Minha equipe da esq para dir: Marcio Fabio eu e Klaus depois de 8horas e 31 min de prova. (foto: Arquivo pessoal.)
Depois de fazer a cobertura de muitas corridas de aventura pelo Brasil afora, parei de ficar só por trás da máquina fotográfica, bloquinho de anotação e gravador, e resolvi encarar o desafio de frente. Nada melhor do que estar competindo em uma prova para poder levar aos internautas um pouco mais de emoção.
Por isso, resolvi participar do Adventure Camp, uma corrida de aventura na qual eu teria um percurso de 8km de canoagem em alto mar, em duck (bote inflável), 10km de bike & run dois atletas da equipe iriam de bike e os outros dois correndo, podendo revezar a atividade durante o caminho – e mais 15km de trekking, com a realização de um rapel em uma cachoeira de 44 metros ao longo desta etapa. Nada mal para uma iniciante! Tudo isso na região de Ilhabela e São Sebastião.
Como de costume, o Adventure Camp tem no sábado (o evento é realizado em um fim de semana) uma clínica de corrida de aventura, ou seja, você aprende as noções básicas de orientação, canoagem, técnicas verticais e bike, com instrutores especializados nestas modalidades. E no domingo acontece uma mini-corrida, para colocar em prática tudo o que você aprendeu durante a clínica.
Querendo desistir – As distâncias desta mini-corrida me pareciam um pouco quanto exageradas para uma prova para iniciantes. Seria em torno de 35 km ao todo. Inicialmente eu iria correr em uma equipe com mais três colegas da imprensa, mas durante o briefing de sábado à noite, uma espécie de reunião, na qual recebemos o mapa da prova, mudei de idéia.
Um atleta que me dera carona até o restaurante onde estava sendo o briefing disse que estava precisando de uma garota para correr na equipe dele, já que eles estavam em três homens e queriam correr como se estivessem em uma corrida grande, de longa duração, nas quais na maioria das vezes é exigida a presença de um membro da equipe ser do sexo oposto. E eu aceitei o convite.
Minha equipe estava formada, e bem homogênea por sinal: Eu, Camila Christianini (jornalista), Márcio Neubauer (engenheiro), Fabio de Paula (engenheiro) e Klaus Kleuser (médico) formávamos a equipe Intel Capital. Nome dado pelo Márcio.
Durante o briefing eu, o Márcio e o Klaus conversamos um pouco sobre como seria o dia seguinte. O Fábio iria chegar em São Sebastião apenas na manhã da prova. Confesso que fiquei com medo, pois eu tinha entrado em grupo de homens, atletas e conseqüentemente fortes. Sempre fui atleta, mas ainda continuava achando o percurso um pouco grande.
Cheguei para o Klaus e perguntei: E se eu quiser desistir no meio da prova, tem algum problema?. Ele respondeu: O que? Nem que eu tenha que te levar dentro da minha mochila você termina essa prova. Naquele instante tive a certeza de que não tinha mais como escapar. Ou eu corria, ou eu corria.
A largada estava marcada para às 8h, na areia da praia, em São Sebastião, mas atrasou um pouco. A cena era muito divertida: um monte de gente com camisa vermelha, capacete e mochila nas costas, ao lado dos ducks, esperava a buzinada da largada para sair correndo em direção ao mar, carregando os botes. Os moradores da cidade olhavam curiosos tudo aquilo que estava acontecendo.
Foi dada a largada. Eu e o Klaus remávamos juntos e, no outro duck, estavam o Márcio e o Fábio. Tínhamos oito quilômetros de remada pela frente, até chegar no PC 1 (posto de controle), onde pegaríamos as bikes para seguir no bike & run. Estávamos remando em alto mar, observando a areia cada vez mais distante de nós. O Klaus estava fazendo o leme (a pessoa que vai atrás na embarcação, dando a direção) e eu estava na frente, remando forte.
De repente, vimos os outros ducks se distanciando de nós, e quando olhei para trás, estávamos em último! Não desanimamos e continuamos remando, sempre com muita vontade de completar os oito quilômetros. Ainda estávamos no começo da prova, e não podíamos nos deixar abalar com a situação.
Remávamos, remávamos e não chegávamos nunca no PC1. Foi quando um barco da organização se aproximou de nós e perguntou se queríamos ser puxados até onde estavam os outros barcos, para não ficarmos muito distante. Não aceitamos. Gritávamos para o barco: Nem pense nisso. Nós vamos remar até o final, nem que a gente chegue lá amanha. A situação era muito engraçada.
