Zé Hélio sofreu um acidente na 6ª etapa (foto: Divulgação/ Speedbrain)
Não é a toa que o Rally Dakar é considerado o maior e mais difícil rali do mundo. Em sua 33ª edição, mais uma vez realizada na Argentina e no Chile, a competição off-road fez jus ao título que recebe. Apesar de contar com apenas 13 etapas, uma a menos do que em sua edição anterior (mudança essa feita para adequar-se ao calendário de 2011), a disputa superou sua edição 2010 em tamanho, contando com, no mínimo, mais 400 quilômetros para as categorias.
No mínimo porque este ano o Dakar teve com percursos diferenciados para as categorias motos e quadris, carros e caminhões: para os dois primeiros foram 9.605 quilômetros de prova, sendo 5.007 de especial; para os carros foram 9.618 quilômetros de disputa, sendo 5.020 de trechos cronometrados; e para os caminhões 9.458 quilômetros de competição, sendo 4.457 de especial.
Apesar de tamanhos diferentes, o que não faltou no Dakar foram emoções do começo ao fim. O maior rali do mundo foi realizado em locais totalmente novos e mais ao norte da Argentina e do Chile. Largando de Buenos Aires, a caravana da competição seguiu até Victoria, passando depois em Córdoba, San Miguel de Tucumán, San Salvador de Jujuy, até atravessar a Cordilheira dos Andes em direção à Calama, em território chileno. Com uma parada para descanso em Arica, quase divisa com o Peru, os competidores voltaram a correr até Copiapó, seguindo até Chilechito, e finalmente para Córdoba e Buenos Aires.
Em termos de extensão, o dia mais longo deveria acontecer na 11ª etapa, mas, devido a chuva, a prova acabou sendo reduzida, algo que, aliás, foi comum no Dakar, já que etapas como a 7ª também foram encurtadas para preservar os pilotos. Desta forma, a especial que assumiu a responsabilidade por cansar mais os competidores foi a 12ª etapa, em que os aventureiros tiveram pela frente 555 quilômetros cronometrados em estradas estreitas.
Desistências marcam – Em 2010, o Rally Dakar já havia contado com muitas desistências ao longo do percurso. Em 2011, esse cenário foi ainda mais agravado. Para se ter uma ideia, dos 434 veículos na competição, entre eles 184 motos, 34 quadriciclos, 147 carros e 69 caminhões, apenas 38% largaram para a última especial do maior rali do mundo, um número extremamente baixo.
No último dia de competição, ainda, na especial final de apenas 181 quilômetros, outras duas duplas dos carros acabaram ficando pela caminho e não atingiram o sonho de finalizar a edição deste ano do Dakar: Javier Paez/ Juan Salazar e Grabriel Peschiera/ Osvaldo Muniz. Com essas duas desistências, apenas 164 veículos completaram o maior rali do mundo.
Neste cenário negativo, três dos seis veículos brasileiros que largaram não terminaram: Zé Hélio, nas motos, com uma fratura na clavícula; Vicente de Benedictis, também nas motos, com um problema no equipamento; e André Azevedo/ Maykel Justo/ Mira Martinec, no caminhões, com uma quebra na caixa de direção.
Em esportes de alta velocidade, fatalidades acabam sendo mais comuns do que deveriam. Em 2011, isso não foi diferente. O que mudou na 33ª edição do maior rali do mundo é que fatalidades fora da pista também estiveram presentes. As duas mortes que não envolveram a competição em si aconteceram nos acampamentos.
Dois operários chilenos que trabalhavam nos bivouacs da competição morreram eletrocutados durante os preparativos de recepção dos competidores, um na cidade de Arica, na qual aconteceu a etapa de descanso, e outro em Copiapó. Em ambos, as estruturas em que os trabalhadores estavam apoiados acabaram caindo em fios elétricos.
A única morte confirmada envolvendo um acidente com competidores aconteceu na 11ª etapa. O veículo de Eduardo Amor/ Alejandro Horacio Fenoglio colidiu com um carro de passeio que estava sendo conduzido por Marcelo Reales. Apesar de ter sido resgatado, o motorista do veículo de passeio não suportou os ferimentos e acabou falecendo.
