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Rodrigo Raineri fala sobre a carreira e projetos futuros


Rodrigo Raineri e Vitor Negrete no cume do Aconcágua (foto: Arquivo Pessoal)

Há exato um ano o montanhista Vitor Negrete perdeu a vida no Everest. O Brasil perdeu um de seus melhores montanhistas e atletas de aventura além de um ótimo ser humano e Rodrigo Raineri perdeu seu amigo e parceiro. Vitor foi homenageado hoje em Campinas, um monumento ganhou seu nome, família e amigos realizaram uma missa.

Rodrigo continua com projetos de subir as maiores montanhas do mundo, dirige a Grade VI, uma das maiores empresas de aventura do país, e ainda consegue tempo para cuidar sozinho do filho, para quem deu seu nome.

Nesta semana, Rodrigo Raineri conversou com o Webventure durante o curso para capacitação de coordenadores de Grupos Voluntários de Busca e Salvamento (GVBS) na Serra dos Órgãos (RJ), e falou sobre o presente e futuro de sua carreira.

Webventure – Na sua avaliação, em que fase está da carreira, como montanhista e empresário?
Rodrigo Raineri
– Diria que como montanhista, empresário e pai. Meu filho está morando comigo direto, sou pai e mãe em período integral. É a maior alegria, ao mesmo tempo muita responsabilidade e dedicação. Tento o tempo todo suprir às demandas de cada um dos meus papéis.

Seu objetivo nesse ano ainda é o Cho Oyu?
Sim, mas ainda tenho um pouco de dúvida. Já que o principal neste ano é o lado profissional. Eu pretendo ir a campo e vender o projeto do Everest 2008. O Cho Oyu ainda é o objetivo, estou com a passagem comprada para o Nepal, com certeza vou escalar alguma montanha lá, e a logística para o Cho Oyu já está toda montada, para o final de setembro. Eu ainda dependo de alguns detalhes para decidir 100% se vou. Um fator importante para essa decisão é o investimento do tempo. Não sei se vou para a montanha e passo um mês e meio treinando, ou se treino aqui, em baixa altitude, e faço contatos comerciais para viabilizar esse projeto de 2008. Portanto, a decisão ainda não está totalmente tomada. A tendência, óbvio, é ir para a montanha, é o que gosto de fazer. Se pudesse, faria isso sempre, mas não adianta só ir para a montanha sem estar com a base estabelecida. Nesse caso, a base significa recursos e equipamentos para que eu possa escalar com segurança.

Como está o projeto de 2008 para o Everest?
Para mim está muito bem definido, não tem como fugir. A data é sempre a mesma, que é a melhor temporada: março, abril, maio e começo de junho, de 2008. A novidade é que comprei um laptop completamente lacrado, feito para montanha. É à prova de choque, água, tem todos os orifícios lacrados, é praticamente blindado. Eles são feitos para trabalhar em altitude, os americanos o usam na guerra. Em termos de estrutura de comunicação, estarei muito bem.

Já decidiu qual será a sua equipe?
Tudo para mim tem um norte, uma linha de definição. Minha idéia é ir solo, a princípio. Se acontecer algo que possa agregar, eu sou flexível suficiente para incorporar esse evento. Vou contratar um Sherpa de minha confiança para ajudar, uma empresa local para me dar suporte até o Acampamento Base Avançado. A partir de lá a logística é completamente minha, com auxílio do Sherpa.

Recentemente o oxigênio foi considerado doping pela Sociedade Mundial Antidoping, o que achou disso?
Além da sociedade, isso está sendo validado por outras entidades. Mas isso não significa que eu considere inválido escalar o Everest utilizando oxigênio. Só deixa de ser um feito esportivo, é uma forma muito mais pessoal. Como feito esportivo, eu gostaria de ir até o cume sem oxigênio. Ao mesmo tempo, sou pai de família e tenho consciência de todos os riscos envolvidos, portanto meu plano é que esse Sherpa vá até o cume comigo, utilizando oxigênio suplementar para que ele tenha um pouco mais de clareza na tomada de decisão e que ele tenha um cilindro pequeno de oxigênio com ele, de pouca autonomia, para eu descer até o último acampamento em caso de emergência. Minha estratégia será escalar sem oxigênio, e caso tenha algum problema, não estarei só na montanha.

Qual foi sua reação quando soube da decisão sobre o doping?
A primeira foi procurar saber se era verdade, e da onde vinha a notícia. Muitas pessoas me ligaram para perguntar a minha opinião. Fui consultar a revista espanhola Desnível, que é bem respeitada. [Veja a notícia]. Tinha uma matéria bem legal nessa revista. A decisão tinha sido tomada em 2003 e está sendo validada em 2007. Infelizmente temos que tomar algumas medidas de proteção do meio ambiente, nem sempre elas são democráticas. Dizer que é doping subir o Everest com oxigênio não é democrático, já que se restringe o número de pessoas que podem fazer isso.

Outra coisa que precisa ser levada em conta é a regra. O que é considerado doping é todo meio de melhoria de rendimento artificial. Quando isso causa dano para o organismo, a imagem que temos de doping fica mais clara. No caso do Everest e o uso do oxigênio, se está deixando de fazer mal para o organismo. O uso desse doping está garantindo uma sobrevida muito melhor depois da expedição. Você perde menos neurônios, menos cabelos, se desgasta muito menos, a chance de ter um edema ou outro problema é menor. Eu diria que esse é um doping bom, é uma decisão saudável. O veto, ao mesmo tempo que não é uma decisão democrática, é uma forma de preservar a montanha, e por questões legais, é uma forma de pressionar as empresas que trabalham com turismo de aventura e expedições comerciais no Everest a se preocuparem bastante com esse assunto.

