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Torben Grael não vê vantagem em conhecer a Baía de Guanabara


Brasil 1 no estaleiro em Indaiatuba (foto: Divulgação/ZDL)

Direto do Rio de Janeiro (RJ) – Dois dias depois de chegar em casa, o comandante Torben Grael ainda não teve tempo para descansar. Ontem o Brasil 1 foi retirado da água e a tripulação aproveitou para fazer uma reunião de avaliação desta última perna da Volvo.

Depois, Grael falou com exclusividade ao Webventure sobre o conteúdo da reunião, o dia-a-dia da tripulação e o desempenho do veleiro brasileiro até aqui, praticamente a metade da prova.

Para Torben a equipe brasileira está bem. O velejador só sente de ter passado por problemas logo na chegada ao Rio de Janeiro e ter perdido a segunda e a terceira colocação na perna nas últimas cem milhas.

Para o próximo desafio, a in-port race, Grael está confiante, mas não acredita em vantagem brasileira. “Acho que todos os barcos vão contar com alguém com conhecimento local. Ningém vai de olho fechado, tem sempre gente disposta a ajudar. Não creio que vai ter uma facilidade pelo fato de conhecermos o local”, afirmou. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

Webventure – Vocês fizeram uma reunião para avaliar o desempenho da tripulação e do barco. Como você avalia a atuação da equipe nesta perna?
Torben Grael – Sobre a tripulação, é um feito inédito principalmente para os brasileiros. Fizemos uma coisa que ninguém tinha feito no país. Uma competição dessa natureza e com ótimo desempenho. Chegar em terceiro lá no Cabo Horn foi um sucesso incrível. Agora, tivemos alguns problemas na etapa, relacionados às velas que escolhemos. E aqui na chegada tivemos alguns problemas decorrentes de quebras que poderíamos ter eventualmente lidado melhor.

O ideal era que não tivesse quebra nenhuma e nós chegaríamos aqui em segundo ou terceiro, na pior das hipóteses. Mas infelizmente aconteceram. É uma etapa de 6.500 milhas, há um desgaste grande nos barcos. Mas nosso problema foi quebrar aqui, tão perto da costa, e não ter tempo para se recuperar. Na reunião foi isso que se discutiu. Acho que como um todo, o Brasil 1 foi bem na etapa, era a etapa mais difícil para nós. O ruim foi chegar aqui no Rio em quarto lugar.

Para essa etapa será possível trocar as velas?
Grael – Podemos sempre trocar as velas, mas a escolha tem que ser antes da etapa. E também temos um número máximo de velas para colocar no barco. O que aconteceu foi que sem termos muito conhecimento desses mares do sul e nem do barco, optamos por levar algumas velas e deixar outras de fora. Isso teve um custo de performance aqui no Atlântico. Nos recuperamos bem, até perder o balão aqui no final.

A vela que rasgou foi a mesma do início da perna?
Grael – Não. A vela que rasgou na Nova Zelândia foi uma genoa e a que rasgou aqui no Rio foi um balão.

Quais as expectativas para a in-port race?
Grael – São boas, temos boas performances nas regatas dentro do porto. Acho que o Brasil 1 tem boa performance em geral, em comparação com a flotilha toda. O único barco que tem um diferencial de performance é o barco um da Holanda, mas não nas in-port races, porque não é o ângulo adequado para ele ser muito forte. Então há um equilíbrio. Precisamos velejar bem. A turma está bem treinada, porque viemos de uma perna que exigiu muitas manobras e essa chegada teve manobra demais.

Vai ser diferente das outras duas regatas passadas, que tivemos tanto trabalho antes que não conseguimos velejar para treinar. O que é um problema. Um barco com uma tripulação grande e manobras complicadas precisa de muito treinamento. Fizemos as regatas da África do Sul e da Austrália praticamente sem treinar nada no barco, e aqui teremos um tempo, mesmo que pequeno, para dar um treino e melhorar a nossa performance para encarar essa regata, porque vai ser difícil.

