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Retrospectiva 2007: André Berezoski relembra os melhores momentos da escalada


Campeonatos esperam por atletas em 2008 (foto: Ricardo Leizer)

A convite do Webventure, o atleta André Berezoski escreve relembrando os principais acontecimentos da Escalada Esportiva em 2007. Belê, como é conhecido, é um dos principais atletas da modalidade, tendo no currículo quatro títulos brasileiros e um vice sul-americano, além de participações em Campeonatos Mundiais e Copas do Mundo.

O ano de 2007 entra para a história da escalada de competição brasileira, ainda que ao seu tímido modo, mas grandiosa pelos feitos. Mesmo com imensas dificuldades, o Brasil mostrou sua cara diante de aparições e feitos memoráveis.

No ano passado, Janine Cardoso marcava seu nome ao ser a primeira escaladora a se colocar em uma semi-final do Mundial, conseguindo um 16º lugar. Este ano, começamos competindo na Áustria em maio, mas ao baixarmos da via, estava decidido: para nós brasileiros, não há condições de disputar uma vaga, pois simplesmente fizemos as contas e, se cada país europeu levar em média três escaladores vezes, no mínimo 10 países, já são 30 concorrentes que não cruzaram o Atlântico, que não correram atrás de patrocínio e não tiveram que se arranjar com seus empregos para correr atrás do sonho de competir no Mundial.

No fundo, o que sempre nos motivou foi saber que de alguma forma éramos capazes. E foi com esse pensamento objetivo que nos fez colocar-se à frente da parede e mais uma vez treinar e treinar. Logo veio o Mundial Juvenil no Equador e Felipe Camargo, que se consagrou campeão pan-americano no ano passado, volta a mostrar a capacidade do escalador brasileiro, ao passar para as semi-finais na quinta colocação.

Tudo isso abasteceu a motivação para a mais importante competição mundial, em Avilés na Espanha. E, aproveitando que estaríamos na Europa, de mais uma etapa da Copa do Mundo na Bélgica.

Participação de peso – Nossa participação em Avilés não passou despercebida: Felipe, por muito pouco, não passou para a semifinal de uma competição muito disputada devido ao número de participantes (115 no masculino). Ainda assim, seu resultado de 27º colocado, entra como o melhor até então de um escalador sul-americano nessa prova. César também quase passa a semi em boulder. Eu, apesar de algumas lesões, acabei escalando dando o máximo e Janine encontrou uma via forte pela frente.

O evento como um todo foi um tremendo sucesso. Nossa participação foi de quatro atletas, a nova estrutura do IFSC (Internacional Federation Sport Climbing) mostra seus resultados, oferecendo ainda uma ajuda de custo de 500 euros para países com falta de recursos, incluindo o Brasil, que foi dividida entre os dois campeões brasileiros de 2006.

Uma semana após Avilés, motivados pelos bons resultado ou, no mínimo, muita emoção e experiência adquirida, voamos para Puurs, na Bélgica, para participar de uma etapa da Copa do Mundo de Dificuldade.

Para nossa imensa alegria, os três no masculino passam para a semifinal, realizando um sonho almejado nos últimos três anos e registrando na história como os primeiros latino-americanos a estarem em tal fase da competição.

De volta ao Brasil, o circuito brasileiro de dificuldade teve sua estréia na etapa paulista da Casa de Pedra, no final de outubro, depois foi a Curitiba no começo de novembro, na Via Aventura e fechou novamente em Curitiba no dia 01 de dezembro.

Outra estréia foi a minha participação, desta vez do lado de fora dos isolamentos, trabalhando como Route setter e aplicando todas as informações e idéias adquiridas nos últimos três anos que estive em contato com o circuito mundial.

Vias inéditas e atraentes para o público, ótima organização por parte das Federações e Associações, público presente para vibrar com os melhores atletas do país, mas espera, onde foram parar os atletas? Nove homens e 11 mulheres na 1ª etapa? Que ótimo pelo número de escaladoras ser maior que no masculino, mas a triste média de oito em cada categoria.

Razões – Todos os envolvidos neste ano de competições têm se perguntado e se questiona entre o meio o que teria acontecido este ano para uma queda tão brusca no número de competidores.

“Especificidade” é o termo ao qual podemos encontrar algumas respostas. Hoje sabe-se que a especialização não só dentro da escalada, mas nos esportes em geral, dita quem pode ou não se destacar em uma modalidade ou outra dentro do próprio esporte.