O primeiro acidente que teve como consequência o abandono da prova foi o do trio dos caminhões Martin Kolomy/ Jaroslav Lama/ David Killian. Na terceira etapa da competição, o trio capotou e piloto e navegador do caminhão ficaram gravemente feridos, sendo levados as pressas para um hospital na província de Salta, na Argentina. Na mesma etapa, o campeão argentino de 2010 do Dakar entre os quadris, Marcos Patronelli, também caiu e acabou abandonando logo após a especial.
O acidente mais estranho do Dakar aconteceu no dia de descanso. O francês Guerlain Chicherit estava testando seu Mini Countryman em locais próximos a Arica e acabou sofrendo um grave acidente que não só lhe deixou com um traumatismo craniano, mas também destruiu seu carro e o tirou da edição deste ano do maior rali do mundo.
Entre os brasileiros, o único que precisou abandonar a disputa por causa de uma queda foi Zé Hélio. Na sexta etapa da competição, o piloto caiu de sua moto no meio da especial e precisou chamar o helicóptero médico, que constatou um lesão na clavícula e, consequentemente, o fim do rali para o competidor nacional.
A situação das motos no Rally Dakar 2011 pareceu uma cópia inversa do que aconteceu em 2010: uma punição tira a chance de um atual campeão defender seu título no maior rali do mundo. Na disputa do ano passado, Marc Coma (campeão de 2009) viu seu título passar para as mão do francês Cyril Despres após 6h22 de penalização acumulados ao longo das etapas, o que lhe jogou para 15ª colocação na geral.
Neste ano, o cenário foi o oposto. Despres tomou uma penalização de dez minutos na quarta etapa da competição e abriu espaço para a conquista do tricampeonato de Coma. Apesar de beneficiado com a punição de seu principal oponente, o desempenho do espanhol ao longo do Dakar 2011 foi sensacional.
Regular durante todo o rali, o piloto venceu cinco das treze etapas da competição (3ª, 4ª, 8ª, 10ª e 12ª). Além disso, salvo a nona etapa, em que acabou errando na navegação, e na última prova deste ano, em que preferiu poupar-se e evitar quebras ou complicações, o espanhol manteve-se sempre entre os cinco primeiros colocados das especiais, dando assim ainda mais brilho ao seu título.
Me manter focado foi essencial, então eu foquei no meu desempenho. Foi a única maneira de vencer. Eu não pude baixar a minha guarda, nem mesmo por um segundo. Esta vitória é resultado do trabalho duro, a recompensa de muitos anos e muita tensão nos últimos dias, disse o catalão logo após conquistar seu terceiro Dakar entre as motos.
Para Cyril, segundo colocado geral, sobrou apenas as lamentações e expectativas para o próximo ano. Estou triste por não ter feito melhor, mas, desta vez, eu não poderia ter feito nada melhor. Cometi alguns erros. Dois em especial me trouxeram grandes consequências, afirmou o francês.
Em 2010, a Argentina pode se orgulhar de Marcos Patronelli no Dakar, único representante do país a conquistar um dos títulos da competição. Na categoria quadriciclo, Marcos fez bonito e ficou nada menos que 12 etapas na liderança até chegar ao caneco. Em 2011, no entanto, o piloto sofreu com um problema no joelho após uma queda e logo precisou abandonar. Mas, diferente do que muitos acreditavam, os argentinos teriam outro motivo, da mesma família, para se orgulhar: Alejandro Patronelli.
Irmão mais velho de Marcos e apenas em sua segunda participação no Dakar (na primeira, em 2010, ficou na segunda posição), Alejandro fez questão de tomar a dianteira e manter a tradição, conquistando assim seu primeiro título da competição entre os quadris.
Assim como Marcos em 2010, Alejandro também deu show no Dakar. Finalizando com quase uma hora de vantagem sobre seu compatriota Sebastian Halpern, o argentino venceu nada menos que cinco das treze disputas da competição (2ª, 5ª, 6ª, 8ª, 9ª) e manteve-se sempre entre os primeiros, finalizando não muito bem apenas 7ª especial, quando completou em 11º. Na geral, o piloto só saiu da liderança em três etapas: 3ª, 4ª e 7ª. Ótimo resultado para alguém com tão pouca experiência.
O sorriso do gentil príncipe do Quatar Nasser Al-Attiyah finalmente pode ser dado de maneira completa. Após perder o título do Dakar nos carros para seu companheiro de equipe Carlos Sainz em 2010, Nasser, que participou pela 6ª vez do maior rali do mundo, finalmente chegou ao lugar mais alto e assumiu o título de campeão da competição em mais um disputa interna da soberana equipe Volkswagen e seus Race Touaregs.