Será uma regata apertada, porque a baía de Guanabara é pequena para esses barcos. O fato de nós conhecermos a baía é bom em alguns aspectos, mas acho que todos os barcos vão contar com alguém com conhecimento local. Que é mais ou menos o que fazemos quando a regata é em outros lugares. Procuramos uma pessoa local, que dá muitas dicas e informa o que fazer. Ninguém vai de olho fechado, tem sempre gente disposta a ajudar. Isso vai ser igual com eles aqui. Não creio teremos uma facilidade pelo fato de conhecermos o local. De modo geral, estamos bem, preparados para a regatas e torço para um bom resultado para coroar a torcida do Brasil 1 para esse projeto.

Por ser apertada, como você disse, e cercada por montanhas, a baía é o lugar ideal para in-port?
Grael – Acho que é legal fazer na Baía de Guanabara, vai dar realmente bastante emoção à regata. Vai facilitar para as pessoas assistirem, porque ficar com uma embarcação aqui dentro é mais fácil do que ficar lá fora, principalmente por causa das ondas. Acho interessante fazer dentro da baía. Vai ficar mais emocionante e mais bonito.

Para a próxima perna a previsão é ter vento contra a maior parte. Acha que a escolha das velas vai ser importante como foi na etapa dos mares do sul?
Grael
– É sempre importante. De um modo geral temos ótimas velas. O Stu [Wilson, responsável pelo desenvolvimento das velas do Brasil 1] e o pessoal que trabalha com as velas teve um ótimo trabalho. Acho compreensível a opção que fizemos para a etapa passada, porque tínhamos os mares do sul pela frente e essas velas eram direcionadas para isso. Fomos bem e com um pouquinho mais de sorte teríamos ido bem aqui na chegada. Não foi nada desastroso, mas foi uma escolha diferente do que as outras equipes fizeram. Com o que aprendemos até agora, acho que temos um conhecimento maior de como o barco funciona, como velejar o barco e que velas usar. As outras equipes também estão progredindo, e eu confio em um bom resultado.

Com a saída do Knut Frostad o Marcelo Ferreira pode voltar para a tripulação. O Horácio Carabelli vai permanecer?
Grael
– Tivemos o Horácio na primeira perna e acho que foi super importante, e a presença dele nessa perna foi importantíssima. É muito bom ter uma pessoa com uma retaguarda de engenheiro. Ele que construiu o barco, conhece tudo dele, sabe como funcionam todos os sistemas. O Knut já tínhamos programado desde o início que só faria a perna dos mares do sul. Tínhamos um contingente grande de brasileiros na tripulação, com o Horacio são seis, e ninguém com experiências de mares do sul. Como ninguém sabia nem como seria o comportamento das pessoas nem na primeira etapa quem iria responder ben e quem não iria foi feito esse planejamento. Foi importante tê-lo a bordo. Por sorte todos corresponderam muito bem, o grupo brasileiro da tripulação e de agora em diante vamos nós juntos.

O que muda com essa substituição?
Grael
– Teremos uma formação parecida com a da primeira perna. Com um novo capitão de turno.

E na cozinha?
Grael
– O Marcelo deixou tudo bem mastigado para o Kiko [Pelicano], que foi quem assumiu a cozinha na ausência dele. Falou-se bastante sobre comida, mas não chegamos a fazer racionamento. Tivemos exatamente a quantidade de comida que precisou. Chegamos aqui com nada sobrando, mas também não faltou. Ninguém deixou de fazer nenhuma refeição por falta de comida a bordo. Alguns dias antes acabou o que é mais supérfluo, tipo café, bolinho. Não é relevante. Isso porque a perna durou mais do que o previsto porque subimos a costa inteira com vento fraco.