Resolvemos trocar de posição. Eu faria o leme e o Klaus iria na frente, para remar forte. O único jeito de mudar de posição em alto mar era um pulando na água, enquanto o outro pulava de um lugar para o outro. E assim fizemos. Eu passei para a parte de trás da embarcação e o Klaus pulou na água, para passar para frente. Neste instante as duas garrafas de águas que estavam na lateral da mochila do meu companheiro de equipe caíram na água, e tínhamos apenas um restinho de Gatorade na garrafa que estava dentro da minha mochila.
Depois de aproximadamente duas horas remando, chegamos ao PC1, localizado em um hotel, na beira da praia. E o mais importante: não chegamos em último, mas em penúltimo neste PC. O Márcio e o Fábio já tinham chegado fazia tempo e esperavam por nós. Pensamos que vocês tinham virado o duck no meio do mar, disseram. Rimos muito. Aproveitamos enquanto as outras equipes estavam trocando de meia, bebendo água e pegamos a bike e saímos super rápido.
Nunca fui muito boa de bike e tinha medo de atrasar meu grupo. Começamos a pedalar por uma rodovia, mas depois entramos em uma subida, em uma estrada de terra e meu ritmo começou a diminuir. Sempre tive dificuldade em subidas. Para minha alegria minha equipe estava bem entrosada e ajudávamos uns aos outros. Não tínhamos idéia de qual era a nossa posição naquele momento, mas tínhamos o objetivo de completar todo o percurso e não chegar em último. E em último com certeza não estávamos.
No posto de controle seguinte, deixamos duas bikes, como o permitido pela organização, e seguimos dois andando e dois pedalando. Era uma subida muito íngreme, em estrada de terra e seria muito complicado empurrar as bikes. Subimos um desnível de 700 metros, debaixo de um sol muito forte, sol do meio-dia e sem água! Nossa sorte foi achar uma bica no meio do percurso para abastecer as garrafas.
Eu já estava muito feliz de estar ali, no meio de um morro, debaixo do sol, com mato para todos os lados, sem desistir do desafio e com uma equipe super legal. Uma das maiores surpresas da prova foi o meu grupo. Nos demos muito bem para uma primeira experiência em conjunto. Estávamos sempre muito animados e ficamos íntimos durante a prova, pois deu tempo de contar a vida inteira para quem quisesse ouvir.
Tínhamos que chegar até às 13h no PC 3, senão sofreríamos um corte de cinco quilômetros no percurso, e não queríamos. Chegamos às 13h14 e fomos cortados. Ficamos chateados, pois corremos tanto para passar pelo corte no horário estimado e por quatorze minutos perdemos uma parte do trajeto. Pouco, mas perdemos e não queríamos.
Sendo assim, tivemos que seguir direto para o PC5, onde havia uma linda cachoeira, com uma queda dágua de 44 metros, na qual faríamos o rapel. E lá fomos nós quatro, procurar a trilha que nos levaria à cachoeira. Andamos, andamos e andamos e encontramos com uma outra equipe voltando, dizendo que estávamos na direção errada. E realmente estávamos. Voltamos boa parte do percurso e entramos em uma outra trilha.
Ao final da trilha encontramos uma casinha de um caboclo no meio do nada, com mato de todos os lados. Ali vivia um senhor de idade. Perguntei a ele para que lado havia uma cachoeira e ele respondeu: Cachoeira? E tem cachoeira por aí minha fia? Eu não sei não. Moro aqui há seis anos e nunca fui pra cidade. Foi isso mesmo que eu ouvi. Impressionante como existem pessoas que vivem totalmente isoladas do centro urbano, sem o mínimo contato com a civilização.
Mas corrida de aventura tem disso. Você anda por lugares que pessoas comuns não andam, você faz coisas que pessoas comuns não fazem. É tudo diferente. Eu costumo dizer que se a corrida é na região de uma praia, os atletas não vão ficar andando pelas areias. Eles vão caminhar por detrás daquela montanha que tem na ponta da praia. O inusitado.
Da casa deste senhor saíam três trilhas; uma delas nos levaria à cachoeira. O Klaus, que era navegador da nossa equipe, nos mostrou a direção e por ali fomos. Começamos a adentrar em uma mata fechada, com muitas subidas. Pelo mapa deveríamos encontrar pela frente uma grande descida, e a bússola apontava que estávamos na direção certa. Andamos por mais de uma hora e meia na mata fechada, torcendo para que a cachoeira chegasse logo, pois o calor era intenso.