Pensando na validade dessa decisão, essa entidade é extremamente presente no atletismo e outros esportes olímpicos, por exemplo, e é afastada da comunidade montanhista. Você acha que a decisão é legítima?
Sempre houve essa polêmica de subir com ou sem oxigênio, mas nunca houve ninguém com autoridade pra decidir. A sociedade mundial antidoping resolveu esse problema. Só que eles não disseram diretamente que era proibido subir o Everest com oxigênio. A regulamentação que saiu aplica que os meios de melhoria de transporte e captação de oxigênio são doping. Isso aplicado ao montanhismo, no Everest, proíbe o uso de oxigênio suplementar. Foi uma associação de montanhistas da Itália que pegou essa publicação e informou a comunidade montanhista. O problema é que além do cilindro de oxigênio suplementar, existem diversos remédios que melhoram a captação e transporte. Será muito difícil de controlar. Eu acho que é uma decisão muito pessoal. Você tem o sonho de subir o Everest, vai lá e realiza seu sonho como puder. Do ponto de vista de feitos esportivos, e de uma expedição comercial, aí sim se tem conseqüências na tomada de decisão. Fora isso, se não está trabalhando, ou querendo fazer um feito esportivo, a decisão será pessoal.

E como está a Grade VI?
Em dezembro de 2005 começamos um processo de reestruturação. Temos muito pela frente, ainda, mas a nossa última etapa foi a mudança de sede. Fomos para uma área de três mil metros quadrados dentro da cidade de Campinas. Estamos montando um centro de treinamentos, eventos e aventura, tudo junto. A nossa idéia é ser referência no Brasil em todos esses ramos. O segundo momento é a estruturação para as atividades acontecerem. No segundo semestre vamos focar na parte comercial e operacional, com normalização, certificação de guias, procedimentos, vamos colocar tudo dentro das normas que estão sendo publicadas agora.

A empresa faz hoje várias atividades, mas o principal continua organização de expedições?
A Grade VI tem hoje cinco divisões, a parte esportiva trata disso, com cursos, aventuras, loja de equipamentos, academias de escalada. E uma das meninas dos olhos dessa parte esportiva são as viagens internacionais. Não só continuamos com ela, como a idéia é fortalecer ainda esse ano. Estamos trabalhando em novos cursos e roteiros, principalmente na parte de escalada, montanhismo e trekking.

Com esse trabalho da Abeta e de empresas locais, podemos realizar trocas, vender pacotes e receber clientes de outras agências. A partir do momento que se tem uma padronização, temos também a credibilidade e a certeza que o cliente será bem tratado por outras pessoas. Com isso ficamos tranqüilos para fazer essa parte de agenciamento, que no turismo de aventura sempre foi muito complicado.

E quais são as outras divisões da Grade?
Temos a parte de projetos, que faz circuitos de arvorismo, paredes de escalada, uma divisão que está muito legal, que está recebendo projetos grandes. Outra parte de educação ambiental, pela qual estamos fechando parcerias com várias escolas, e agora com a sede nova poderemos ter mais espaço para receber as crianças lá. Será menos arriscado, teremos controle total dos ambientes. Temos a divisão profissional, que realiza trabalhos em altura, ambientes confinados, indústria mesmo. E a parte de treinamentos e eventos, que chamamos de outdoor trainig, que também agora no novo espaço teremos condições de desenvolver isso tudo lá dentro. Temos auditório, piscina, churrasqueira, parede de escalada, circuito de arvorismo, torre de treinamento, estacionamento. Estamos com um centro de treinamento legal para essas atividades.

Para terminar, você continua treinando paraglider? Já desceu de alguma montanha com ele?
Ainda não, precisa de muito cuidado, mas estou treinando sim. O paraglider nasceu disso, subir montanhas e descer voando. Eu sempre gostei de ver o mundo de cima (risos). Voar é uma coisa maravilhosa. Vi que era o momento de fazer um curso de paraglider momento que já está até passando , fiz um teste e adorei. Até agora fiz só quatro vôos solo, tenho muito que aprender nas rampas ainda. É como no esqui, conforme vai aprendendo, vai indo para pistas mais difíceis e quem sabe um dia vai esquiar fora das pistas. O paraglider é a mesma coisa. Tenho o sonho de fazer o paraglider “fora de pista”, subir, talvez, o Aconcágua e descer voando, quem sabe…

Pretendo ir com bastante cuidado, já que a história me mostra que muita gente boa do montanhismo perdeu a vida em outros esportes, e muitas delas no paraglider. Quero ganhar muita experiência para poder fazer escaladas alucinantes e descer voando, alucinado também. A descida da montanha é sempre complicada. Os maiores problemas são sempre na descida. Só que ainda assim tem o risco de o tempo não estar bom e o montanhista ter que descer com o paraglider que levou para cima. Em dias ruins, não resolve o problema. Tem que descer como antes, e com mais peso. Pelo que andei consultando, tem conjuntos totais de cinco quilos, são os mais leves de hoje. Só que isso é sem pára-quedas reserva e outros equipamentos. Ainda não tenho capacidade técnica para tomar qualquer tipo de decisão nesse sentido. Tenho que treinar muito para saber o que vou fazer, e quando.

Especial

  • Quem foi Vitor Negrete
  • Cobertura da temporada 2006 no Everest
  • Cobertura da temporada 2007 no Everest
  • Coluna de Vitor Negrete

    Este texto foi escrito por: Daniel Costa