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“Tem montanhista que odeia rapeleiro”, diz criador de site

Redação Webventure/ Montanhismo

Visual do Complexo da Pedra do Baú  onde escaladores e 'rapeleiros' disputam espaço (foto: Tomás Gridi Papp)
Visual do Complexo da Pedra do Baú onde escaladores e ‘rapeleiros’ disputam espaço (foto: Tomás Gridi Papp)

Na segunda reportagem especial da série sobre rapel, o Webventure destaca a polêmica entre escaladores e praticantes desta atividade. Entrevistamos um montanhista que criou um site especialmente para criticar, com muito humor, o mau comportamento na montanha, englobando os chamados ‘rapeleiros’. No link abaixo, Eliseu Frechou conta como está a cena no complexo do Baú, que já sofreu com a atuação indiscriminada de empresas que vivem desta atividades.

“Joguem os rapeleiros morro abaixo”. Deixando muito clara a posição contrária aos praticantes de rapel, agora chamados de ‘rapeleiros’ e facilmente encontrados nos principais locais de escalada no país, um montanhista de São Paulo criou há um mês um site especializado em criticar. “Na verdade, o nome ‘rapeleiros.hpg.com.br’ foi casual. Não falamos apenas de quem pratica rapel, mas de todos os que de alguma forma têm ações antiéticas e de impacto ambiental na montanha. Mas, para mim, que sou montanhista, o tipo ‘rapeleiro’ é o que mais incomoda, tem montanhista que tem ódio de rapeleiro”, explica Alex Hübner, de 24 anos, responsável pela iniciativa.

O jovem trabalha com internet numa ONG, afirma praticar o montanhismo há 10 anos e gosta de participar de grupos de discussão sobre a modalidade e também sobre meio ambiente. Foi o episódio da instalação de uma tirolesa no cume do Marins (Serra da Mantiqueira, em São Paulo), que levou sua revolta ao ponto da criação de uma home page.

Humor – No site, ele usa um pseudônimo e uma caixa-postal exclusiva para receber os e-mails vindos pela página, geralmente com mensagens de denúncias de mau comportamento na montanha. O tom bem-humorado, muitas vezes sarcástico, predomina. Hübner prepara uma seção chamada “Ativismo on line”, onde promete dicas para ‘infernizar’ os rapeleiros, entre elas “como jogar um rapeleiro de cima da montanha, o famoso ‘esbarrão sem querer’”. Há ainda uma lista dos Top 10, reunindo empresas de atividades em montanha consideradas de baixa qualidade e gafes da imprensa.

“O tom “combativo” do site é mais para o lado do humor do que para o lado real. Se a gente não usasse de humor, não atrairia visitantes”, destaca. “Em geral, o site foi bem recebido, principalmente pelos montanhistas mais conhecidos. Algumas empresas escreveram, preocupadas, porque vivem do rapel. Muitos não entenderam essa generalização do nome usado na página, que talvez tenha sido mesmo infeliz, mas eu quero mais é criticar”, avisa o montanhista. Segundo ele, a página já foi visitada por mais de 3.500 usuários.

Desejo de Rambo – Por que tanta ação contra quem se diz praticante de rapel? O termo rapeleiro, para Hübner, identifica aqueles que “descem a montanha numa corda, gritando, jogando pedra na cabeça dos escaladores para satisfazer o desejo de Rambo”. E acrescenta que esses ‘tipos’ invadiram locais ‘sagrados’ da escalada, como a Pedra do Baú e o Visual das Águas, ambos em São Paulo. O mau comportamento, o desconhecimento dos fundamentos da atividade e o impacto provocado pelo excesso desta prática são os aspectos mais questionados.

“Antes, o número de pessoas que freqüentava a montanha era reduzido e a boa conduta era passada de boca-a-boca. Se alguém fazia uma besteira, era capaz de retornar ao local e consertar, se fosse possível”, lembra ele. “Depois que a aventura teve o seu boom, há três, quatro anos, a situação se tornou incontrolável, uma grande bagunça.”

Para o montanhista, a solução é a regulamentação das atividades e o conhecimento dos efeitos delas sobre a natureza o que, inclusive, atuaria sobre a segurança desta prática. “A Embratur nem tem como controlar isso hoje porque não sabe os impactos que o montanhismo causa, é tudo muito novo ainda”, diz. “O problema maior não é a quantidade de pessoas, é a qualidade. Não se deve proibir ninguém de utilizar esses espaços, mas ensinar a boa conduta. Já existem algumas iniciativas isoladas, é isso que as associações estaduais estão tentando fazer e a gente vai continuar reclamando toda vez que souber de alguém que fez uma besteira.”


O Webventure adverte: rapel não é um esporte, mas técnica da escalada. A escalada é um esporte de risco. Procure clubes e/ou empresas qualificadas para iniciar a prática. Clique aqui e saiba mais sobre a segurança no esporte.

