Stefan Glowacz solando em uma cena do filme No Coração da Montanha de Werner Herzog. (foto: Divulgação)
Em nova coluna, o alpinista Vítor Negrete aborda um tema que desperta a curiosidade humana: a morte.
Há duas semanas fui visitar a Bia, uma amiga antropóloga formada pela Unicamp e com mestrado pela mesma instituição, pessoa que respeito bastante, intelectualmente. Saí da Marginal, virei na ruazinha de bairro. Passo pelo lado de um carro rodeado de expectadores e vejo o motorista com a cabeça pendendo para o lado e uma mancha de sangue escorrendo pelo pescoço. Assim que passo o carro com o motorista, a uns 80 cm, vejo uma pessoa estendida na calçada, com o rosto voltado para o chão e uma poça de sangue escorrendo para a sarjeta.
Em uma das minhas escaladas encontrei os corpos de dois alpinistas. Na volta, percebi que o fato suplantara a conquista da montanha. As pessoas perguntavam muito sobre os mortos. Mostravam uma curiosidade e interesse que me revoltavam. Demorei muito para lidar com isto e talvez ainda não saiba muito bem.
Chegando à casa da Bia, reticente, contei sobre a cena que acabara de presenciar. Ela rapidamente respondeu: vamos lá ver!. Fiquei chocado. “Até tu”, Bia? Aquilo me remeteu a uma reflexão anterior. A morte exerce uma atração muito grande nas pessoas. Por isto temos os jornais que escorrem sangue, por isso as pessoas vão ver corpos e acidentes, por isso nossa escalada passou tanto na televisão.
Interesse supera classe e formação – Isso é um fato, assim como é um fato que encontrei corpos na escalada. As pessoas perguntaram e vão perguntar sobre isso, acredito que devo lidar a situação. O interesse pode ser natural; a Bia me mostrou que ele perpassa classes sociais e formação. Eu me perguntava por que as pessoas querem saber tanto dos alpinistas e não têm tanto interesse nas tantas outras vítimas da nossa sociedade, muitas vezes mortas em situações piores.
Saimos, fomos tomar cerveja. No final da noite deixei a Bia em casa. No dia seguinte, liguei para perguntar se ela soube algo do incidente. Ela me contou que foi até o local e ficou observando toda a cena, com seus protagonistas, policiais, peritos e até o detalhe do celular de um dos mortos, ainda ligado, como se alguém pudesse ligar a qualquer momento, sem saber do ocorrido.
Atração pelo risco? – No fim de semana passado fui treinar técnicas verticais com a equipe de corridas de aventura e minha namorada. Descemos a via escolhida. Fui na frente, montei a parada. Neste ínterin, um casal que subia a mesma via chegou à parada. O primeiro subiu, o segundo subiu. Como a passagem deles demorou um pouco, escalei solando para ver se estava tudo bem com meus amigos que aguardavam no bico do Bauzinho.
Solar (escalar sem corda ou sistema de segurança) aquela via não é nenhuma façanha. A via é facil, mas se você cair: bau, bau, morte certa! Cheguei à parada no Bico do Bauzinho e a Marina (minha namorada) me fez jurar que nunca mais iria solar, e me perguntou sobre os motivos da estupidez de arriscar a minha vida por nada.
O perigo e o risco da perda da vida também rondam os esportes extremos. Existiria alguma atração por este fato, ou o risco é encarado de outra forma? Na próxima coluna vou escrever sobre esta atração homem-morte, escalada-morte.
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Este texto foi escrito por: Vítor Negrete
Last modified: maio 27, 2003