In port race do Rio de Janeiro na Volvo 2005-2006 (foto: Daniel Costa/ www.webventure.com.br)
Na estréia como colunista do Webventure, Ricardo Dubeux escreve para os que querem o primeiro contato com a arte de velejar. Nomenclatura, história e dicas estão no texto a seguir. Boa leitura, e bons ventos
Caro amigo leitor, inicio aqui minha participação como colunista deste renomado site, com a humilde pretensão de tentar passar um pouco da cultura do iatismo, esporte que pratico desde os meus cinco anos de idade, por meio do qual aprendi que na vida devemos ser sempre realistas, sem esperar que o vento mude e sim ajustar as velas, para que possamos tocar o nosso barco em busca da felicidade e de um mundo melhor, mais natural, mais puro e cristalino.
Sou um verdadeiro apaixonado, não apenas pelo iatismo, mas, principalmente, por todos os esportes outdoor. Esportes estes que favorecem um convívio real, direto e verdadeiro com a natureza.
Em varias situações encontrei pessoas optando por barcos a motor apenas porque afirmam ser mais fácil. Acreditam que basta ligar o motor e operar o barco como se de um automóvel se tratasse. Por que a lancha? Eles facilmente responderiam: Gosto de lancha, porque gosto de velocidade; porque quero pescar no mar; porque não sei velejar; porque não tenho tempo; porque acho mais cômodo; porque quero chegar mais rápido; porque navego exatamente na direção que quero; porque tudo o que quero é chegar rápido para confraternizar com amigos.
Não vou polemizar, pois, gosto não se discute… Particularmente adoro lanchas, mas mesmo com todas as vantagens acima, opto ainda por um barco à vela.
Vela – Por que o barco à vela? Tenho vários motivos para fazer deste esporte minha paixão, mas gosto de barco à vela porque adoro velejar; porque o contato com o mar é diferente; porque num veleiro existe menos manutenção; porque é mais ativo, emocionante e mais participativo; porque quero exercitar-me; porque quero competir em regatas; porque não gosto do ruído do motor; porque tecnicamente é mais excitante. E sobretudo porque velejar é uma arte.
Assim como escrever um livro, uma poesia, cantar, dançar ou criar uma obra de arte, considero o ato de velejar uma arte do ser humano, comparando até mesmo com nosso ritmo e estilo de vida.
A arte de praticar este esporte não tem idade, pode ser iniciada aos sete anos (às vezes até antes, como eu, que iniciei com 5 anos), aos…Bem, estabelecer uma idade limite seria erro, pois já vi gente velejando, e muito bem, aos 87 anos. A grande magia de velejar é algo tão fascinante que está presente no brilho dos olhos de uma criança de cinco, seis ou sete ou um adulto rejuvenescido de 87 anos, traduzindo a emoção de poder viver a verdadeira liberdade.
Tento escrever aqui algumas linhas, não com a intenção de transformar tudo em curso completo de navegação à vela, pois minha maior vontade é através deste veículo, alimentar em você a paixão pelo esporte. Ou melhor, na verdade, minha maior realização seria, um dia, poder ver que em cada dez brasileiros, pelo menos três conseguem entender e até mesmo admirar o iatismo, o esporte que mais títulos internacionais traz para o Brasil.
Vou começar tentando, no entanto, explicar conceitos super antigos desta arte de velejar, de modo a transformar a aparente complexidade, numa simplória brincadeira de andar atrás do vento limpo, ou seja, um vento que antes de tocar em qualquer outra vela, passe pela sua e faça sua embarcação desenvolver o máximo de velocidade.
Teoria e prática – A primeira e mais importante verdade é você saber que muitos começam a velejar, às vezes, até sem nenhuma orientação teórica, o que reforça a minha tese de que para se fazer o esporte é necessário apenas que você esteja disposto a perceber tudo que a natureza oferece diariamente: vento, chuva, sol, etc.
A parte teórica de um curso de navegação à vela, representa 30% de tudo que você usará para se tornar um velejador, mas ainda sim a teoria é muito importante, principalmente, para que você tenha mais conhecimentos e mais confiança para comandar uma embarcação à vela.
Depois do que acabo de escrever seria redundante da minha parte, dizer que a parte pratica é a fase mais importante deste aprendizado, por isso, desde já, espero que você possa ingressar em alguma escola de vela ou adquirir sua primeira embarcação, pois o restante tentarei te ajudar por aqui. Esta certo?
Antes de começar eu gostaria de perguntar se alguém te chamasse de outro nome que não fosse o seu, você responderia?Muitos até podem dizer que sim, por pura educação, mas na primeira oportunidade, iriam tentar explicar seus verdadeiros nomes. Portanto, como você, tudo no esporte a vela tem seu nome.
O dicionário, ou glossário de nomenclatura náutica, é vasto, antigo e tradicionalmente respeitado, chegando a ser uma segunda língua para quem pratica o esporte. Para que você tenha uma certeza do que estou falando é só encostar nos velejadores após uma regata e tentar entender o que eles estão falando. São diversos gestos e nomes para lá de complexo, difícil, mas que você adorará fazer e pronunciar um dia!