Em julho do ano passado, mais uma vez, o rapel virou vilão. Num dos locais mais freqüentados por escaladores no Brasil, o complexo do Baú, próximo a Santo Antonio do Pinhal (SP), uma empresa de turismo de aventura revoltou a comunidade dos montanhistas ao perfurar uma rocha no Bauzinho, a fim de facilitar a prática do rapel no local. Com intuito de dar mais segurança aos clientes, a empresa grampeou oito “spits” (buchas de aço para colocar grampos de extensão) ao longo da trilha que leva ao bico do Bauzinho, criando um verdadeiro corrimão de cordas para seus clientes.

Foi um festival de críticas em listas de discussões e muros de recados dos sites especializados em montanhismo (veja reportagem especial no Webventure). Os grampos e as placas foram retirados pelo montanhistas e as vias continuam no percurso original. Mas a cena no Baú continua a mesma: ‘rapeleiros’ e escaladores ainda disputam espaço.

Dinheiro – “Não melhorou nada desde aquele episódio porque não existe nenhum tipo de fiscalização nem por parte da Prefeitura, quem dirá dos proprietários de terra no local”, diz Eliseu Frechou, um dos escaladores de rocha mais respeitados do país e que atua na região. “Infelizmente a questão do rapel envolve dinheiro e atrai essas pessoas inescrupulosas, que apenas aprenderam a descer pela corda e se acham capazes de operar esta técnica da escalada num ambiente natural.”

O maior efeito da prática sem limites, segundo Frechou, é a destruição da superfície da rocha, sem falar da questão da segurança. “Essas pessoas são tão despreparadas que não sabem que, ao cobrar pela atividade, serão criminalmente responsabilizadas em casos de acidente. Entre as ‘falhas’ de segurança que ele mais se vê na intensa prática de rapel no local estão pessoas travadas pelo equipamento no meio da descida e que não sabem que fazer, cabelos compridos que acabam presos no equipamento, entre muitas outras, às vezes mais graves.

Profissionalismo perde – “O problema no Baú não são as empresas sérias que realizam o rapel, mas aqueles ‘grupelhos’ de amigos que se reúnem e começam a cobrar para descer as pessoas. E, infelizmente a proporção é de 20% de profissionais sérios contra 80% desses grupos”, alerta Frechou. “Acho que esta briga de montanhista e rapeleiro é até nociva. Não devia ser assim, todo mundo devia se dar bem para poder passar e receber os conhecimentos dos mais experientes”, finaliza.

Em São Paulo, o perigo na ponte – “Se até na ponte sobre a avenida Sumaré os rapeleiros deixam seus lixos jogados, o que dirá se forem fazer rapel em meio à natureza”, diz Sadao Futaki, de 24 anos, que escala há dois. Ele é um dos que usam uma ponte sobre uma grande avenida da cidade de São Paulo para ‘rapelar’. O hábito é intensamente condenado no meio dos escaladores e são freqüentes os casos de acidentes no local, onde se misturam, sob os olhos da polícia, assíduos freqüentadores da ponte e ‘marinheiros de primeira viagem’ a fim de experimentar a “adrenalina” de descer numa corda. Mesmo pertencendo a um grupo que pratica a atividade neste local, Sadao critica a massificação do rapel.

“O rapel está virando o submundo do montanhismo. Onde já se viu beber cerveja, vinho quente, ou qualquer bebida alcólica e depois fazer rapel?”, conta Futaki, referindo-se ao comércio de bebidas que se instalou na ponte.

Segundo ele, o que mais preocupa é a falta de segurança. “Além de ser perigoso para eles mesmos, alguns rapeleiros não capacitados viram instrutores e arriscam a vida dos iniciantes”, argumenta. “Foi o que aconteceu uma semana atrás. O primeiro erro foi que, em vez de o rapeleiro passar tranqüilamente do ponto positivo para o negativo, ele resolveu ‘pular’ do começo da ponte dando folga para a corda, que acabou enroscando no pescoço dele. O segundo erro foi em relação ao resgate. Se houvesse pessoas mais experientes no local, o rapaz seria resgatado logo e poderia sair vivo – o Corpo de Bombeiros demorou cerca de 30 minutos só para chegar ao local”, narra Sadao.

Outras reportagens – Esta série especial contou com outras duas reportagens (clique nelas para lê-las):

  • Entenda o que é e como surgiu o rapel;
  • Rapel: para Krings, consciência e preparo fazem falta


    O Webventure adverte: rapel não é um esporte, mas técnica da escalada. A escalada é um esporte de risco. Procure clubes e/ou empresas qualificadas para iniciar a prática. Clique aqui e saiba mais sobre a segurança no esporte.

    Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

    Last modified: agosto 21, 2001

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