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Salomyth Fernandes: ícone do montanhismo carioca

Redação Webventure/ Montanhismo

A história de um dos precursores da escalada no Rio (foto: Divulgação)
A história de um dos precursores da escalada no Rio (foto: Divulgação)

Alto da Boa Vista, ponto final do bonde, certa garoa e um grupo do Centro Excursionista Ramos, cordas, botas cardadas e outras parafernálias, curiosidade no ar. Salomyth, garoto dezesseis anos, não resistiu, perguntou aonde eles iriam com todo aquele material, e se poderia ir, ele era bem forte, sempre foi esportista, praticava natação já há alguns anos.

Aceito para a excursão, lá se foi de calça creme e camisa branca, com o pessoal, pensando que era um passeiozinho, passaram na D. Maria que ficava na base da Pedra Bonita, tomaram um café com biscoitos, ela sempre tinha algo para oferecer e vice-versa.

Quando eles chegaram na base da Chaminé Ely, toda enlameada, Salô escorregava muito, os companheiros de aventura com suas botas cardadas, eram rápidos. Carrasqueira, cordas, sobe-para-cima, Salô estava bravo, nem imaginava que fosse tanta ralação subir aquela montanha, um dos seus sapatos abriu uma “boca-de-jacaré”, a calça creme ficou marrom de suja e dos tombos, um pouco rasgada também. A brincadeira a princípio não agradou muito, subiu quase calado, e pensativo. Cume, ao admirar a paisagem deslumbrante ele apaixonou-se pela visão, apesar de seu estado, sujo, sem comida, pois não tinha planejado a aventura… Os rapazes ofereceram para ele pedaços de galinha e uma maçã.

Voltaram tudo, de volta para o Alto da Boa Vista, a esta altura, ele havia perdido um sapato, o outro aberto, a camisa rasgada, e a calça toda rasgada, diante de tal situação, os rapazes do C.E.R. (Centro Excursionista Ramos), oferecera-lhe uma camisa. Casa, sua mãe pensou que tivera sido atropelado.O pessoal do C.E.R. convidou-o para entrar para o clube, mas o percurso tornava-se deveras complicado de acordo com as conduções, Maria Fumaça, depois um bonde, não havia condução direta do Méier para Ramos.

Preparação – Naquela época havia a Rádio Ginástica, comprava-se um mapa no jornaleiro, aonde havia os desenhos dos exercícios, um professor na rádio orientava, com uma música de piano ao fundo, além destas atividades que ele acompanhava, o grupo que ouvia esse programa começou a organizar excursões, a primeira para o Alto da Boavista, na Praça Afonso Vizeu, eles foram ao Pico da Tijuca, eram ao todo quarenta, muitos inexperientes, conta Salô de um gordinho que levava em duas sacolas de pano vários alimentos, e rapidamente cansou-se, (mochilas eram vendidas, como sobras do exército, na Loja Sucupira do Centro da cidade), solução: ele pegou um tronco, e fez um balaio, carregou as duas sacolas do gordinho até o cume, laranjas sobraram até para a descida…

Outras excursões foram organizadas pelo mesmo grupo, e Salô já tinha dezoito anos, percorreram o Pico do Papagaio, e outras montanhas, o guia era o Sr. Vaz mostrou-lhe um boletim do CEB, e daí partiu a idéia de entrar para lá, conseguiu uma proposta, e foi a Praça Mahatma Gandhi, aonde era o clube na época, muito cheio em suas reuniões, entrou, e sua primeira excursão foi para o Pico do Corcovado de Friburgo, uma excursão longa guiada por Ivo Pereira (CEB), e com direito a dormida numa fazenda, ele já havia comprado mochila de soldado, e colocado cardas na bota para facilitar suas caminhadas, que consistia em colocar pregos com cabeça grande, cerca de meio centímetro, na sola da bota de couro para facilitar-lhe. Foram à tarde, pegaram o trem Maria Fumaça de Niterói, foram até Friburgo, e numa parada andaram até a fazenda, todos dormiram no assoalho, cinco horas da manhã partir, lanternas de carbureto na mão, era uma lanterna usada por mineiros, aonde havia um sistema entre as pedras de carbureto e gotejamento de água, que gerava um gás, e ao ser ateado com o fogo, produzia uma boa luz.

À vontade de escalar vindo, e surgiu a oportunidade de ir ao Morro do Cantagalo, tudo era mato, e as escaladas eram as Chaminés do Prego e do Morcego, descia-se desescalando. A Chaminé do Prego era mais fácil desescalar do que rapelar, a do Morcego era mais fácil descer pela corda. Mais tarde surgiu uma via chamada Walmir de Castro, então passou a subir pelas chaminés, e descer por esta via.

Diversas vezes o Salô subiu e desescalou a Stop, a Agulha do Diabo foi subida e desescalada por ele também, trechos da Teixeira do Dedo de Deus também.

