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Superando limites

Redação Webventure/ Aventura brasil

As montanhas exercem fascínio sobre os alpinistas (foto: Divulgação)
As montanhas exercem fascínio sobre os alpinistas (foto: Divulgação)

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Superar limites, bater recordes, ser o primeiro, chegar aonde ninguém jamais chegou. Em qualquer época da história o ímpeto por conquistas sempre acompanhou o homem, seja nos âmbitos pessoais ou profissionais.

Nos esportes de aventura não é diferente. A cada ano que passa os aventureiros ousam mais tentando superar seus próprios limites.

Em agosto de 1960, por exemplo, Joe Kittinger Junior, bateu o recorde de pará-quedismo, saltando de um balão com roupas especiais a uma altura de 31.341 m. O recorde foi comprovado pelo altímetro e registrado. Já os campeonatos de formações são julgados por meio de um vídeo feito por um Câmera Flyer, pará-quedista especialmente designado para esta função. No caso de quebra de recorde o vídeo funciona como testemunha.

No mergulho, a modalidade apnéia estática, que consiste em ficar o maior tempo possível submerso sem ajuda de equipamentos, o recorde brasileiro é de Karoline Meyer, com 6min13s. Neste caso a comprovação é feita pelo cronômetro. Na modalidade profundidade, os mergulhadores, para comprovar que realmente alcançaram a profundidade determinada devem trazer para a superfície uma placa com a marcação colocada antes pela organização da prova.

Por outro lado, alguns esportes de aventura encontram certa dificuldade na hora de comprovar seus recordes. É o caso do montanhismo. A conquista de uma montanha é provada através de relatos, testemunhas e fotos. Muitas pessoas, entretanto se perguntam: isso é realmente suficiente para comprovar uma façanha?

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A história das conquistas no montanhismo é antiga. O grande primeiro feito aconteceu em 1492, quando o francês Antoine de Ville escalou o Monte Aiguille (França). Na época esse fato causou enorme furor e dúvida do público em geral, pois se acreditava que as altas montanhas eram habitadas por dragões e seres alienígenas.

No Brasil, os primeiros “conquistadores” foram os bandeirantes no século XVII, que exploravam os territórios brasileiros a procura de ouro e riquezas, entretanto não há registros detalhados. A primeira grande conquista aconteceu em 1856, quando José Franklin Massena, morador da antiga Vila de Aiuruoca, escalou sozinho o Pico das Agulhas Negras (quinta maior montanha brasileira). A única prova deste feito foi o seu relato enviado para a Corte de D. Pedro.

Outro caso bastante polêmico foi dos alpinistas Mallory e Irvine. Em 1924, a dupla teria sido a primeira a subir o Monte Everest, maior montanha do mundo com 8.850m. Às 12h50min do dia 8 de junho de 1924, o alpinista Noel Odell percebeu dois pontos negros movendo-se sobre a face norte do Monte Everest, a poucas centenas de metros do cume. Foi a última vez que viram George Mallory e Andrew Irvine com vida. O cadáver de Mallory foi encontrado 75 anos depois, muito perto do cume, aumentando ainda mais as especulações sobre a conquista da montanha. Nenhuma prova foi encontrada.

Talvez nos primórdios do montanhismo os relatos e as fotos não fossem tão questionáveis. Atualmente, entretanto, com o aumento da tecnologia dos equipamentos, o crescimento extraordinário da mídia e toda fama que ela pode trazer, fazem com que cada vez mais o público exija provas concretas destes feitos.

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É inquestionável que o Brasil possui montanhistas de altíssima qualidade e nível técnico. O que muitas vezes impossibilita estes atletas de ampliarem suas conquistas é o alto custo das expedições para este tipo de atividade. Algumas delas podem superar US$100.000,00.

