Para navegar é preciso sempre estar atento ao que se sobrevoa (foto: Divulgação)
Um padre, uma montanhista e uma jornalista. Em comum, o prazer de voar e a vontade observar o mundo de uma outra maneira. De “enxergar, de cima, todas as belezas e contrastes”. O primeiro a fazer isso foi exatamente o padre Bartolomeu de Gusmão que, em 1709, conseguiu, pela primeira vez na história, sair do solo em um balão de ar quente. Alguns séculos se passaram e o aparelho voador do padre, considerado perigoso a ponto de ter sido destruído depois de uma apresentação na corte de Luís XV em Portugal, desenvolveu-se.
Pelo tal aparelho, centenas de pessoas em todo o mundo se apaixonaram. Por mais que voar já não seja mais novidade, a beleza dos balões encanta, trazendo à memória as aventuras imaginadas na infância. Conquista também quem, depois de adulto, decidiu levar suas aventuras adiante.
A montanhista Helena Hartman e a balonista Lilian Benzi foram algumas dessas conquistas do balonismo. As duas representaram o Brasil no último World Ladies Cup, um campeonato internacional que reúne mulheres do mundo inteiro para competir e embelezar os céus com seus balões coloridos. Em 2001, a competição aconteceu na França.
Saiba mais sobre este esporte, a sensação de voar em um balão e como essas duas mulheres, que representaram o Brasil no ares franceses, enfrentam esses desafios neste Aventura Brasil.
A paixão de Helena Artman pelo balonismo começou em 1991 quando a montanhista, que também é jornalista, foi cobrir um campeonato da modalidade. Nunca mais conseguiu parar de voar. Eu fiz o meu primeiro vôo e me encontrei lá em cima, conta.
A partir de então, Helena começou a procurar mais informações sobre o esporte, conheceu balonistas e, aos poucos, foi aprendendo as primeiras lições. Nessa época eu não tinha voz ativa nas equipes das quais eu participava. Geralmente eu fazia o resgate ou, quando voava, era mais para lazer do que necessariamente fazendo algo pelo time.
Quando diz fazer algo, ativamente, Artman está falando sobre navegar (indicar, utilizando bússolas e mapas, o caminho que deve ser seguido) ou pilotar (manejar o balão para onde ele deve seguir). Em uma competição, os balonistas devem seguir um trajeto pré determinado e jogar, em locais escolhidos pela organização, sacos de areia, provando que sobrevoaram os pontos certos.
Por terra, fazendo o resgate, vão carros que seguem o mesmo percurso dos balões. Eles servem para auxiliar os atletas depois de um dos momentos mais tensos de todo vôo: a volta ao solo. Eu comecei a ser navegadora ano passado quando participei do Ladies Cup com a Lourdes Alemany , conta Helena. Foi com Loudes que Helena perdeu muito do medo que tinha ao subir em um balão. Ela é uma pessoa muito segura, estava sempre disposta para decolar, pronta para os desafios. Aprendi muito com ela, explica Artman.
Alguns anos antes, em 1988, um caminho parecido com o de Artman levou Liliam Benzi ao esporte Sou jornalista e comecei no balonismo justamente cobrindo o lançamento do primeiro Campeonato Brasileiro. Depois, me apaixonei por um balonista e comecei a praticar o esporte para ficar mais pertinho do amado. O namoro acabou mas o meu amor pelo balonismo faz parte da minha vida até hoje
Liliam é uma das poucas mulheres com brevê (autorização conseguida depois de curso de pilotagem específico e o mínimo de 60 horas de vôo) no Brasil e tornou-se companheira de Artman em 2001. Amigas de balonismo, as duas integraram vontade com experiência para compor a primeira dupla latino- americana a participar de uma das maiores provas do balonismo mundial. Era o caminho natural, a Liliam é a melhor balonista competindo no país. A equipe brasileira ficou em 8º lugar no Ladies World Cup e em 47ª na Copa Européia.
Aviões modernos com aeromoças simpáticas e o conforto de uma cadeira. Lá fora, o que você vê pela janelinha é o céu azul, nuvens e, às vezes, as cidades com suas luzes e cores minúsculas lá embaixo. Se para você é assim que pode ser definida a sensação de voar, em um balão há uma outra, bem diferente. É como flutuar em uma bola de sabão. Você está em pé, sobre uma superfície que literalmente flutua, ao sabor dos ventos, às vezes tocando nas árvores mais altas. É algo realmente magnífico, explica Helena Artman.
Nenhum conforto, para ela, substitui o que se sente ao percorrer distâncias, às vezes de até 45 km, sobrevoando cidades, campos e, por que não, castelos. Na França, durante a competição, fiz vôos simplesmente mágicos. Sobrevoamos áreas lindíssimas com muito verde, campos de girassóis e até castelos. Estar sobre essas belezas faz com que eu me sinta uma privilegiada
Para Liliam, estar em um balão traz uma sensação de conquista. Não é a simplesmente a sensação de estar no céu, mas a de desafiar o céu. Cada vôo é um grande desafio. Você está teoricamente tentando controlar o incontrolável: a natureza
Segundo Liliam, trata-se de uma mistura de medo com prazer, com satisfação. Tudo isso misturado leva a gente a continuar neste esporte. Fui a primeira mulher piloto de balão de ar quente em atividade no Brasil e hoje sou a primeira mulher a ter uma equipe completamente feminina, conta.
