha no meio da Amazônia. Ao longo dos 29 quilômetros de caminhada até seu topo, a partir de uma aldeia, pudemos vislumbrar a maravilhosa savana roraimense ou gran savana, para os venezuelanos.
É bom deixar claro que é preciso estar em boas condições físicas para enfrentar a região, que já está acima da Linha do Equador. São longas distâncias, incontáveis subidas e descidas e muitas caminhadas por pedras. Tudo, claro, debaixo de muito sol ou chuva e da inseparável companhia da mochila, que não deve ultrapassar um terço de seu peso. A vantagem é que há agua no caminho, o que evita ter de carregar litros e mais litros nas costas.
Desgaste físico à parte, o que vivemos ali eu mais cinco pessoas foi história, natureza viva, grandiosidade do Universo. O silêncio que às vezes se firmava na caminhada afinal, até os mais falantes se rendem ao cansaço em algum momento proporciona uma viagem interior magnífica. Senti despertar em mim um respeito ainda maior por montanhas, rios, pedras, plantas e, especialmente, pelos índios pemons, que habitam a região, mantendo viva a tradição nas comunidades locais, como a Aldeia Paraitepuy, nosso ponto de partida para a caminhada.
Para os brasileiros, a aventura em si começa em Boa Vista, capital de Roraima. Dali até o próximo destino, Pacaraima, cidade que faz fronteira com a Venezuela, são aproximadamente 200 quilômetros por uma estrada boa. Nosso grupo fez a viagem na van da agência de turismo contratada, a Roraima Adventures Turismo.
Ao chegar à cidade é só carimbar o passaporte e pronto! Mais um passo você estará em Santa Elena de Uairén, na Venezuela, uma boa oportunidade para treinar o portunhol como a maior parte (85%) do parque está no país vizinho, a língua oficial de guias e índios é o espanhol. Em Santa Elena, embarcamos num veículo 4×4 para chegar à Paraitepuy, onde moram cerca de 600 índios e de onde, de fato, começaria o trekking.
Primeiro dia de caminhada: 16 quilômetros
A estada em Paraitepuy foi rápida. Chegamos, enchemos as garrafinhas de água, assinamos o livro de visita e já partimos para a caminhada. Vale lembrar: alguns montanhistas já entenderam que a diversão ao subir uma montanha não está apenas em alcançar o topo, mas sim na observação e na contemplação do percurso.
Se você não é um pemon, vai precisar de, pelo menos, dois ou três dias para chegar ao cume do Roraima. Assim, acampamos na primeira noite às margens do Rio Tek, onde acontece o primeiro e esperado banho, depois de 16 quilômetros de caminhada.
Ali, enquanto relaxávamos nas refrescantes águas do Tek, os índios e nosso guia Léo montavam as barracas e preparavam um delicioso jantar, que seria degustado não exatamente à luz de velas, mas das lanternas de cabeça.
Felizes e exaustos, dormimos tranquilos até o dia seguinte, quando levantamos antes do sol, tomamos um reforçado café da manhã e seguimos viagem.
A meta do segundo dia foi dormir aos pés do Roraima, depois de 9 quilômetros de trekking. No meio do caminho, uma parada estratégica para se refrescar e curtir um dos visuais mais bonitos do percurso: o encontro das águas dos rios Tek e Kukenán.
Muitos caminhantes gostam de acampar neste ponto, mas nós partimos rumo ao nosso objetivo, a base da montanha. Ao conseguirmos, a recompensa: o almoço! De novo, os índios prepararam a comida com muito carinho, que se tornou um banquete.
Agora era descansar, fotografar e aproveitar o fim de tarde para admirar o paredão, que, finalmente, estava ali, tão próximo. O Monte Roraima crescia aos nossos olhos e a aventura ia ficando cada vez mais emocionante. A montanha tem formato de mesa, que é um tipo de relevo formado a partir de uma antiga superfície cujos terrenos ao redor foram desgastados por erosão. Essa formação na região é conhecida como tepui.
Enfim, a montanha sagrada, depois de 4 quilômetros de subida
Atacar o cume, expressão comumente usada por montanhistas, não é bem-vinda entre índios e guias da região. Conquistar seria um termo melhor. Ainda assim, há quem diga que o visitante não conquista a montanha, pois o homem não tem todo esse poder. Na verdade, a montanha se deixa (ou não) ser conquistada.
Sabendo disso, demos sorte. Mesmo com o mau tempo, depois de 5 horas quase ininterruptas de subidas, sob chuva e vento, chegamos ao ponto mais alto do Roraima, montanha sagrada para a população diz a lenda local que, do encontro do sol com a lua nasceu Macunaíma, espirito guerreiro e justiceiro que protege o monte.
Mas, por causa do cansaço e da fome, mal conseguíamos apreciar a paisagem que se descortinava à nossa frente sorte que tínhamos os próximos três dias para explorar todo o topo do monte. Assim, montamos o acampamento em grutas, chamado de hotel índio, um lugar que, na medida do possível, era abrigado do vento.
Uau! Um novo mundo se abria ao explorar o topo do Roraima, que tem 90 quilômetros quadrados. A primeira atração foram as jacuzzis e as prainhas naturais que se formam em cima daquele gigantesco tepui.
Também apreciamos os tapetes de quartzos brancos, que pareciam nos hipnotizar. É indescritível a beleza desses cristais. Mas, cuidado! É proibido levar qualquer pedrinha dali e, não raro, os índios revistam as malas dos visitantes na volta.
Depois, visitamos um ponto chamado Janela, de onde daria para ver o vizinho Monte Kukenán caso as nuvens deixassem. Fica para a próxima admirar suas quedas dágua e o imenso vale de florestas entre os dois tepuis.
Para finalizar o tour de três dias, visitamos o Vale dos Cristais, outro ponto de quartzos, o El Fosso um buraco com quedas dágua e passagens subterrâneas e o Ponto Triplo, marco piramidal que demarca o limite entre Brasil, Venezuela e Guiana.
Agora era pegar o caminho de volta, trazendo as inúmeras experiências, reflexões e aprendizado. O percurso de retorno também foi uma grande viagem, mas, dessa vez, para o mundo interior de cada um.
O Monte Roraima fica dentro do Parque Nacional de Canaima, pelo lado venezuelano, e no Parque Nacional do Monte Roraima, no Brasil, com porta de entrada pela cidade de Pacaraima (RR).
Melhor época: no inverno do Norte, de setembro a março, quando chove menos.
Grau de dificuldade da trilha: Médio.
Quem leva: Eu fui com a Roraima Adventures (www.roraima-brasil.com.br), que existe há 9 anos. Outras sugestões de agências: Pisa Trekking (www.pisa.tur.br) e Ambiental Turismo (www.ambiental.tur.br).
Quanto custa: pela Roraima Adventure, cerca de R$ 1.700 (incluindo traslado a partir de Boa Vista, refeições durante a caminhada, guia e barraca). À parte você banca equipamentos pessoais, carregador da mochila (se quiser) e passagem de avião de sua cidade até Boa Vista (e pernoite nesta cidade, se precisar).
Este texto foi escrito por: Paloma Denaro, especial para o Webventure
Last modified: janeiro 11, 2012