por Daniel Toffoli
A Ilha Grande, no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, já é bastante conhecida por suas praias paradisíacas com águas cristalinas. Porém, pouca gente sabe que ali se encontra uma das mais importantes reservas de Mata Atlântica no país.
Com o objetivo de proteger esta rara riqueza natural, foram criadas duas áreas de preservação dentro da ilha: o Parque Estadual da Ilha Grande e a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul.
Menos conhecida que o Parque, a Reserva foi criada em 1981 com o objetivo de preservar ecossistemas como a Mata Atlântica, mangues, restingas e abrange 1/3 de toda a ilha.
Hoje, a Reserva da Praia do Sul é objeto de várias pesquisas científicas ao mesmo tempo em que vem sendo cada vez mais assediada por turistas atraídos por suas paisagens deslumbrantes.
Os primeiros vestígios da presença humana na Reserva Biológica da Praia do Sul datam de 3.000 anos, segundo testes de carbono 14 feito a partir de um esqueleto encontrado na área da reserva. Outros testes com o esqueleto identificaram-no como um exímio mergulhador, além de um remador robusto.
Na época da chegada dos portugueses, a baía da Ilha Grande era dominada pelos Tupinambás, tribo guerreira liderada pelo chefe Cunhambebe e pelos Tamoios. O líder tupinambá espalhou fama e terror entre os colonizadores como grande colecionador de cabeças de portugueses.
Vestígios da presença dos tupinambás podem ser vistos nas oficinas líticas, dentro da área da Reserva, em que os indígenas afiavam e preparavam suas ferramentas de trabalho e guerra.
Durante muitos anos a região foi dominada pela presença de piratas que encontravam fácil abrigo nas muitas enseadas e praias pouco vigiadas da Ilha Grande. Não foram poucos os piratas que acabaram se
estabelecendo na região.
Somente no século XVIII foram distribuídas sesmarias a fazendeiros vindos de Portugal. As fazendas que ficavam na área da atual Reserva, voltadas para o oceano, dedicavam-se única e exclusivamente à pesca de baleia para extração de óleo. Várias ruínas destas fazendas, que tiveram sua decadência na segunda metade do século XIX, ainda podem ser encontradas em toda ilha.
Durante mais de um século e meio a região permaneceu isolada. Nesse período, antigos empregados portugueses dos fazendeiros e índios se mesclaram e formaram o que é hoje a população da atual Vila do Aventureiro. A mata que havia sido alterada durante a época das fazendas teve mais de um século para se recuperar sem a interferência humana, chegando ao estágio em que hoje se encontra.
Em 1980 uma ameaça pairou sobre a região. Um grupo formado por empreiteiros decidiu investir na construção de um grande condomínio na área da Praia do Sul. Um condomínio de alto luxo, em uma das regiões mais preservadas de todo o estado fluminense.
A notícia desta ameaça se espalhou rapidamente. Várias ONGs e grupos ambientalistas fizeram pressão sobre o governo estadual e o resultado veio rapidamente. Em menos de um ano o governo interferiu e através da FEEMA (Fundação de Engenharia do Meio Ambiente) fundou a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul.
Com uma área de mais de 3.600 hectares, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul é uma das regiões onde a harmonia entre a mata atlântica e o oceano podem ser sentidas de perto. É a única Reserva do estado que conta com todos os ecossistemas litorâneos.
Dentro da reserva encontra-se um dos mais bem preservados mangues de todo o Estado do Rio de Janeiro. Um prato cheio para os estudos de vários pesquisadores. Não foi à toa que o forte grau de isolamento da região junto com uma baixa densidade populacional fez com que a área tivesse suas peculiaridades.
Dentro da Reserva correm as águas do único rio do Estado do Rio de Janeiro que não sofre nenhuma interferência humana desde sua nascente até sua foz: o rio Capivari.
Vila preciosa – Mas a riqueza da Reserva não está só em suas matas e mares. No seu interior se encontra uma comunidade de pescadores caiçaras com cerca de 95 pessoas, chamada Vila do Aventureiro. O contato com o continente foi, durante décadas, muito escasso, restrito aos homens que trabalhavam em grandes barcos de pesca de sardinha.
Durante este período, as tradições de sua cultura e os conhecimentos sobre seus recursos estiverem bastante fortes. Com a entrada do turismo no últimos anos, essas tradições tendem a se perder no tempo.
Em busca de paisagens exuberantes e natureza intocada, o turismo atual é capaz de qualquer sacrifício para chegar nesses “paraísos”. A Reserva da Praia do Sul não é uma exceção, e recebe uma leva de turistas cada vez maior. No entanto, segundo a lei que rege as Reservas Biológicas, não é permitido a entrada de turistas na Reserva sem autorização do órgão administrador, no caso a FEEMA.
Considerada uma das mais isoladas do estado do Rio de Janeiro, a comunidade da Vila do Aventureiro – no interior da Reserva – tem sobrevivido há mais de 150 anos através do manejo da Mata Atlântica para fins agrícolas e, principalmente, da pesca. Há cerca de 15 anos ela começou a receber os primeiros turistas que, a princípio, não passavam de uma centena anualmente.
Vários fatores isolavam a Vila do Aventureiro. Os principais eram a distância do continente (mais de três horas de viagem de traineira) e a proximidade do presídio da Ilha Grande, na praia de Dois Rios, perto da reserva. As constantes fugas de presos trazia um temor para os que procuravam se aventurar.
Invasão de turistas – A desativação do presídio, no final de 1995, e a falta de fiscalização acarretou uma verdadeira “invasão” de turistas nos últimos anos. Os números chegam a impressionar: mais de 1.500 turistas no último réveillon, sendo que a comunidade possui apenas 95 pessoas. Esses turistas acampam nos quintais das casas alterando não apenas a rotina diária dos moradores, mas a cultura tradicional
caiçara como um todo.
Para se ter uma idéia da situação, os caiçaras pararam de plantar e vários já estão abandonando a pesca para se dedicar exclusivamente ao turismo. A perda das suas tradições e os conhecimentos sobre seus recursos é um dos grandes males que o turismo vêm trazendo.
Os turistas ainda deixam toneladas de lixo que só são coletadas por um barco da Prefeitura de Angra dos Reis, de 3 em 3 meses. Por isso, antes de fazer sua próxima viagem, pense na preservação da cultura local.
A FEEMA, órgão responsável pela administração da Reserva, não estimula a presença de visitantes na Reserva. Mesmo nas praias, onde a presença de visitantes costumava
ser tolerada.
Para quem tem um pouco mais de consciência ambiental, o melhor mesmo é esperar que sejam criadas condições para que a visitação na área da reserva seja feita sem danos ao meio ambiente e a cultura da população local. A tentação é grande, mas vale a pena resistir. 🙂
Este texto foi escrito por: Webventure
Last modified: julho 30, 1999