Sem respirar – Em momentos como os de competição, toda essa alegria é somada à tensão. Em alguns momentos, a Liliam dizia para eu ficar imóvel e ela também ficava, para que a cesta não se movesse. Ficávamos ali, quietas. Uma vez eu perguntei Liliam, e respirar, pode?. Não agüentamos e caímos na risada, conta Helena.
Durante estes vôos competitivos, que chegam a durar, algumas vezes, mais de uma hora, muitas conversas e trocas de experiências acontecem. Nem todos os momentos são de tensão e a dupla, que compartilha no balão instantes de rara beleza, faz questão de manter o bom humor e, principalmente a tranqüilidade.
O medo, porém, continua presente para as duas. Eu sinto muito mais medo dentro do balão do que subindo uma montanha gelada. Você está fora do chão, sendo levado pelo vento. É claro que o medo diminuiu muito nos últimos anos mas confesso que ainda sinto uma tremedeira ao deixar o solo. Na última competição, houve um dia em eu conseguia escutar nitidamente o meu coração bater, explica Artman.
Navegar é encontrar os caminhos corretos para chegar onde se quer utilizando-se de mapas, bússolas ou aparelhos mais sofisticados como GPS. A navegação para qualquer aventureiro, portanto, acaba não tendo nada a ver com embarcações, rios ou oceanos.
Se encontrar esses caminhos em terra já é, muitas vezes, uma tarefa complicada, no céu, apesar de ter a visão ampliada, navegar se transforma em uma junção de atenção, concentração e, principalmente, muita sensibilidade.
É algo muito diferente de, por exemplo, navegar em uma montanha. A semelhança está no fato de que, em ambos os casos, não há uma placa indicando os lugares. Quando você encontra uma montanha, não verá ali uma plaquinha com o seu nome. A mesma coisa acontece com o balonismo: ninguém coloca placas com os nomes das cidades para serem enxergadas lá do céu, brinca Artman.
Que cidade está abaixo? – No balão, guia-se através de mapas, bússolas e literalmente sentindo a direção dos ventos. Além disso, a observação é importante. Você pode ver para onde um outro competidor está indo e seguí-lo, na mesma corrente de ar. Porém, deve observar ao redor porque ele pode estar também seguindo um caminho errado, explica a navegadora Artman.
E quando se está perdida? No céu, não há para quem pedir informações. O jeito é procurar mais rapidamente possível uma referência e reencontrar a rota certa, explica Helena. O maior perigo de se ficar muito tempo à procura do caminho certo são as mudanças climáticas, que podem causar instabilidade no vôo.
Uma vez, este ano na França, estávamos sobrevoando uma cidade, acreditando estarmos corretas em nossa rota. De repente, avistei do alto o restaurante onde havíamos jantado na noite anterior. Pensávamos estar sobre uma cidade e, na verdade, sobrevoávamos outra. Liliam e Helena levaram algum tempo mas voltaram, seguras, para a rota correta.
Estar no céu, flutuando, observando belas paisagens, tendo o vento como guia, assistindo a verdadeiros espetáculos da natureza. Em um momento, toda essa magia precisa ser interrompida e voltar para a terra firme transforma-se numa missão desafiadora.
No balonismo, você sabe de onde vai subir mas nunca sabe exatamente onde vai descer. É preciso muito controle sobre o balão e, acredito, trata-se do momento mais delicado de todo o processo de um vôo, conta Helena Artman. A escolha de um local correto para pousar deve sempre ter como princípio a segurança dos integrantes do balão. Locais planos e abertos, sem a presença de grandes árvores ou fios de alta tensão, são os mais indicados.
Quando se está em competições perto do mar, a dificuldade e o perigo tornam-se ainda maiores. Ser levado pelo vento para o oceano pode fazer com que seja necessário um pouso forçado e nada indicado no mar. O perigo é grande e, nesses casos, a atenção deve ser redobrada.
As lições – Quando pisam no chão novamente, as duas mulheres trazem consigo muitas lições e experiências que gostam de compartilhar, principalmente com os iniciantes. Para começar é preciso boa vontade, garra e principalmente bom senso. Às vezes, especialmente como mulher, mais do que tentar ter a mesma força física de um homem é importante pensar com mais clareza e raciocinar como fazer esta força com com mais inteligência.
Também para as mulheres, Helena Artman dá o seu recado. Não é preciso ser forte mas ter sensibilidade. Homens e mulheres sensíveis podem encontrar muito sucesso com balonismo. Basta humildade para aprender e respeito pela natureza.
Para saber mais sobre balonismo visite o site www.balonismo.com.br.
Este texto foi escrito por: Debora de Cassia