Assim como em 2010, no entanto, nada veio de maneira fácil. Nasser assumiu a primeira colocação do Dakar apenas na oitava etapa. A diferença para Sainz, até a 10ª especial, ficou sempre nos poucos minutos e a briga, que parecia um replay do ano anterior, continuava acirrada. Para a sorte o piloto do Quatar (ou azar do espanhol), Sainz teve um problema na suspensão e perdeu mais de uma hora na 11ª etapa. A partir de lá foi só administrar.
No final do Dakar, Nasser, que competiu ao lado do navegador Timo Gottschalk, terminou com um saldo extremamente positivo em números de liderança e vitórias: foram quatro conquistas de especiais (3ª, 7ª, 8ª e 11ª etapas) e primeira colocação geral em seis etapas (da 8ª a 11ª). Resultado importante para alguém que queria colocar seu país de volta no mapa.
Nós conseguimos! Estou muito feliz. Nós fizemos uma especial boa e limpa. Eu estava apenas pensando na linha de chegada. Significa muito vencer o Dakar para mim, para o meu povo, para o meu país, para minha equipe. Foi uma ótima vitória. É difícil explicar o que passa na minha cabeça neste momento. Mas é um sentimento muito bom. Nós demonstramos que temos o time mais forte do mundo. É a terceira vez que a equipe vence o Dakar. É também o maior momento na minha carreira. Agora eu acho que, finalmente, as pessoas saberão onde fica o Quatar”, disse o piloto após a conquista.
Volks domina – Assim como em 2010, o que era para ser uma disputa acirrada com a equipe da BMW acabou sendo uma disputa interna entre pilotos da Volkswagen. Com ampla vantagem na maioria das etapas, o time da Volks foi soberano. Além da vitória de Nasser, o segundo e terceiro lugares também ficaram com pilotos da marca: o sul-africano Giniel De Villiers e o alemão Dirk Von Zitzewitz foram vice, enquanto a dupla espanhola Sainz/ Lucas Cruz ficou na terceira colocação.
São sete títulos do Rally Dakar na carreira, sendo o último conquistado em 2011, e recorde absoluto em vitórias em especiais (63 no total). Currículo este invejável para alguém que passa despercebido aos olhos pela baixa estatura. É assim que Vladimir Chagin mostra ao mundo porque é, na atualidade, o melhor piloto de rali do mundo entre os caminhões.
Seu respeito é tanto que seus companheiros de equipe admitem a superioridade. Eu sei que o Chagin é mais rápido que eu. Ele merece completamente a vitória, disse Firdaus Kabirov após o heptacampeonato conquistado por Chagin no Dakar.
Ao lado de Sergey Savostin/ Ildar Shaysultanov, o russo da Kamaz mais uma vez deu um show de habilidade no maior rali do mundo. Foram sete vitórias em 13 etapas do rali (1ª, 3ª, 4ª, 8ª, 10ª, 11ª, 12ª) e liderança em oito das etapas. Para o trio, o resultado mais importante aconteceu na décima etapa, quando conseguiu distanciar-se de Kabirov, que até então estava acompanhando o ritmo dos campeões. No fim, a vantagem estendeu-se para quase 30 minutos. Mais uma para Chagin!
Domínio também de uma só montadora – Assim como nos carros em que a Volkswagen domina completamente o Dakar, a Kamaz vem fazendo bonito nos últimos seis anos do maior rali do mundo, com vitória em todos. Apenas em 2011, os trios da equipe conquistaram 10 vitórias em 13 especiais (sete de Chagin e três da Kabirov).
No geral, resultado ainda melhor: os quatro primeiros caminhões são da montadora com Chagin em primeiro, Kabirov/ Aydar Belyaev/ Andrey Mokeev em segundo, Eduard Nikolaev/ Viatcheslav Mizyukaev/ Vladimir Rybakov em terceiro e Ilgizar Mardeev/ Vladimir Demyanenko/ Ayrat Mardeev em quarto.
Apenas seis veículos brasileiros iniciaram a disputa do maio rali do mundo, número extremamente menor do que em 2010, quando o país bateu o recorde na competição com 14 participantes. Desses seis, três conseguiram cruzar a linha de chegada em Buenos Aires na Argentina. O número pode parecer pequeno, mas os resultados dos brasileiros foram grandes.
