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Renata Falzoni, por ela mesma


Renata vive intensamente cada segundo do seu trabalho. (foto: Arquivo pessoal)

Renata Falzoni: (Feminino exarcebado) 1.Rainha do cipó, moleca do mato, aventureira nata; 2. Formada em arquitetura pelo Mackenzie, em 1977; 3. Fotógrafa desde criança, mais tarde profissional. 4. Mãe de Tatiana Falzoni. 5. Vídeo-repórter conceituada; dona de uma linguagem própria de “célula única de reportagem”.

Talvez fosse esta a definição que o dicionário Aurélio daria para Renata Falzoni, 48 anos, considerada a personificação da aventura na televisão brasileira. Entretanto, ela se auto-definiu como “uma pessoa que perseguiu um sonho, não deu trégua e venceu. Desde sempre eu persegui a ação, documentando a ação, de estar em contato com a natureza e os bichos, e de estar na comunicação, envenenando as pessoas naquilo que acredito”.

Em meio a uma conversa de quase duas horas, insuficiente para traçar um perfil melhor, a única mulher dos quatro filhos do casal Jandyr e Yedda Falzoni contou sobre a infância nas florestas do Morumbi, da faculdade, na década de 70. Fundadora do Night Bikers, há 10 anos, explicou como a bicicleta preencheu a sua rotina, ao ponto de só utilizá-la como transporte em uma cidade superlotada pelos carros.

Expôs pensamentos livres, ecologicamente corretos ou ultramente politizados. Falou do início duro na TV, da primeira e da melhor matéria que produziu. Da ‘mea culpa’ que a levou a peregrinar até Brasília. De esportes de aventura. Da felicidade de ser mãe. Neste Aventura Brasil, você conhecerá Renata Falzoni, por ela mesma.

Na infância, depois na adolescência, Renata já era expedicionária, fotógrafa e cineasta, tudo ao mesmo tempo. Começou a pedalar desde cedo e nunca mais parou.

Aventura Brasil – Você era uma menina com a cara suja de lama e graxa?

Renata – Com cinco anos de idade eu já fotografava. Brincava com meu laboratório de brinquedo, que era feito praticamente com uma química azul, e revelava. Já tinha uma produção fotográfica tosca a partir dos negativos do meu avô. Com oito, eu já filmava. Fazia cinema em casa. O meu era mudo. Nesta época, já pedalava. E nunca mais parei. Aos quatorze, eu era mecânica da rua inteira, remendava as câmaras de pneus de todo mundo e consertava freios.

Eu era também a rainha do Cipó. Morava no Morumbi (bairro da cidade) e, naquela época, tinha aquela enorme reserva florestal do Oscar Americano. Morava em frente à Mata Atlântica, muito preservada. Lá era meu celeiro. Eu andava o dia inteiro com cachorros no meio daquelas trilhas muito fechadas, repletas de marias-sem-vergonha. E a brincadeira era subir nas árvores e balançar no cipó, imagina só. Tinha, na verdade, vontade de ser Tarzan.

Aos 20 anos, comecei a escalar, na década de 70, com a turma do CEU (Centro Excursionista Universitário) e eles eram a ponta junto com o pessoal do Clube Alpino Paulista. Meu irmão (Roberto Falzoni) e eu freqüentamos muito o CEU. Ele mais na ponta, fazendo grandes expedições de espeleologia. Eu só passeava, acompanhava.

Enquanto a onda, na década de setenta, era fumar e beber, Renata gostava de esportes. E não perdia uma aula de educação física na faculdade. Por causa disso, a turma não gostava dela. Era sempre a do contra. Sua persistência e determinação com o que gostava de fazer, porém, a levaram para televisão, criando uma nova linguagem com o telespectador.

Aventura Brasil – Fotografia foi o início?

Renata – Fui fazer escola de arquitetura. Na minha época, ou se fazia medicina ou direito ou engenharia. Estou falando de 1970. Era o início do curso de jornalismo. Fiquei sabendo mas não fui fazer. Na faculdade de arquitetura, eu aprendi a projetar, a lidar com variáveis, como luz, som, espaço e movimento, que o arquiteto lida no seu projeto, no dia a dia. Dentro da arquitetura, comecei a fotografar muito forte e assistir muito televisão e cinema. Em nenhum momento pensei seguir na arquitetura. Sai da faculdade e fui fazer fotografia.

Entrei na Folha de S. Paulo, mas já fui bater nas portas das televisões. Batendo forte, ainda tenho os calos nos pés de tanto chutar as portas. Eu só consegui entrar na televisão em 1995, ou seja, quinze anos depois que já estava no mercado fotográfico.