A navegação começou a ficar difícil demais para uma corrida para iniciantes, mas mesmo assim resolvemos continuar andando naquela direção. Até que chegamos no topo de uma ribanceira de 90º e vimos que novamente estávamos errados. Voltamos todo o caminho (uma hora e meia de caminhada) e caímos novamente na casa do caboclo.
Perdidos na selva parte II – Seguimos então a outra trilha. O Klaus estava um pouco confuso com o mapa e eu, como entendo apenas o básico de navegação, não tinha como ajudar. O Márcio e o Fábio iam para qualquer lado também. Equipe super experiente!!! A minha única ajuda era minha intuição feminina e bom-humor, o que ajudou e muito!
Naquele instante tínhamos a certeza de que estávamos no caminho certo, pois a trilha estava desenhada no meio do mato. Andamos, andamos, andamos e não achávamos nada, nem barulho de cachoeira. Percebi que havia uma trilha para o outro lado e fiz com que o Klaus confirmasse na bússola se estávamos na direção certa. Não, estávamos errados! Eu brincava com os rapazes dizendo que a minha intuição era a melhor bússola e que eles tinham que me escutar.
Estávamos exaustos. Chega uma hora que a cabeça já não pensa mais e as pernas também não respondem. Pelas minhas contas estávamos com sete horas de prova. Isso mesmo. Decidimos seguir a trilha até o final. Andamos muito, muito, e ainda não tínhamos encontrado o PC da cachoeira. Depois de mais de uma hora de trekking, chegamos no topo de uma colina. Era possível avistar a praia lá de cima. A vista era linda. Mas ali não havia nenhuma cachoeira e não tínhamos mais para onde seguir.
Eram 16h45. O horário de corte no PC do rapel era às 17h. Olhamos no mapa e finalmente conseguimos localizar qual tinha sido o nosso erro: nós passamos batido pelo PC. Passamos na trilha certa, mas em algum momento mudamos a direção e não avistamos o PC que estava no máximo há 50 metros da gente. Ficamos muito chateados, pois não ia dar tempo de voltar; seríamos cortados.
Eu estava com medo de voltar – os meus três companheiros de equipe queriam voltar – e escurecer e ficarmos novamente perdidos na mata fechada, pois estávamos sem água e com muito pouca comida. E ali, onde estávamos, até o resgate ia demorar bastante pra achar a gente. Decidimos então descer pela colina até a rodovia que levava à praia e ao local de chegada. O Fabio pegou o celular e ligou para o Zolino, organizador da prova, para avisar que estava tudo bem, para não ficarem preocupados e não acionarem o resgate, pois tínhamos passado no PC 3 já fazia mais de três horas e ainda não havíamos passado pelo PC 5 (no quatro não precisávamos passar, por causa daquele corte das 13h) e certamente a organização já estava em alerta.
Fomos andando pela rodovia até o local da chegada, pelo contra fluxo. As pessoas olhavam curiosas, não entendendo nada o que eram três homens e uma garota com mochilas, capacetes e etc no meio da rodovia. De repente vimos outra equipe chegando no mesmo instante que a gente, só que do lado contrário da avenida. Foi muito engraçado!
Cruzamos a linha de chegada abraçados, rindo muito, e felizes, pois percorremos um trajeto de mais ou menos 35 km sem desistir. E o melhor: foram 8 horas e 31 minutos de prova sem parar! Chegamos em 9º lugar, mas infelizmente fomos desclassificados porque não assinamos o PC5. Mas nada mal para uma equipe iniciante. Essa prova foi considerada pela organização a mais difícil de todas já realizadas no Adventure Camp. A primeira equipe chegou com 7 horas e 12 minutos de prova (uma equipe super experiente).
Aprendizado – Essa foi minha estréia nas corridas de aventura. Estou me sentindo vitoriosa e com orgulho de mim mesma. Descobri que a corrida de aventura é a superação dos nossos limites. Confesso que me surpreendi durante toda a prova, pois cada vez eu queria correr mais, andar mais, terminar o percurso. O psicológico conta muito, e é a base de toda a corrida. Agradeço à minha equipe, ao Márcio, ao Fábio e ao Klaus pela força que me deram durante toda a prova, o carinho, a atenção e a amizade que tiveram comigo e ao Adventure Camp, que me proporcionou uma experiência inesquecível.
Este texto foi escrito por: Camila Christianini