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Surpresas brasileiras no Yosemite em 2004


Roberta escalando em Coockie Cliff (foto: Juan Franco)

A montanhista e colunista Roberta Nunes escreve seu primeiro texto do ano falando sobre a viagem que fez para o parque nacional de Yosemite, na Califórnia, nos EUA. Histórias de escaladas no El Captain e em boulders – sua mais nova paixão – estão detalhadas; confira!

Depois destes dois últimos meses em Yosemite National Park, voltei com muita vontade de escrever após longos meses para o Webventure, por puro orgulho e satisfação com os brazucas que encontrei por lá.

O primeiro que encontrei foi o Nick, Nicola Martinez, piazão de 25 anos natural de Londrina, norte do Paraná, com ar de compenetrado e completamente deslumbrado e entregue para as grandes paredes, big walls, em poucos meses havia escalado difíceis rotas em estilo big wall, onde é necessária a técnica artificial extremo.

Além dele ser o primeiro brasileiro a subir em solitário o El Captain por difíceis rotas como a Mescalito(A3) 11 dias, Zeniatta Mondata (A4 ) 6 dias, subiu também em um dia (in a push), pelas vias Zodiac (17 horas) com os americanos Walt e Dave Turner e North América Wall (32 horas) nesta parede assustando a todos os locais escalando com mais 4 também norte americanos, Walt, Dave Turner, Rich, Eric Sloan, além de repetir a Sea of Dreams (A4) oito dias com seu amigo Scottie ( Yosemite Search and Rescue), solitário na Washington Column(A1+), Leaning Tower na via Wet Denin Daydream(A3) e ambas em três dias sendo seu primeiro e segundo big wall respectivamente, ou seja, de ficar pasmado.

O outro figura que me deixou de cara foi o Nando, Fernando Motta de Petrópolis, Rio de Janeiro, que simplesmente está fortíssimo fisicamente e psicologicamente, nossa…

Ele mandou o Free Rider ( variante do Salathe Wall ), a dificil via em livre (5.12d) no El Captain, mandou também esta parede em um dia pela via Nose e escala vias e boulders dificílimos…e deixa qualquer gringo de boca aberta.

Também encontrei o Duda de Brasília em Bishop, região mais alta da Califórnia, a poucas horas do parque, que está detonando sua escalada em famosos spots (pontos) de boulders nos Eua, Buttermilks e Happy Boulders, seu plano é mandar problemas de V11, V12, te digo que ele esta quase nisso, bem perto!

Tive a oportunidade de escalar com eles o que me deixo super feliz e realmente orgulhosa.

É muito bom encontrar gente tão motivada e entregue aos seus sonhos e desejos, onde a busca é real e longe de ser material, pela pura paixão de escalar e estar vivendo um pouco mais livre do tradicionalismo da sociedade.

Minha temporada foi intensa, acredito mais de momentos do que propriamente em escaladas, foi um reencontro com vários amigos e curiosas situações vivenciadas.

Tudo começou com o convite para um projeto Colombiano (Telecom) para realizar um vídeo de escalado junto a Katty Gusmann, principal escaladora e alpinista feminina de seu país. Consistia em duas partes que envolvia a importante escola de escalada em rocha de Suesca, Colombia e EUA nas grandes paredes do Yosemite National Park.

Aceitei na hora, também por conhecer de outras temporadas a Katty. Embarquei em 15 de setembro passado e estive até final do mês em Bogotá e Suesca, desfrutando da escalada tradicional da região. Por sinal bem puxada, com boas vias em esportiva e tradicional num arenito bem sólido, um pouco exposto com relação às proteções.

De comidas típicas, um vasto cardápio de sopas e as deliciosas arepas, feitas de farinha de mandioca. Os colombianos super hospitaleiros e o clima de guerrilhas quase não se sente, com exceção no aeroporto. Katty e sua família me ofereceram uma excelente estadia.

Chegamos a Yosemite, Califórnia, no começo de outubro com tempo e muchas ganas de mergulhar naquele mar de fendas e agarras de um granito esplêndido!

Na primeira semana reencontrei Cecilia Buil, minha companheira de escalada em Groênlandia, o que não demorou nada para inventarmos algo. Tentamos o bendito in a push (escalar paredes de rocha que normalmente são realizadas em 3 dias ou mais, em apenas 24 horas) no El Captain, frondosa parede que quase atinge seus mil metros…

Elegemos a Lurking Fear (A2+,VI ) por ser um pouco menor, 18 cordadas.Eu, Cecilia e Katty onde dividimos em três blocos, seis cordadas para cada, comecei as seis primeiras, seguindo por Cecilia e finalizando com Katty, como estratégia.

Estávamos indo bem, mas o vento que chegou para ficar durante a tarde segurou a velocidade, empacamos na cordada 11h às 16h30… Estávamos meio cansadas também.Mais uma vez a lição do desapego batendo e nos mandando para baixo!

Mas seguramente será minha proposta para a próxima temporada, esta história de “escalar rápido” traz uma sensação de viver muitos anos em poucas horas, a fluidez ; bem interessante. Fiquei meio empenhada uns 20 dias com a história de trabalhar no vídeo com os colombianos.

O clima não colaborou muito para completar e vários planos vieram água abaixo junto com o ressurgimento da Yosemite Falls. Demos um giro pelo deserto, Red Rocks, Las Vegas em busca do sol, mas realmente o pesto ( termo utilizado na Argentina para o mau tempo) vinha para ficar.

Oito cordadas resgatadas no El Captain, duas mortes por hipotermia e muito frio, nossa ficou um clima cinza e triste o que desmotivou grande parte de toda a família climber que se encontrava.

Porém os locais sempre diziam para não perder a esperança, pois o bom tempo estava por chegar. Aproveitamos os intervalos mais secos do clima para finalizar o vídeo. Em poucos dias os colombianos retornam para sua casa. Junto-me aos brazucas locais.

Por fim uma semaninha de bom tempo, justo quando subi o El Captain pela via Triple Direct (A2+,5.9 ) com a Juliana Melo (Brasil), Brian (EUA) e o Nick (BRA), por sinal, que via …, super bonita! Ela mescla 3 vias clássicas, começa pelo Free Blast (Salate Wall), Muir Wall e termina pela Nose.

Foram 30 cordadas onde vivenciamos intensamente cada momento, rindo, contemplando, gritando, se mordendo de medo, nossa, eu diria completo de sensações e situações, com direito a uma nevasca onda patagônica na terceira noite, o que fez sairmos rapidinho no dia seguinte depois de três noites.

Chegamos ao cume as 16h30 e sentíamos uma mescla de cansaço e alegria de estar lá e ter vivido tudo aquilo, resolvemos dormir num special spot, descansar e flutuar em nossa memória cada pedaço da via. Mais uma semana de mau tempo e ainda mais vazio o acampamento 4… Resolvo dar uma boa banda por Bishop e visitar Buttermilks e Happy Boulders acabo com meu estoque de filmes e a pele dos dedos.

Era um grupo divertido com quem aprendi muito, um outro estilo de escalada, forte, curta, livre e instantânea, a febre pelos boulders (blocos de rochas não passando dos 5 metros escalados sem corda). Bom caminho para adquirir psicológico e pressão, hein!!!!

Agora fico em casa até fim do mês, por sinal, que prazer é chegar na casinha e rever toda a cambada, mas não sei por quanto tempo vou durar, tenho muita saudades da Patagônia …!

Este texto foi escrito por: Roberta Nunes