Aventura Brasil – O que é linguagem abelha?

Renata – Os precursores desta linguagem “abelha”, que assim se entitulavam, que era um câmera trabalhando tudo, uma célula única de reportagem, apareceram na TV Mix e TV Gazeta, em 1986, com o Tadeu “jango”, Marcelo Tass, Fernando Meirelles, entre outros. Foram eles que inventaram esta linguagem, mas sem virar a câmera para você. Realmente fui eu a primeira a ter a cara de pau de virar a câmera para mim, dez anos depois. É muito ‘egotrip’.

Dentro da minha câmera tem um auditório. Então é como se estivesse lá dentro, e eu estou com eles (telespectadores). Sou íntima, conivente. E quando viro a câmera, eu nunca viro para minha frente mas para o meu lado. Eles estão do meu lado. É uma linguagem que eu criei. E pode reparar que também viro de costas para eles. É por dois motivos: um porque sou tímida e o segundo é para mostrar que também estou vendo, que nós estamos vendo.

Aventura Brasil – O que determinou o seu trabalho? Que linha seguiu?

Renata – Um livro de fotografias que fiz no Pantanal, em 1988. Foi muito importante para mim. O fato de estar fotografando pássaros foi me reeducando. Com 35 anos eu tinha perdido o apuro do passarinho. Hoje, quando estou andando de bicicleta ouço muito mais atentamente os passarinhos. Isso determinou o meu trabalho. Explico. Quando eu era fotógrafa eu ouvia o som para poder identificar onde o passarinho estava. Quando se é vídeo-repórter, como sou, toda a base de captação de vídeo é calcada no áudio, muito importante para a sonorização daquele texto. Dois textos ao mesmo tempo são inaudíveis. Do tempo que eu morava no Morumbi, dos passarinhos no Pantanal, eu estou ouvindo ação para ter um vídeo e áudio completos.

Perguntada sobre as matérias e reportagens de sua preferência, aventuras vividas, Renata não soube exemplificar muitas. Suas histórias estão além da memória, sinal de que vive cada segundo muito intensamente.

Aventura Brasil Qual foi sua primeira reportagem?

Renata – Sabe que ela está perdida. Está em arquivo na ESPN Brasil. Foi um passeio de bike com Pedro Riccardi e mais um rapaz americano saindo de Monte Verde (MG) até São Francisco do Xavier (MG). Foi muito difícil porque fiz tudo muito correndo, atrás deles. Ela começa com a câmera parada, e eu enchendo o pneu da bike e conversando com a câmera, dizendo o que iríamos fazer. Totalmente enquadrado. Saiu em um programa chamado Triz. Já tinha técnica de enquadramento com vinte e pouco anos de fotografia profissional.

Aventura Brasil – Sua melhor matéria?

Renata – O material que mais bem feito ficou foi, sem dúvida, o do Caminho de Santiago. Um programa de 50 minutos que o telespectador não desgruda o olho. Foram 800 km de em cima de uma bike falando das relações humanas. É um câmera nervosa com o tempo inteiro andando e, ao mesmo tempo, parada por causa da minha técnica.

Aventura Brasil E sua maior aventura?

Renata – O dia em que nasceu a minha filha, Tatiana (hoje com 19 anos). É uma aventura eterna. Não tem gaveta que guarde o seu filho, a sua filha.

A influência sobre os ciclistas foi determinante para reparar um erro que a mídia e ela própria haviam feito sobre o Código Nacional de Trânsito. Para retificar, Renata organizou uma peregrinação até Brasília, em favor dos direitos dos ciclistas.

Aventura Brasil – O que foi dizer ao presidente quando foi para Brasília?

Renata – Minha ida para Brasília tem uma história curiosa. Em 1997, em setembro, a Folha de S. Paulo me entrevistou sobre o novo código de trânsito. Eu tinha lido pouca coisa e ridicularizei. Em seguida, a MTV veio e eu novamente ridicularizei. Com isso, a Globo começou a ridicularizar e começou uma onda de ciclistas, capitaneada com uma primeira palavra minha, a ridicularizar. Pouco depois a Revista 89 me pediu uma matéria sobre o código. Eu disse que faria contando que me enviassem o código. Eu percebi a besteira que havia feito.

Havia utilizado grandes espaços, como a Folha e a MTV, para falar mal sem saber. Por exemplo. Artigo 21 diz que toda a autoridade de trânsito é obrigada a zelar pela segurança dos ciclistas. Artigo 58 diz que a bicicleta tem todo o direito à direita de qualquer veículo. Quando descobri, a besteira fui para Brasília, de joelhos, para me redimir daquele pecado, para poder criar toda uma mídia para mostrar que os ciclistas estavam apoiando o código. Foi uma coisa de ‘mea culpa’, tinha de me redimir. Até hoje o motivo da ida a Brasília, que era de propagar o que tem de interessante e importante no código referente às bicicletas, continua esquecido e descumprido.

