Em caso de dia feliz aproveite para tentar vias difíceis e render no treino disse Janine (foto: Ale Cardoso)
Janine Cardoso é um dos grandes nomes do montanhismo no Brasil. A atleta acumula títulos estaduais e nacionais de escalada indoor e, em 2006, foi a única brasileira a participar do Mundial de Escalada, na Itália, chegando às semi-finais. Abaixo, a atleta dá dicas para iniciantes e iniciados na escalada desde o primeiro treinamento até a busca pela performance. Confira!
Todo indivíduo que busca uma atividade diferente sente necessidade de um empurrãozinho para começar a praticá-la, seja através do incentivo de amigos ou obtendo informações que desmistifiquem e esclareçam a realidade da modalidade. Por isso relacionei a seguir alguns tópicos importantes para incentivar iniciantes a se aventurarem na escalada esportiva, com dicas para otimizar o processo de evolução nesta modalidade. Confira:
Desde o início é importante que o praticante se alongue bem para minimizar prováveis dores musculares e chances de lesões. Dez a quinze minutos são suficientes, com ênfase nos antebraços e dedos das mãos. A escalada deve ser iniciada de forma gradativa, tentando movimentos bem fáceis no início para ir preparando as fibras musculares para movimentos mais intensos, seja qual for o seu nível.
Assim que o praticante se familiarizar com todo o universo da escalada, desde equipamento de segurança até a movimentação básica, estará pronto para se focar na evolução. Este processo de familiarização é bem rápido e normalmente na primeira vez a pessoa assimila o sistema de corda e trava ligado à cadeirinha de segurança, realizando a escalada com confiança.
Todo esporte novo exige que o praticante utilize músculos que não está acostumado no dia-a dia. A escalada requer o trabalho de diversas partes do corpo em conjunto e ao mesmo tempo desenvolve consciência corporal, alongamento e poder de concentração. Por tudo isso, a fadiga acontece rapidamente no iniciante após poucas subidas. Deve-se compreender que o processo de evolução é gradativo e individual. Muitos podem evoluir rapidamente, conforme dedicação e perseverança. Porém, quanto mais alto o grau de escalada, mais difícil será a evolução.
A princípio não aconselho um treino específico para iniciantes. A evolução nesta fase é muito natural e acho importante que o escalador tente se encaixar para ultrapassar cada movimento, sem depender sempre de dicas. A interação com o parceiro de escalada já é uma troca benéfica, mesmo ambos sendo iniciantes.
Se o praticante tiver condições de escalar duas a três vezes por semana, pode ir aos poucos aumentando seu volume de treino para quatro vezes e, em caso de performance, para cinco vezes por semana. O escalador deve obedecer uma evolução gradativa, sem querer logo de cara puxar várias barras em micro regletes (agarras pequenas), pois a lesão, com toda certeza, aparecerá rapidamente. No meu caso, senti a primeira dor articular de dedos após 10 anos de escalada, por ter escalado até o último dia de gravidez, com nove quilos a mais e com as articulações mais frágeis por causa da gestação.
Após um certo grau (normalmente vias de 7º grau para cima), o praticante sente que a evolução natural torna-se mais lenta. Neste caso, a escalada ou convivência com escaladores mais experientes pode ajudar a elevar seu nível, afinal, parâmetro alto é sempre um bom empurrão!
Para muitos praticantes a instrução na escalada tem ajudado muito nesta fase de evolução, onde o instrutor avalia individualmente o aluno para melhorar os pontos fracos e montar planilhas personalizadas. Nesta fase, o instrutor poderá acrescentar de forma consciente treinos específicos como system wall, campus board e dias de simulação para vias à vista (que nunca tenha tentado), caso tenha interesse em competições. Deve-se avaliar apropriadamente a hora em que seu corpo acomoda-se a um determinado treino e, desta forma, aumentar ou modificar o treinamento para gerar mais performance.
O descanso é fundamental, principalmente para um iniciante, para que toda musculatura trabalhada possa se recuperar e render na próxima escalada. A pele das mãos também precisa desse tempo, pois no início fica bem sensibilizada. Por isso, o cuidado com hidratação é sempre aconselhável. Existem produtos indicados no tratamento de rachaduras na pele como própolis e cremes, como Nebacetin, para cicatrização, mas o simples uso de cremes hidratantes após a escalada já ajuda bastante. Em caso de calos muito salientes é aconselhável lixá-los de vez em quando, de forma superficial, para evitar que sejam arrancados durante os treinos.
Assim que o escalador sentir que chegou ao seu limite de evolução natural, onde apenas dicas não ajudam tanto, pode pedir que um profissional monte um treino individual e específico, priorizando a melhora de seus pontos fracos e mantendo seus pontos fortes. O ideal é a variação dos treinos para não forçar seguidamente os mesmos músculos e articulações. Força, resistência, explosão, técnica, alongamento, concentração, tática e repertório de movimentos são alguns dos pontos básicos para otimizar sua escalada, presentes de maneira diferente em cada escalador.
