Conhecimento do corpo e do treinamento são importantes para saber quanto tempo descansar (foto: Arquivo Webventure)
Muitas pessoas que praticam atividades físicas se interessam pelas teorias envolvidas no treinamento, seja lendo em colunas escritas para leigos em jornais e revistas, seja em artigos científicos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Em muitos textos (tá bom, me empolguei: em alguns) vemos referências a tal supercompensação. Mas, compensação de quê?
Este termo é usado erroneamente, segundo o fisiologista Jürgen Weineck, para designar aprimoramento neuromuscular, ou seja, a melhora na coordenação nervosa dos processos de velocidade e flexibilidade. Fisiologicamente falando, a supercompensação pode ser definida como um aumento do potencial energético sob a forma de aumento das reservas intracelulares de glicogênio muscular e hepático. Enrolado? Então vamos tentar desenrolar.
Como vimos no artigo anterior: Atividade física: treinamento ou estresse?, após um determinado número de sessões de treinamento, ocorrem adaptações crônicas que levam o organismo a um patamar mais alto de condicionamento físico do que o estágio anterior.
Vimos também que, se continuarmos treinando na mesma intensidade, após as adaptações crônicas terem ocorrido, não aumentaremos mais o nível de condicionamento, ficando indefinidamente neste patamar, até ocorrer uma seqüência de estresse suficientemente mais intenso que a seqüência anterior. Nesta hora ocorre a quebra da homeostase (processo de regulação do organismo que mantém o equilíbrio das funções corporais), nos levando para outro nível mais alto de condicionamento físico.
Energia – É neste ponto que entra a supercompensação! Durante a sessão de treinamento (principalmente em atividades aeróbicas), ocorre o uso e, muitas vezes, o gasto total das reservas de glicogênio muscular e hepático substrato responsável, junto com a gordura, pela geração de energia utilizada na atividade física. Como o organismo possui uma quantidade armazenada de glicogênio muitas vezes menor que a de gordura, será ele o limitador do tempo da atividade.
Sim, mas onde está a tal supercompensação? Aqui! O organismo, extremamente sábio, percebe que a quantidade usual de glicogênio não está sendo suficiente para suas atividades cotidianas (as sessões de treinamento). Assim, o organismo decide armazenar uma quantidade maior de glicogênio para fazer jus às novas exigências. Simples, não? É só nos alimentarmos bem e teremos sempre a quantidade de glicogênio que necessitaremos mais adiante.
Sinto muito acabar com sua alegria, mas a coisa não é tão fácil assim. Este armazenamento é custoso para o organismo. Ironicamente, para armazenar energia gastamos energia. E nosso corpo odeia isto! Passamos a vida inteira minimizando o gasto energético. Quando o organismo percebe que algum excesso de energia armazenada não está sendo utilizado, ele joga fora.
Observando o gráfico 1, que mostra a quantidade de glicogênio no organismo, vemos o intervalo AB acontecer durante a atividade física. Ao término da atividade, no ponto B, o organismo inicia o processo do novo armazenamento, no intervalo BC. Por esperteza do organismo, como vimos anteriormente, o intervalo CD é o acúmulo acima do nível usual para fazer face a um novo estresse que pode acontecer em breve. Esta é a tão falada supercompensação! E aqui está o segredo do treinamento: iniciar a próxima sessão de treino exatamente no ponto D, antes que o organismo se arrependa de ter armazenado tanta energia e comece a jogá-la fora (intervalo DE). O gráfico 2 representa esta situação ideal, onde as sessões acontecem no exato momento da supercompensação provocada pela sessão anterior.
Se, ao invés disso, a próxima sessão ocorrer no ponto E, será fácil entender porque treinamos todos os finais de semana (e apenas neles!) e não melhoramos nossa performance. Simplesmente, iniciamos cada sessão como se fosse a primeira vez!
Agora eu te pergunto: e, contrariamente, se a próxima sessão de treinamento ocorrer cedo demais, em algum ponto do intervalo ABC, antes da supercompensação? O gráfico 3 mostra que ocorrerá uma redução do desempenho esportivo, ou seja, você piorará cada vez mais. Deduz-se daí que o descanso é fundamental para o treinamento!
Agora, a pergunta que não quer se calar: Que intervalo mágico entre uma sessão e outra devo adotar? Infelizmente, tenho que confessar, não há mágica neste assunto. Apenas, muita pesquisa científica em laboratório e muita experiência prática em campo. Para dar uma idéia da complexidade e do ninho de vespas que representa este importantíssimo detalhe no planejamento do treinamento, analisemos uma situação. Segundo os fisiologistas Mathews e Fox, a recuperação do glicogênio muscular após uma sessão de 1h30 de exercício contínuo acontecerá entre 10 e 48 horas. Se o exercício for intervalado, o tempo de recuperação cairá para algo entre 4 e 24 horas.
O que isto significa? O ponto ótimo de supercompensação do glicogênio muscular (ponto D na figura 1) estará entre 10 e 48 horas, no primeiro caso. Ou seja, você deveria realizar uma nova sessão de treinamento em algum momento deste intervalo, tentando arriscar estar neste ponto. Mas, que momento? Ahhhh!… Só a prática e a experiência do seu Preparador Físico, associada ao tempo que ele te treina, poderão concluir isto. Sem contar o fato prático de que somente atletas profissionais em tempo integral podem dispor de todo o tempo do dia para treinar, estando livre para obedecer esta matemática fisiológica. O atleta amador pode aproveitar a informação de que em 48 horas terá todo o glicogênio muscular recuperado (no caso do treino contínuo prévio), não devendo passar deste limite máximo para realizar uma nova sessão, pois correrá o risco de treinar após o ponto E, o que o levará para a péssima situação mostrada na figura 3.
Mas, lembre-se que cada caso é um caso. A experiência do seu Preparador Físico, aliada às pesquisas científicas, dará a resposta correta para você.
Este texto foi escrito por: Carlos Sposito
Last modified: abril 11, 2007