Nas motos, Jean Azevedo retornou para a competição na categoria após três anos e fez mais do que bonito: conquistou um sétimo lugar, sua melhor colocação desde 2005. Com isso, Jean também terminou o Dakar 2011 como o melhor brasileiro. Ele só não conseguiu superar a marca de 2003, quando ficou na quinta colocação.
Foi uma competição dura, com muitas horas em cima da moto, uma disputa que exigiu bastante dos pilotos. Eu estou bastante feliz de ter voltado para a moto e completado a prova entre os dez, ganhando na minha categoria. Então foi um Dakar muito bom, afirmou Jean após cruzar a linha de chegada.
Nos carros, o melhor brasileiro, pelo segundo ano seguido, foi Guilherme Spinelli. Correndo ao lado de Youssef Haddad, o piloto subiu uma posição em relação à sua colocação em 2010, terminando em 9º lugar. Ficando deste o primeiro dia entre os dez na geral, Guiga sofreu apenas na nona especial, quando uma série de problemas atrapalhou o piloto em suas pretensões.
Após fechar sua participação no maior rali do mundo, Spinelli disse que poderia ter ido melhor, mas estava feliz por ter completado. Foram justamente as dificuldades que tivemos em dois dias de dunas, que fizeram com que caíssemos de posição. Chegamos a ocupar a sétima colocação no geral. Daí ficou um gostinho de que poderia ter sido melhor”, disse. “Os organizadores falaram que este Dakar foi o mais difícil dos últimos anos. Por isso, o fato de ter chegado ao fim já é muito bom, e ainda mais entre os 10 melhores. Consegui melhorar o meu resultado do ano passado mesmo com um rali muito mais difícil”, finalizou.
Marlon surpreende – Era apenas o primeiro Dakar de Marlon Koerich e o segundo de Emerson Cavassin. Mesmo assim, a dupla não sentiu o peso do maior rali do mundo e surpreendeu, completando o rali na 14ª colocação geral. Mesmo com um carro com vários anos de estradas e dunas, a dupla manteve-se sempre entre os 30, regularidade essa que os levou à ótima colocação e deixou Marlon muito satisfeito com sua estreia.
Quando um brasileiro se inscreve no Rally Dakar, seu primeiro objetivo é completar todos os dias de disputa e cruzar a linha de chegada na volta a Buenos Aires, na Argentina. Em 2011, três dos seis brasileiros que iniciaram a caminhada no maior rali do mundo não conseguiram alcançar suas metas ou por acidentes ou por problemas mecânicos.
O primeiro brasileiro a abandonar foi o pentacampeão do Rally dos Sertões Zé Hélio. Na última etapa da competição antes do descanso (6ª), o piloto bateu sua moto em uma pedra e acabou sendo arremessado para a frente. Com muitas dores, o piloto precisou chamar o helicóptero de apoio e os médicos constataram uma lesão na clavícula.
A fratura significou o fim da participação do brasileiro que, naquele momento, era o melhor no Dakar (11ª colocação geral). Apesar de tudo, o piloto afirmou, logo depois que voltou ao Brasil, que já pensa em competir novamente no maior rali do mundo.
O segundo veículo brasileiro a abandonar foi o caminhão de André Azevedo/ Maykel Justo/ Mira Martinec, também na sexta etapa. Único representante nacional na categoria, o trio saiu precocemente da disputa pelo segundo ano seguido. Desta vez, uma quebra na caixa de direção na especial entre as cidades chilenas de Iquique e Arica tirou os brasileiros, que faziam uma boa competição e ocupavam a sexta posição na classificação geral.
De olho em 2012 – O terceiro brasileiro a abandonar foi Vicente de Benedictis. O piloto teve uma pane elétrica na moto na décima etapa do Dakar, o que obrigou o brasileiro, que participou pela segunda vez do Dakar, a dar adeus à disputa quando ocupava a 72ª posição no geral. Mesmo assim, o piloto espera retornar em 2012. “Acredito que o Dakar é uma prova que agrega a cada ano. Sempre se aprende ou melhora algo para ser usado nas próximas edições. Espero voltar o ano que vem”, disse após abandonar.
Este texto foi escrito por: Redação Webventure
Last modified: janeiro 16, 2011