Uma boa maneira de viabilizar estes projetos é correr atrás de patrocinadores. Um caso bem sucedido é o do alpinista paranaense Waldemar Niclevicz. Com 36 anos o aventureiro se orgulha de ter alcançado os Sete Cumes (conjunto formado pelas montanhas mais altas de cada continente) e de ter sido, juntamente com Mozard Catão, o primeiro brasileiro a chegar ao Everest. Além disso, em julho de 2000 subiu o K2, a segunda maior montanha do mundo (8.611m), considerada por muitos a mais perigosa e difícil.

Alguns montanhistas e ex-parceiros de Niclevicz, entretanto, vem questionando a veracidade destas façanhas. O alpinista José Luiz Hartamann, o Chiquinho, participou o ano passado da expedição ao Trango Tower (Paquistão), a maior parede de granito do mundo com 6.251 m. Segundo Chiquinho, antes de partir todos já sabiam que a principal função da equipe era fazer a escalada técnica em big-wall, Niclevicz além de escalar tiraria as fotos e filmaria. “Na parte de big-wall o trabalho pesado ficou realmente com os outros membros da equipe que possuíam bastante conhecimento técnico neste tipo de escalada. Entretanto, nas partes com neve o Waldemar guiou algumas vias”, conta Chiquinho.

Ronaldo Franzen, o Nativo, esteve em 1996 junto a Niclevicz na tentativa de escalar o Monte McKinley, no Alaska (Estados Unidos), com 6.194 m. Segundo Nativo naquela oportunidade a 100 m de alcançarem o cume os pés de Nativo já estavam em processo de congelamento. Preocupados, decidiram voltar ao acampamento, iniciando uma descida de, aproximadamente, seis horas. Ao chegarem no acampamento, quando questionados Niclevicz afirmava terem alcançado o cume, enquanto Nativo explicava que o cume não era o ponto onde eles haviam estado.

Waldemar Niclevicz nega a história: “Em nenhum momento eu disse que havia chegado ao cume. Eu só desisti de ir até o fim por causa dos pés do Nativo”.No ano seguinte Niclevicz voltou ao McKinley, desta vez sozinho, e chegou ao cume. As provas são as fotos tiradas pelo tripé que sempre o acompanha.

Para o alpinista as fotografias são o meio mais seguro de comprovação: “Sempre há alguma característica particular nos cumes das montanhas, que quem já esteve lá pode dizer se as fotos são ou não do topo”. Waldemar completa, no entanto, que muitas vezes não é possível tirar fotos, seja pelo mau tempo ou pelo estado em que a pessoa se encontra. “Muitas vezes deixamos objetos pessoais para que os próximos alpinistas comprovem a sua chegada lá; ou então trazemos algum objeto deixado anteriormente por alguém que já tenha estado lá”, explica.

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Helena Guiro Pacheco Pinto Coelho, colunista do Webventure, tem 48 anos, é professora e escala há mais de 20 anos em montanhas no Brasil e na Cordilheira dos Andes. Escalou os mais altos cumes desta cordilheira -na Argentina, cinco vezes o Aconcágua; no Peru, o Huascaran; no Chile, o Vulcão Ojos del Salado; e na Bolívia, o Illimani. Também escalou na Europa, o Mont Blanc, e, na África, o Kilimanjaro. Foi a primeira mulher brasileira a trabalhar na Antártica como alpinista de apoio ao “Programa Antártico Brasileiro”. Participou de cinco escaladas no Himalaia, chegando a 8.300 m de altitude no Everest (8.848m).Confira abaixo a opinião da alpinista sobre o assunto:

Na prática de seu esporte os montanhistas têm a difícil tarefa de comprovar os seus feitos. A máquina fotográfica ou a filmadora podem, por alguma razão, não funcionar bem. Ou pelo frio intenso capaz de acabar rapidamente com as baterias da máquina ou por que algum mecanismo não funcionou bem.

Entenda-se aí, que não só a máquina pode falhar, como também o alpinista. Você poderá estar lento demais e não perceber que a máquina não registrou bem, ou até, extenuado com o esforço da subida, não conseguir fotografar.