Você tem algum prato predileto?
Grael
– As melhores refeições são quando cozinhamos pasta do modo tradicional. Da comida desidratada eu gosto do franco ao curry, na moda tailandesa. Cada um tem sua preferência, mas só tem uma que todo mundo não gosta, que não vai voltar nessa perna. Não sei o nome, mas já recebeu o apelido de “vomitão”.

O que mudaria se fosse começar o projeto hoje?
Grael
– Se fossemos fazer esse projeto novamente tomaríamos uma série de outras decisões. Desde o projeto até layout do barco, pessoas e outras escolhas que a gente faz. Se fosse com a experiência que temos agora, seria uma coisa completamente diferente. Acho que foi super enriquecedor para todos nós. Completamos a volta ao mundo agora, no Rio, mesmo sem a regata chegar na metade no número de pontos. Foi uma experiência inesquecível para todos nós que contornamos o Cabo Horn, um dos lugares mais difíceis de velejar no mundo, nos mares do sul. Esse trajeto da Nova Zelândia para o Horn é o mais perigoso, porque não é uma rota comum de navegação, em que você manda um pedido de socorro e aparece alguém pra ajudar. Não tem terra perto, para ter um auxílio de um helicóptero. Você está sozinho e com poucos barcos por perto.

Recebemos o pedido de alerta do Movistar e estávamos prontos para ajudá-los. Felizmente eles conseguiram se virar sozinhos. O Ericsson deu um jibe chinês [perda do controle do veleiro, em que o barco quase capota] quando estava em último, que é mais difícil ainda. Quando se está na frente fica mais fácil para ser socorrido. Se está em último os outros barcos têm que vir contra as ondas e o vento para te socorrer. É uma situação muito no limite. Esses barcos são rápidos demais para o padrão normal da vela e são todos puro-sangue de competição, não tem margem para erro.

Acredita que os VO70 ainda estão em desenvolvimento?
Grael
– Com certeza. Se for ver o primeiro barco holandês, ele anda praticamente igual aos outros. É um barco de primeira geração. Eles tiveram muitos problemas com esse barco. Tiveram que refazer um monte de cosas que quebrou. Lógico que eles tiveram mais tempo para desenvolver esse barco antes de começar a regata. Nós estamos aprendendo durante a regata. É uma situação de desvantagem. Obviamente quando eles fizeram o segundo barco, depois que tudo que tinham aprendido com o primeiro, foi uma evolução considerável. Da mesma maneira que se nós fizéssemos agora um segundo barco para velejar contra ele ia andar de igual para igual, ou até melhor.

Eles fizeram o dever de casa deles, com os meios que eles tinham, com uma equipe bem montada, com antecedência e bons patrocinadores e nós fizemos o melhor que pudemos dentro dos nossos meios. São projetos que partiram de um tempo diferente e com recursos diferentes.

Pensando dessa maneira, pode-se dizer que o dinheiro pode ganhar essa Volvo Ocean Race?
Grael
– Acho que em competição tudo tem um limite. Obviamente é preciso saber empregar bem os recursos. Como disse, eles fizeram bem a lição de casa deles. Puderam utilizar bem os recursos e o tempo disponível. Mas simplesmente ter dinheiro não quer dizer que terá sucesso. Se pegar uma equipe de Formula 1 com dinheiro, pode ser que não tenha sucesso. Pode-se ver quantos anos a Ferrari ficou sem ganhar um título. Não era problema de dinheiro. Ao mesmo tempo se vê equipes que são boas, mas que não têm dinheiro.

Aqui não é diferente. Precisa de um mínimo de recursos e se não tiver é um problema; quem tiver mais ajuda bastante e se tiver três vezes mais já não faz diferença. O equilíbrio é sempre importante, assim como saber usar os recursos que tem. Acho que o Brasil 1 tem feito uma boa campanha. Tivemos o problema das duas quebras na primeira etapa, que reflete no resultado geral de agora. Mas fora isso, acho que estamos fazendo uma boa campanha.

Este texto foi escrito por: Daniel Costa