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Roma e Belli no Cape Epic 2011: uma experiência cega

Redação Webventure/ Biking

Mario Roma e Adauto Belli completaram o Cape Epic 2011 em uma bike Tandem (foto: Divulgação Brasil Soul)
Mario Roma e Adauto Belli completaram o Cape Epic 2011 em uma bike Tandem (foto: Divulgação Brasil Soul)

Acabou mais uma Cape Epic. Missão dada, missão cumprida, saí do Brasil com o objetivo de realizar esta epopéia de tandem com o meu parceiro de equipe Adauto Belli deficiente visual. Agora no avião, com o resto que sobrou de mim, avalio esta façanha. Normalmente quando termino uma prova longa tudo é esquecido logo após cruzar a chegada, mas desta vez não sai o cansaço do meu corpo nem de minha mente os inúmeros segundos de força, medo, respeito e alegrias.

Não tem como descrever o que vivi com Adauto na Tandem da RC Bikes nestes últimos oito dias pela África. Minha sensação é que teria de dar uma volta ao mundo de avião para descrever o que vivi e acho que isso se transformaria em um livro de tantos momentos épicos, descidas a mais de 70 kh/h segurando em meus braços uma bike com mais de 3 metros, 140 quilos e levando atrás uma pessoa cega. Não tinha nem como imaginar correr o risco de uma queda, pois seria algo impossível. A tensão é enorme, ao mesmo tempo relatando o que vinha pela frente, quando momentos como esse terminavam, vinham as enormes subidas onde a força foi necessária para vencer os 14000 metros de ascensão que percorremos. É surreal!

Nossos últimos três dias de prova foram além da emoção. Em uma das últimas etapas nossa amiga Raquel sofreu um acidente e paramos para socorrê-la. Antes disso já havíamos tido dois furos e estávamos atrasados, mas isso não era motivo para passar reto. E ali fiquei com meu parceiro cego e a Raquel completamente ensangüentada, e aquela bike enorme e os outros bikers descendo a milhão. Tinha de olhar três ações ao mesmo tempo, ficar de olho no Adauto, acudir a Raquel e ter o cuidado de não sermos atropelados pelos bikes descendo em alta velocidade. Que sufoco… Mas os médicos chegaram e fomos para a segunda área de apoio da etapa, onde a Raquel, mesmo estando gravemente acidentada, deu um show de boa disposição e humor.

Último segundo – E eu vivendo tudo aquilo in loco, minha cabeça não parava de processar o que estava ocorrendo: piloto de tandem, apoio de cego, fazendo resgate, tradutor, e tudo isso acontecendo e o relógio correndo. Após tudo ficar certo e os médicos decidirem levar a Raquel para o hospital, encaixamos nossas sapatilhas e partimos de novo. E o tempo ia passando, e eu me perguntava em silencio se iríamos conseguir chegar antes do tempo limite de prova. Recebemos a primeira informação faltando 30 km que estava apertado o nosso tempo e começamos a fazer uma força para além do natural, chegamos na placa de 10 km para chegada já exaustos e uma outra informação veio que estávamos em cima do muro para sermos cortados.

Iniciamos então uma verdadeira batalha entre nós mesmos, os dois gemíamos a cada pedalada, o percurso ia ficando mais complicado, entre a dor, a força e o sonho com uma estrada aberta para podermos acelerar a tandem, a realidade era de um piso de areia com calombos que a bike não acelerava de forma alguma. Finalmente entramos no singletrack, escutamos o som da área e o comentarista dizendo que faltavam 43 segundos para o corte. Aí não pedalamos, literalmente nos matamos por um single com uma tandem. Saímos de uma curva, entramos no gramado e o pórtico de chegada estava ali, há poucos metros. O locutor e umas boas centenas de pessoas começaram uma contagem regressiva. Dez, nove, oiito… E nós dois cegamente levantamos na tandem e iniciamos um sprint que não era natural, e cruzamos a chegada no último segundo.

A emoção era geral. Crianças e adultos choravam, a pele estava arrepiada de tanta emoção, e nos abraçamos pela conquista pessoal e de equipe inexplicável que tínhamos vivido neste dia, para nossa surpresa o fiscal da UCI caminhou para nós com o alicate na mão e cortou nosso numeral. Mas instantaneamente me olhou nos olhos e comentou: “sei o que fizeram lá atrás , mas tenho de seguir o protocolo. Entrem com recurso e tudo será resolvido.” E assim foi. A UCI mostrou que alem de competição, primeiro esta o lado humano em ajudar o próximo. Nossas placas foram devolvidas e nessa noite comemoramos com um bom vinho tinto e na companhia da Raquel que já tinha retornado do hospital, com algumas suturas, olho negro mas felizmente nada de maior gravidade.

Domingo largamos mais tarde para a ultima etapa, normalmente neste dia já costumo me sentir com meia medalha no pescoço, mas desta vez era diferente não tinha essa sensação por perto, pois seria mais um desafio.

Com o corpo exausto e uma bike difícil de pilotar, largamos e tivemos mais dois furos. Enquanto isso, Adauto comia e eu trocava câmera, remendava corrente, etc, etc. Mas já estava completamente habituado a esta rotina. Um dia Adauto me falou, “Mário, na terra do cego quem tem olho é escravo.” Ótimo lema! Fui me adaptando com essa minha nova patente e vivemos os oito dias sobre esse lema, dentro da prova e fora da prova na maior harmonia, rindo todo tempo e executando cada passo que surgia pela frente.

No ultimo dia não foi diferente, apos 68 km a chegada surgiu na nossa frente e lá estávamos os dois dando as ultimas pedaladas para concretizar o objetivo, cruzar a linha de chegada da Cape Epic 2011 de tandem com meu parceiro de equipe Aduto Belli, conhecida por muitos como uma das mais duras provas de Mountain Bike. Foram 777 km e 14000 de ascensão, em oito dias de luta, raça, determinação e muito espírito de equipe.

Meus braços, mãos, costas e calcanhares, ainda não os sinto até ao momento. Nos joelhos, tenho a sensação que fiquei ajoelhado por semanas. Imaginem ficar sentado em cima de um selim hard tail sem mobilidade por oito dias, mais de sete horas por dia pedalando. O nosso tail foi dolorido, até sangrar, literalmente. Só fazendo para poder ter uma pequena noção do que exige um desafio como esse. Mas como dizem: “No Pain no Gain”.
O que conquistamos espiritualmente é eterno, uma experiência de vida que para mim não tem comparação nem dor que faça esquecer. Conviver nestes últimos dez dias com uma pessoa como o Adauto Belli garanto para vocês que é um MBA de otimismos, força e determinação que não tem igual.

Parabéns a todos que estiveram na Cape Epic 2011, um ano que vai ficar na memória de muitos e um agradecimento especial a Weimar que nos incentivou neste projeto e a minha fiel escudeira e esposa Andrea que sempre me apóia e esta lá presente a todo momento.

Ao meu parceiro Aduto:
Obrigado por me fazer rir quando queria chorar, por me fazer lutar quando estava exausto, por me dizer que suas pernas também doíam. Obrigado por tudo.

Este texto foi escrito por: Mario Roma

Last modified: abril 6, 2011

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