É comum, apesar de não ser ecológico, deixar alguma coisa que identifique sua chegada ao cume: uma bandeira com seu nome, uma peça de roupa como fez uma expedição feminina tempos atrás, algum postal, enfim alguma coisa que o identifique e mostre que você chegou lá; o próximo a subir poderá comprovar, se for necessário, que você havia estado no cume. Quem assistiu ao filme “No coração da montanha”, deve lembrar da foto da artista idolatrada pelo alpinista deixada no cume. Hoje em dia, uma foto, um documentário é suficiente. Há tomadas clássicas que identificam se você chegou lá ou não; uma associação de montanha é capaz de atestar a veracidade da foto.

Outra forma de testemunhar é pela presença de outros alpinistas no cume ou no percurso da escalada que podem atestar a sua chegada no topo ou a veracidade de suas informações. Essa forma só não é válida se você for o último da temporada, ou se você estiver sozinho naquela montanha.

Você poderá subir ao topo do Pão de Açúcar pelo teleférico, pelo costão ou pela via dos Italianos. Para todos, a vista lá de cima é a mesma. Mas, o feito em termos esportivos é bem diferente. E é por isso que costumamos dizer: mostrar que você chegou ao cume não é tão difícil quanto mostrar como você chegou lá. Só para deixar mais claro: hoje em dia, é bem maior o número das pessoas que tentam chegar ao cume do Monte Everest sem o uso de cilindros de oxigênio; porém, tem aumentado o número desses alpinistas que sobem com Sherpas que vão carregando cilindros para uso em eventualidades, ou então, que dormem nos acampamentos superiores com cilindros de oxigênio e depois dizem que subiram sem usar cilindro de oxigênio.

Veja bem, o problema aí não é somente o de ter usado cilindros de oxigênio, mas o de ter dito que não usou. E, infelizmente, verificar se tais fatos são verídicos ou não, é ainda mais difícil.

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Comprovadas ou não, as conquistas de montanhistas continuarão a ser questionadas até que se prove o contrário. Entretanto, na hora de acreditar nestes feitos relatados pela mídia ou por conhecidos, não se deve esquecer de alguns fatores:

Para qualquer conquista, independente do esporte, a ética deve prevalecer. Isso engloba entrosamento e sinceridade com o time, valores morais e espírito de equipe. Por outro lado, fofocas e “dor de cotovelo” existem e sempre existirão.

É preciso também esclarecer que provas de conquistas adquirem dimensões diferentes conforme o tipo de escalada que se está praticando. Se um alpinista está em uma montanha ou uma expedição contando com o apoio de patrocinadores, é de extrema e fundamental importância a comprovação de ter alcançado seu objetivo final. Por outro lado, alpinistas que escalam pelo simples prazer de estar na montanha e pelo desejo de conquista-la apenas para satisfazer um desafio pessoal, não tem a necessidade de provar aos outros se realmente conseguiram ou não atingir sua meta.

Enquanto nenhum novo método é inventado para a comprovação destas conquistas, fica a critério de cada um acreditar ou não no desbravamento das montanhas. Naturalmente os grandes conquistadores esperam o reconhecimento de suas façanhas. O que não deve acontecer é que este reconhecimento se sobrepor à paixão pelo esporte. O alpinismo, acima de tudo, é uma atividade onde existe uma relação de admiração e respeito entre o praticante e a montanha e não um esporte de competição, em que o intuito é colecionar recordes e méritos.

Aos alpinistas profissionais, que sempre nos inspiraram, deixamos a nossa torcida por mais conquistas e o pedido pela união e o comprometimento a ética no esporte. Aos iniciantes e praticantes sugerimos a prática com segurança e, principalmente, o acompanhamento crítico desta atividade, que sempre nos leva para cima.

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Este texto foi escrito por: Caroline d´Essen

Last modified: agosto 2, 2002

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