O nascer do sol no Pico do Paraná (foto: )
Depois de 45 minutos de viagem, saindo de Curitiba às 8 horas, chegamos até o posto Tio Doca, na BR 116. Antes disso, na estrada, várias tentativas de identificar o Pico Paraná, o maior do Sul do Brasil. Olhávamos para as montanhas, de dentro do ônibus, imaginando qual delas seria o nosso destino. Era uma grande ingenuidade a nossa. O PP não está nada perto da BR 116, e as montanhas que víamos não chegavam nem perto da imponência da maior montanha do Paraná.
Antes da viagem, um telefonema para o CPM – Clube Paranaense de Montanhismo – nos permitiu saber um pouco mais sobre a trilha: difícil, longa, mas bem demarcada. O maior problema seria a água, pois a última fonte da trilha fica bem distante do cume. Em um mercado à beira da estrada compramos uma panela (esquecemos deste pequeno detalhe), e pedimos informações sobre o caminho. É engraçado como para os locais tudo é relativamente perto.
A fazenda onde está o começo do acesso para o PP, não estaria muito longe, segundo o que nos informaram. Quatro horas de caminhada ascendente, um erro de caminho e uma fuga de um cachorro, que mais parecia um leão, e estávamos na tal fazenda. Não havia ninguém, apenas uma pequena placa indicava o marco zero da caminhada: Pico Paraná – IAP, CPM. A partir daí, só subida. Caminhamos um pequeno trecho e paramos para almoçar. A vista já era o esboço do que iríamos encontrar: uma vasto tapete verde num terreno montanhoso e, ao fundo, a represa do Capivari.
A trilha – A trilha passa por diferentes tipos de vegetação, e o cenário muda a cada quilômetro percorrido. Passamos por uma espécie de lago, chamado Lago Morto, pois parece um pântano de água parada. Ao lado, vestígios de um acampamento. O silêncio era apaziguador do conflito pessoal de cada um de nós: a vontade de chegar ao destino, contra as várias incertezas que nos tiravam o sossego. Uma era a reserva de água que deveríamos ter e o grau de dificuldade do acesso ao cume, a outra era a tal Pedra da Desistência, da qual ouvimos falar.
Para nós, houve pelo menos cinco delas pelo caminho. Outro local de acampamento. Decidimos parar e procurar pela tal bica. Meu irmão ficou armando o acampamento. Eu e o Flávio andamos. Vinte minutos e lá estava. Para nós, a modesta bica, que caía de um cano em um reservatório feito de cimento na pedra, parecia uma cachoeira. Foi a água mais refrescante que bebemos em nossas vidas. Serviu também para um rápido banho, para amenizar os efeitos da caminhada.
No dia seguinte, a trilha já começou dentro de uma vegetação típica de Floresta Atlântica: mata fechada, umidade e diversidade. Várias raízes e troncos cruzando o caminho. Os primeiros tombos foram inevitáveis. Ás vezes, o desânimo nos pegava de surpresa. Subíamos um bom trecho e, de repente, um longo trecho de descida. Portanto, era certo que teríamos que subir mais ainda. Isso sem contar que nem imaginávamos a que distância estava o Pico
Passamos por entre bambuzais fechados, que arranhavam e enroscavam nas mochilas. Subidas quase verticais e escorregadias nos deixavam mais alerta ainda. Depois de uma subida dessas, chegamos ao acampamento número 1 e ao primeiro contato visual com a nossa meta. Foi assustador. Aquela forma imponente, destacada por um contraste que dava a impressão de estarmos olhando para algo que não pertencia àquela natureza, àquela paisagem. Algo que parecia inatigível para 3 montanhistas inexperientes.
Eu olhava para a base do PP e não podia imaginar como faríamos para subir. O medo e a ansiedade aumentaram. As nuvens batiam no paredão à nossa frente e subiam numa velocidade incrível, até contornar o topo. Ao fundo, a baía de Antonina, e curvas de água cortando o tapete verde. O descanso durou pouco, e uma boa caminhada ainda nos separava da base do PP.
Chegamos ao início do nosso maior desfio, e de cara tivemos que escalar com a ajuda de algumas escadas. Depois disso, nada de árvores e sombra, apenas o sol quente queimando nossos braços e nucas. Em alguns trechos a trilha beirava o paredão, e eu estava apenas começando a me adaptar à altura da trilha. Avistamos uma espécie de fortaleza, uma casa feita de pedras e cimento. Não sei quem foi maluco o suficiente para levar todo aquele material para lá. Só sei que foi um esforço gigantesco.
Infelizmente, no interior da casa estava cheio de lixo. Aliás, durante toda a caminhada era possível achar embalagens plásticas, latas, etc, o que é uma pena. Sempre pensei que o PP fosse um local seletivo o bastante para evitar pessoas sem consciência. Chegamos ao acampamento 2. Uma breve discussão sobre continuar ou acampar. Por um lado, estávamos perto demais do cume. Por outro, não sabíamos se era possível acampar por lá. Estávamos exaustos, mas continuamos. Mais algumas pedras pelo caminho e muito equilíbrio para evitar quedas.
No cume – Estávamos, finalmente, no ponto mais alto do Sul do Brasil aproximadamente 1.900 metros. Três pessoas já estavam lá. Disseram que fizeram o PP em um dia. Um deles já havia subido o PP umas 10 vezes. Nos mostrou as outras montanhas em volta: União, Itibirati, Caratuva (ou Caratuba), Ciririca, Camelo entre outras. Uma cidade, minúscula vista daquela altura, era Bairro Alto. Ao longe, Curitiba e Região Metropolitana.
Lá em cima, é só olhar para os lados para saber se vem chuva. Dá para saber se está chovendo em Curitiba ou no litoral, e até se arriscar a dar a previsão do tempo para São Paulo. De resto, apenas um tapete verde extenso, sem vestígio de ocupação humana. Mas à noite, onde se imagina que só há mato, surgem pequenas luzes indicando presença de vida inteligente. Realmente o homem se apossa cada vez mais do planeta. Ver aquelas luzes era surpreendente e melancólico ao mesmo tempo. À noite que Curitiba mostra o seu tamanho. Uma fileira horizontal de luzes corta o breu que tenta envolvê-la, nos lembrando que estamos, mesmo que temporariamente, longe de toda aquela loucura.
Recompensa – O nascer do sol nesse dia foi um espetáculo. Um fotógrafo ficaria louco naquela paisagem. Mas foi o pôr-do-sol do dia seguinte que nos deu um espetáculo imenso. Aquela bola vermelha surgia de um verdadeiro mar de nuvens, que deixava à vista apenas os cumes das montanhas mais altas. Um café da manhã modesto (já não tínhamos mais água e tivemos que emprestar dos nossos amigos), mochilas preparadas e uma última olhada para todos os lados. Essa foi a despedida do cume do PP.
Este texto foi escrito por: Carlos Azevedo