Com dois programas independentes na TV, um quinzenal, na ESPN Brasil, e outro semanal no Canal 21, Renata vive propagando os esportes de aventura ao produzir matérias especiais ou dos eventos de fim de semana que participa. Com toda a experiência que lhe pertence, ela deixa aqui seus princípios e ensinamentos…:

Aventura Brasil -…: quanto ao perigo da profissão?

Renata – Olha, sou uma pessoa que desde sempre tive o pé no chão e é uma característica de mulher. Conheço meu limite e sempre trabalho com a margem dele. Para o público pode parecer não ser verdade por que ele tem outras limitações. As minhas são mais avançadas, como descer em um downhill forte ou mesmo estar pendurada em uma corda, que para mim estão muito fáceis de interpretar onde está o limite. Em muitas poucas vezes me vi em uma situação de risco, de morte.

Aventura Brasil -…: quanto ao mercado?

Renata – Hoje o comportamento das pessoas é outdoor. Não há retrocesso, mas também não é mania. Irá se popularizar e se solidificar. Tem problemas. Temos que ter uma educação ambiental, ter consciência da preservação do meio ambiente, principalmente uma coisa que não acontece neste país que é a sinalização de trilhas. Temos que ter um comportamento digno. Conheço ONG’s (Organizações Não-Governamentais) de gente que não tem dente na boca, catando lixo e ensinando que pilha estraga. Gente que trabalha mas vem sendo massacrada pelo capitalismo selvagem. A educação ambiental tem de ser a disciplina do presente. Se ficar para o futuro, irá detonar. Tem de atacar muito a educação na criança.

Aventura Brasil -…: quanto à segurança do esporte?

Renata – Esportes de aventura é caracterizado como um esporte que você tem que dominar uma técnica para estar totalmente dentro de uma segurança. Se eu não sei guiar um carro e saio pela rua, eu estou representando o mesmo risco de não saber as técnicas verticais mínimas para se fazer um rapel, em uma tirolesa e mesmo se ancorando. É a mesma coisa.

Os conceitos mudam porque tudo o que eu aprendi na década de 70 hoje é condenado, mas nunca matou ninguém. Aprendi de uma maneira equivocada. Cansei de fazer rapel em grampo único em rocha, grampos soldados na Barra Funda, em São Paulo. Fiz espeleologia descendo escadinha de degraus de aço, descendo num vão, sem corda. Isso era a técnica da época, totalmente condenada hoje.

Aventura Brasil – Qual é o melhor veículo de transporte hoje?

Renata – É a bicicleta, sem dúvida. Não é de hoje. A bicicleta é melhor invenção que o homem já pôs na Terra. É o único artefato manufaturado que carrega dez vezes mais o próprio peso e produz menos energia que o homem.

Aventura Brasil – O que te deixa triste?

Renata – É a classe dominante se compactuando com o capitalismo selvagem em seus mínimos detalhes. A negação do ser humano. Nega-se que o homem seja um homem. Ele é uma máquina na sociedade.

Aventura Brasil – O que te deixa feliz?

Renata – É uma coisa tão pequena. Conseguir ter uma qualidade de vida dentro deste caos. Só ando de bicicleta. Não tenho horários, só a noite quando pego o carro. Não tenho patrão, porque sou independente e negocio com ESPN e Canal 21. Moro nesta casa em que eu já plantei um abacateiro, uma cerejeira, uma mangueira, uma bananeira, uma jaboticabeira. Tenho cinco cachorros. É ter conseguido driblar as dificuldades, de montar uma qualidade de vida.

Aventura Brasil Qual é a sua filosofia de vida?

Renata – Viva e deixe viver, com a complementação de preserve a vida.

Aventura Brasil – Se não fosse um vídeo-repórter seria o quê?

Renata – Uma cineasta, eu acho.”

Aventura Brasil – O que você faria para salvar o meio ambiente?

Renata – Não sou eu que devo. Mas uso todos os meios de comunicação e indução para estar educando.

Aventura Brasil – Qual é o seu inferno na terra?

Renata – Eu consigo viver bem neste inferno.

Aventura Brasil – E seu paraíso na terra?

Renata – Se eu estou com uma câmera na mão, filmando, estou bem. Sou tarada por isso.

Este texto foi escrito por: André Pascowitch