Dificilmente veremos um ciclista velocista se dar bem no cross-country ou no dowhill, por exemplo. Nem um maratonista disputar uma prova de cem metros. Na escalada não é diferente, tanto que o circuito mundial conta com provas de dificuldade, boulder e velocidade, cada uma com regulamentos e estilos e até um biotipo diferenciado na estrutura corporal de cada escalador.

Aplicando isso nas competições nacionais, há cinco anos atrás, o escalador brasileiro “simplesmente escalava”… ele fazia boulder, vias esportivas, travessia, big wall, etc… e se estava escalando um certo grau em rocha, este participava das competições por saber que tinha um nível mínimo para, quem sabe, se dar bem nos campeonatos.

A disputa era muito mais acirrada, havia pelo menos 15 escaladores com chances reais de estarem no pódio de um Campeonato Brasileiro. Este ano tivemos “dois”.

O que vemos hoje é que esta especialização levou escaladores a se dedicarem horas do dia em treinos desgastantes, que pedem muita disciplina e sacrifícios, até mesmo com a alimentação e passam a ter uma certa cobrança, que para a maioria dos que não estão envolvidos a fundo na escalada de competição, simplesmente abrem mão de competir por não encontrarem motivação para tal empenho.

Foi devido a especialização que os primeiros lugares criaram um distância muito grande para quem estava fora do pódio.

Por outro lado, a escalada em boulder de competição e em rocha, desde a sua aparição, sempre teve seu lugar de destaque. 2007 fecha o ano com excelentes eventos de boulder: dois Opens de Boulder, um em São Bento do Sapucaí e outro em São Paulo no SESC Ipiranga, onde na mesma estrutura, realizou-se o Paulista de Boulder, sempre com um número alto de participantes e público, ingredientes selecionados de primeira devido aos seguintes fatores:

  • É mais interessante do ponto de vista relacionado à movimentação (mais dinâmica)
  • Para o público, mesmo o leigo, fica mais fácil de entender e acompanhar de perto os movimentos
  • Premiação em dinheiro
  • Em uma “session” de boulder, surgem novos desafios e problemas que trazem uma evolução mais rápida e constante
  • As estruturas requerem menos tempo e custo para serem montadas
  • Equipamento necessário: sapatilha, magnésio e crash pad
  • Entre tantas outras…

    Mas a principal delas seria o treino, a parte dolorida, desgastante e desmotivante para treinar Dificuldade. Aqui é substituída por simplesmente juntar os amigos e realizar verdadeiras sessions de boulder, onde sem perceber está realizando-se o mais eficiente dos treinos: escalar forte, por horas a fio.

    Mas esta fase pode acabar também, a partir do momento que escaladores se dedicarem somente para a escalada de competição em boulder, surgem grandes nomes e destaques da modalidade e de novo para estar entre os “tops” será necessário mais do que somente escalar. Por outro lado a descoberta e abertura de novos setores e linhas de boulder são hoje de mais fácil acesso e com uma variedade e quantidade superior às vias de dificuldade em rocha, ou seja, há muito o que evoluir ainda, tanto em competição como em rocha nos boulders.

    Para 2008, o circuito brasileiro pode vir a contar com a modalidade de boulder, para felicidade dos apaixonados por poucos movimentos e explosão. A Dificuldade também recebe um circuito, desde que entidades e atletas estejam dispostos a comparecer para que o evento seja mais valorizado.

    A exemplo do histórico das competições internacionais, a dificuldade nunca esteve de fora do calendário e é, sem dúvida, a mais disputada e acirrada. Por incrível que pareça, é a que recebe o maior público de expectadores na Europa.

    Hoje como atleta, route setter e membro da organização destes eventos, acredito estarmos passando por uma fase, onde surgem novos escaladores em escolas e ginásios. E esta nova geração renova a escalada de competição, mas sabe-se que, para formar um atleta de ponta, há uma janela no tempo da competição que pode ser larga. Sabe-se também que essa nova geração precisa de novos parâmetros e escaladores de referência.

    Pode acontecer ainda que os envolvidos em realizar todos estes eventos se desmotivem para continuar realizando competições excelentes, pois vão fazer para quem? Se o número de atletas não justifica tal empenho, salvo os escaladores que estiveram presentes apesar de todas as dificuldades. Acredito que seja a hora de todos competidores, que por inúmeros motivos não estiveram presentes este ano, ou anteriores, de rever o quanto sua presença faz a diferença para a evolução e estruturação da escalada, caso contrário, corremos o risco de a escalada de competição em 2008 não ter um texto como este para ser escrito.

    André “Belê” Berezoski
    (Apoios: Casa de Pedra, BY, Conquista e Endorphine)

    Este texto foi escrito por: André Berezoski (Belezinha)