Mas antes de falar sobre nomenclatura náutica, vamos voltar ao nosso passado e rever alguns conceitos fundamentais para que você entenda um pouco da historia deste esporte e sinta como foi maravilhosa a participação dele na vida dos seres humanos.
História – Velejar é uma grande tradição portuguesa, os marinheiros portugueses trouxeram à pátria brasileira e os nossos estudiosos inventaram métodos de velejar, instrumentos de marinharia e velas.
As Caravelas fazem parte da história da humanidade. A utilização de navios como meio de transporte se alastrou a 5.000 anos atrás, na civilização ocidental, com a criação do barco a vela. A inteligente utilização da força do vento tornou possível o deslocamento de pessoas e mercadorias por distâncias cada vez maiores. Por volta de 2.500 a.C. barcos egípcios estabeleceram o comércio entre a foz do Nilo e a terra de Canaã.
Os Fenícios estabeleciam colônias na Espanha e norte da África. As Galeras ou Galés, inicialmente movidas a remo, ganharam uma vela quadrada em um único mastro. Podiam assim velejar a favor do vento. Mas, a navegação no Mediterrâneo dependia da habilidade do marinheiro em reconhecer as direções do vento para a realização da travessia desejada. Nascia então a Rosa dos Ventos.
O desenvolvimento da astronomia, da geometria esférica pelos gregos e a demonstração da esfericidade da terra por Heratósthenes, possibilitaram o desenvolvimento de conceitos de latitude e longitude. Técnicas de orientação e navegação pela observação das estrelas já eram comuns no início da era cristã. Estas técnicas foram perdidas pelos europeus durante a idade média, mas conservadas pela civilização árabe e reaprendidas pelos portugueses e espanhóis na era do descobrimento.
A Escola de Sagres em Portugal, no século XV, desenvolveu a tecnologia de construção das Naus e Caravelas, bem como as técnicas de marinharia e navegação, necessárias às grandes viagens de descobrimento. Como estes barcos possuíam habilidade para velejar quase perpendicularmente à direção do vento, eles possibilitaram enorme avanço na capacidade de navegação.
Mas ainda não era possível velejar contra o vento. Assim a travessia do Atlântico só foi possível com a descoberta das correntes marítimas do Atlântico Norte e do Atlântico Sul. Os Portugueses a chamaram de “a grande volta do mar”. Vasco da Gama na viagem em que descobriu a volta do Atlântico Sul, encontrou sinais da existência de terras mais para o oeste. Dois anos depois Cabral aportava em Porto Seguro…
Física – Para tornar mais simples e engraçada a explicação, vamos para dentro da cozinha. Pegue uma casca de cebola e jogue em um balde.O que aconteceu? Ela boiou não foi? Por isso dizemos que barcos são como cascas de cebola…Boiam ou flutuam!
O princípio de Arquimedes explica que as coisas flutuam na água devido à força de empuxo. O empuxo é igual ao peso do volume de água deslocado. Legal não acha? Assim é mais fácil estudar física! Mais uma vantagem para você colocar seu filho para velejar, pois no mínimo, serão ótimos alunos em física e quem sabe enveredar por alguma carreira que tenha como base esta matéria. Gostou?
Existe um glossário super engraçado no mundo náutico que cita a seguinte definição para barco a vela. Barco a vela é o meio de transporte mais lento, mais desconfortável e mais caro, mas é o mais belo (citado por Hélio Magalhães).
A parte da frente do barco chama-se vante ou proa, a parte de trás, ré ou popa, e a zona central, meio-navio. Considerando a embarcação dividida longitudinalmente ao meio, do lado esquerdo de quem olha para vante está o bombordo e à direita o estibordo.
As amuras são as zonas do casco entre a proa, o ponto médio do casco través e as alhetas são as partes laterais de trás do casco. A popa termina com um painel da popa. A balaustrada está disposta ao longo de toda a borda do casco para evitar quedas acidentais à água. Entra-se na cabina do barco através de uma escotilha e é por albois que a luz entra. O poço é uma zona, normalmente à ré, de onde se comanda a embarcação.
Um barco é constituído por um casco, no qual se fixam inferiormente o patilhão e o leme, constituindo a parte imersa as obras vivas. No casco são fixados superiormente a coberta, onde está o equipamento para controlar as velas e o mastro. Este passa pela coberta através de uma abertura chamada enora e assenta sobre a quilha na carlinga.
Navigare necesse; vivere non est necesse” – latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu, ou melhor , Velejar (Navegar) é preciso; viver não é preciso…
Velejar é muito parecido com a nossa vida, por exemplo, quando estamos batalhando muito por uma coisa e enfrentamos tudo com muita garra e determinação, estamos tentando o melhor caminho para alcançar a nossa meta, é como se estivéssemos bordejando o barco das nossas vidas , regulando as velas e o leme conforme as condições reais se apresentam, assim podemos dizer que estamos velejando no contravento das nossas vidas.
Mas como tudo na vida, no esporte a vela toda luta tem sua recompensa, pois ao alcançarmos o nosso objetivo voltamos ao ponto de partida sempre com uma forte e gostosa sensação de dever cumprido e com tudo prosperando a favor, estamos assim de vento em popa.
Este texto foi escrito por: Ricardo Dubeux
Last modified: setembro 20, 2006