Aconselho que o praticante, desde o começo, complemente o treino de escalada com alguma atividade aeróbia nos dias em que não escale, o que para mim ajuda muito na recuperação. Indico 30/ 40 minutos, duas vezes por semana, numa intensidade moderada. (Um teste de Vo2 pode indicar a intensidade ideal para cada um).
Além disso, treinos compensatórios de musculação, exercícios com elásticos e Biomecânica Funcional colaboram muito para prevenir lesões, equilibrar toda musculatura e mantê-lo longe da parede nos dias de descanso, evitando o over training.
A escalada lida o tempo todo com a superação de limites, por isso, o medo e a insegurança de não conseguir realizar um desafio é comum. Nesse momento o praticante deve conhecer e respeitar seus limites, mas não deixar que o medo freie a evolução em casos onde não há risco de se machucar (muito comum em mulheres). O praticante deve sempre buscar uma escalada solta, com leveza, errando menos para poupar energia para passos mais acima.
Um treinamento, antes de tudo, deve ter um objetivo específico que não esteja muito além das possibilidades do praticante, para que ele se mantenha motivado. Tal objetivo deve ser traçado conforme a disponibilidade de cada um.
Não adianta um escalador querer mandar vias difíceis em rocha se não tiver condições de viajar, escalar em rocha constantemente e ficar dias trabalhando a mesma via, seja por causa de trabalho ou por motivos pessoais. Da mesma forma que não adianta um escalador buscar resultados em campeonatos esportivos se não tiver preparo para mandar vias de estilos variados à vista, ou seja, na primeira tentativa. Neste caso, a motivação e o treino psicológico devem ser bem trabalhados, pois todo treino pode ir por água a baixo por causa da falta de confiança.
A escalada lida por diversas vezes com a derrota e esse sentimento pode ser ainda mais cruel em competições. Numa via de campeonato o escalador muitas vezes sabe que tem potencial físico para ir mais além, porém a pontuação no campeonato não julga se ele estava nervoso, se escorregou o pé ou se errou na leitura. Tal colocação é totalmente calculista e como em todo jogo, possui regras.
O resultado em competições nem sempre reflete fielmente o desempenho obtido nos treinos, mas sim uma determinada via, um determinado momento no qual o escalador talvez não estivesse tão sereno como nos treinos. Por isso o praticante que gosta de competir deve buscar a superação, acreditar no seu potencial, usando a competição como motivação, interação e oportunidade de tentar novas vias com pressão psicológica, excluindo todo resto.
Aconselho a quem se interessar por competições, que simplesmente participe muito delas para se acostumar com todo stress envolvido, e que se prepare para as particularidades da escalada competitiva, especialmente tentando elevar o grau de vias à vista.
A verdade é que competir é como um vício algumas vezes dá dor de barriga e gera decepções momentâneas, outras vezes proporciona momentos de satisfação intensa por ter conseguido superar o desafio em meio à tensão e à autocobrança. E é justamente por este misto de sensações que o competidor se sente atraído, querendo sempre mais e mais.
Basicamente, para que um escalador se mantenha competindo, deve possuir muita determinação, perseverança, confiança e auto-estima elevada para lidar com derrotas e inevitáveis comparações. E é claro, gostar de tudo que envolve competições. Sem dúvida na escalada o aspecto psicológico tem enorme influência no aspecto físico e na performance geral.
É fato que todos temos dias bons e dias ruins, dias em que acordamos cheios de energia para conquistar o mundo e dias em que as coisas não acontecem da forma que gostaríamos. Neste caso, acho que, na medida do possível, devemos escalar sempre, independente do humor. Em caso de dia feliz, aproveite para tentar vias difíceis e render no treino. Em caso de dias ruins, se for possível, não deixe de ir dar uma escalada sem se cobrar, nem que seja por meia hora para dar uma desestressada.
Além da interação social e dos hormônios que o organismo libera com a atividade física, a escalada faz com que nos concentremos apenas no movimento e esqueçamos um pouco dos problemas. Travessias e vias em top-rope podem ser boas opções neste caso.
Todo escalador deve sempre buscar manter acesa a paixão pela escalada, sem se sentir obrigado a treinar. Descansos anuais de 20 a 30 dias sem obrigações de performance podem otimizar todo ciclo de escalada e renovar sua energia. Por isso, viagens para escalar em rocha sem cobranças e interação social é fundamental.
Procure se manter sempre saudável, tentado se alimentar, dormir e relaxar adequadamente, afinal mente e corpo estão sempre sintonizados na escalada. Seu pleno bem-estar físico e mental refletirá não só na sua escalada, como na sua vida em geral.
A atleta Janine Cardoso conta com o apoio do Ginásio Casa de Pedra (www.casadepedra.com.br), Belê (www.bele.com.br), Biomecânica Funcional (www.biomecanicafuncional.com.br), Fórmula Academia(www.formulaacademia.com.br), Andréa Boldrini (www.andrea-boldrini.com), Universidade Ibirapuera (www.unib.com.br).
Este texto foi escrito por: Janine Cardoso, especial para o Webventure
Last modified: março 22, 2007