Uma via que ele gostava muito também de escalar era a Baden Powell, no Irmão Maior do Leblon, até que ocorreu um assalto e levaram a corda de sisal deles, não voltou mais lá. Ele também gostava da via Paulista do Irmão Menor do Leblon, costumava descer entre os dois morros.

Ensinamentos – Um de seus professores foi Halmikar Reigas, que foi quem o levou pela primeira vez até a Agulha do Diabo, via que foi repetida por ele 37 vezes, o Dedo de Deus ele fez 27 vezes. Seus maiores parceiros foram: Halmikar Reigas e Antonio Benischer, o segundo quem o apresentou a Chaminé Stop.

Na década de 50, entrou para o CEC (Centro Excursionista Carioca), ao saberem que ele conhecia bem a Agulha do Diabo, uma turma ficou interessada, e foram várias excursões organizadas, nas quais ele levou quatro por vez, idos de 52…

A Travessia Petrópolis-Teresópolis, ele conheceu com o Ájax, um camarada do CEB, conta Salô, que naquela época, a Travessia era bem difícil, com o capim-de-anta bem alto. Nesta época ele também fazia Pipoca, Cabeça de Peixe, Dedinhos, Garrafão, Dedo de Nossa Senhora (o cabo de aço era bem fino, conta), entre outras montanhas da Serra dos Órgãos.

Ele foi parceiro de Henry Ochionni, do CEC, o Sobral Pinto fotógrafo, sempre com sua enorme mochila cheia de equipamentos. Mais tarde no CEB, ele conheceu o Minchetti, e daí seguiram várias explorações.

O caminho das Orquídeas foi criado com a intenção de encurtar a jornada até a Agulha do Diabo, e de buscar um lugar mais próximo para dormir, já que havia acabado o abrigo quatro (época da ditadura), ao invés de ter de andar o vale todo de Santo Antônio e de São João, para depois descer para a Agulha, foram: ele, Minchetti e Ochioni e colocaram um grampo para descer do São Pedro para o mirante da Agulha. 1965 Paquequer, eles tiveram a primeira visão da Chaminé Cassin, homenagem a um grande alpinista italiano, Ricardo Cassin, conquistada por ele e Minchetti no mesmo período. O Caminho era repleto de orquídeas, a Pedra do Tapete era cheia de musgo, pouco tempo depois, as orquídeas não existiam mais…

Face Nordeste do Nariz do Frade foi conquista dele, com Vavá, Waldo e Garrido, assim como: Paredão Ventania, com Minchetti , para evitar a passagem pela Ely, uma conquista sugestiva e curiosa, foi o Paredão Vermelho na Urca, por causa da Praia Vermelha, a primeira de uma parede hoje cheia de cores.

Acidentes acontecem, Salô foi convidado pelo Pellegrini para fotografar as construções das estruturas dos bondes da época, ele estava onde ficavam os cabos de força, na estação quatro, foi recuar um pouco sem o capacete, para só acordar nove horas depois no hospital, isto lhe custou uma enorme cicatriz na cabeça até hoje. Salô foi encontrado por um turista, e conta que o bondinho do Pão-de-Açúcar parou na hora do acidente. A primeira pessoa que ele viu ao acordar foi o Vává, sua preocupação era quanto à sua máquina fotográfica estava louco para ir-se embora dali. Outra vez no Pão, ele estava descendo no bonde cargueiro, para fotografar, por negligência do operário, o cargueiro estava andando muito rápido, e quando chegou no batente, o tranco foi tamanho que ele não morreu por sorte.

Curiosidade, na Baden Powell, tinha dois lances: o Morte Doce, e o Morte Lenta. Salô escalava de Alpargata Roda, e parou antes destes lances para cuspir na sapatilha, na intenção de aumentar a aderência, Morte Doce tudo bem, parou um pouco, e lá se foi para a Morte Lenta, talvez por empolgação, seguiu confiante para o Morte Lenta, e tomou um pêndulo bem grande.

Desenhos – Salomyth gostava muito de desenhar, e vários croquis seus ainda se encontram no CERJ até hoje. Formou-se na Fundação Getúlio Vargas, trabalhou como escriturário e depois, desenhista projetista muito tempo na Prefeitura, no setor de Urbanismo, de Topografia.

Sua dedicação a atividades físicas sempre foi grande, pela Rádio Ginástica, nadou dos dez aos dezenove anos, foi AcquaLoco, e num dos treinos de nado perdeu a visão esquerda, suas disposição e resistência eram absurdas. Seus finais de semana continuaram dedicados à montanha, sua fiel companheira de décadas.

Este aquariano de 29 de janeiro de 1929 é uma pessoa muito sensível, e seus olhos marejam ao falar dessas histórias.

Este texto foi escrito por: Gabriela Saliba (arquivo)

Last modified: julho 26, 2009

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