O brasileiro Manoel Morgado conta aqui na Webventure como o primeiro trekking que fez rumo ao acampamento base do Everest mudou a sua vida e dá dicas para quem quiser se aventurar como ele.
O Nepal é o destino de muitos aventureiros do mundo inteiro. A grande maioria é atraída pelo desafio que é o Everest , a maior montanha do mundo com 8850 metros. Porém, há outras atrações, num universo cheio de belezas, mistérios e desafios.
Disposto a desvendar o Nepal que há além do Everest, o brasileiro Manoel Morgado começou a fazer trekking no país, em 1989. As belezas e dificuldades deste desafio passaram a fazer parte de sua vida a partir de então.
“Apesar de tantas vezes ter voltado, a cada vez que aterrizo em Lukla, o ínicio do trekking, me emociono. Após alguns dias na mágica porém poluída e caótica Katmandu a chegada em Lukla é como mudar de planeta” explica Morgado.
Ao redor, as sonhadas montanhas do Himalaia e o sorriso cativante dos habitantes do Khumbu, os legendários Sherpas. “O que mais chama a atenção inicialmente é o silêncio e a paz. Os únicos ruídos são os sinos pendurados nos pescoços dos yaks e o vento agitando as bandeirolas com inscrições religiosas, marca registrada do budismo tibetano.”
Aceitando o desafio De Khumbu leva-se aproximadamente 10 dias caminhando para chegar até Kala Patar (pedra negra), colina a 5.600 metros em frente do ponto culminante da Terra, o Monte Everest, 3248 metros acima e a apenas 8 quilômetros de distância .
“Nessa primavera de 1989 eu tinha acabado de deixar o Brasil e a minha profissão, médico, rumo a descoberta do novo caminho que seguiria a minha vida. A primeira parada foi justamente o Nepal e o trekking ao Everest. De caminhadas anteriores eu sabia como era forte a experiência de ficar algumas semanas isolado nas montanhas com a vida se resumindo a dormir, comer e caminhar. Isso tinha me dado a correta perspectiva de reavaliar a minha vida e o caminho que queria seguir”, explica o brasileiro.
O médico-aventueriro guarda lembranças muito intensas desses dias. “Bem vívida na minha memória foi uma manhã em Temboche, o maior monastério da região. Tinha chegado no final da tarde depois de uma caminhada um pouco puxada e ao final da tarde toda a região tinha sido coberta por uma espessa neblina de modo que ao chegar no topo da subida, onde o monastério está situado, não tinha nenhuma visibilidade das montanhas ao meu redor. Na manhã seguinte bem cedo fui acordado por um amigo que insistia que eu saísse do meu aconchegante sleeping bag para ver a paisagem. Um pouco relutante sai na fria manhã com os sol recém despontando. Ao meu redor, uma das mais lindas paisagens que jamais tinha visto, o Ama Dablan ainda no escuro, considerada por muitas a mais linda montanha da Terra, estava ao meu lado direito e ao fundo, com apenas seu cume iluminado pelos primeiros raios de sol, o Everest.”
Mantras e amizades A experiência de estar num lugar tão inóspito fez com que Morgado percebesse a própria capacidade de adaptação. Além disso, o brasileiro viveu momentos que afirma terem sido mágicos “Estava novamente assistindo a um show da natureza, o pôr do sol visto do Kala Patar. A emoção de após 10 dias de caminhada em grande altitude, não sabendo se conseguiria completá-la, estar frente ao meu objetivo era enorme. Os olhos se encheram de lágrimas enquanto eu amarrava as bandeirolas com mantras que tinha trazido de Katmandu para agradecer aos deuses.”
Dividir este momento com amigos que fez durante a trilha ajudou na composição da “mágica”, solidificando amizades que são mantidas até hoje.
No caminho da montanha – A experiência mais marcante para o brasileiro foi o trekking até o Campo Base da montanha.
“A combinação de uma das mais espetaculares paisagens deste planeta, o isolamento ( a estrada mais próxima fica a pelo menos 7 dias de caminhada), uma boa estrutura de pousadas e um dos povos mais receptivos que você possa imaginar fazem parte desta a caminhada ideal para uma primeira visita ao Nepal”
A região oferece combinações de trilhas com duração de 12 a 40 dias de caminhada. Para quem dispuser de mais tempo, é possível tomar um ônibus até o pequeno vilarejo de Jiri, a 6 dias de caminhada do ponto normal da trilha, o campo de pouse de Lukla.
Começando-se em Jiri a trilha segue em direção leste, paralela a cordilheria. Como os rios correm de norte a sul esse trecho Jiri – Lukla é extremamente puxado pois a cada dia se sobe ao topo das montanhas para, em seguida, descer ao fundo dos vales com desníveis de até 1.500 metros.
Ao final de seis dias praticamente não há ganho de altitude. A partir de Lukla a trilha segue em direção norte e com isso transforma-se praticamente numa subida.
Segundo Morgado, para quem começa em Lukla (2800 metros) é extremamente importante tomar cuidado com o ganho de altitude para evitar o AMS (altitude Mountain sickness), o mal das montanhas como é chamado em inglês.
“Para evitar, o melhor é subir lentamente, tomar muitos líquidos e parar se começar a apresentar sintomas como dor de cabeça, enjôo e inapetência. Como regra geral acima de 3.000 metros nunca devemos subir mais do que 400 metros por dia e a cada 1.000 metros devemos dormir duas noites na mesma altitude.”
Ainda segundo Morgado, também ajuda bastante chegar durante o dia e permanecer por algum tempo num ponto mais alto do que aquele em que se vai dormir. “É preferível gastar um ou dois dias a mais se aclimatando do que se arriscar às sérias conseqüências do Mal de Altitude.”
A partir de Lukla, no segundo dia se chega a Namche Bazaar, a capital do Khumbu. Esta vila é sede de um colorido mercado aos sábados onde a população da região se abastece de produtos vindos de Katmandu. Carregados em cestas apoiadas nas testas, os carregadores levam até 60 kg, mais do que o seu peso.
Monastérios Continuando sua primeira aventura no Nepal, Morgado passou por uma região cheia de monastérios . ” Em Temboche (3800 metros), fica o maior monastério da região. Seguindo o vale e passando por Panboche, encontramos outro grande monastério até chegarmos a Dimboche (4200 metros).”
Aqui novamente é recomendado um dia de aclimatação, que pode ser usado para visitar o vale do Chokung, de onde se tem lindas vistas da face norte do Ama Dablan, da imponente Cara sul do Lhotse e ao fundo a pirâmide negra do Makalu, a quinta mais alta montanha da Terra.
A partir deste local, a paisagem se modifica drasticamente, as florestas de rododendros dão lugar a aridez de altitude e a redor as maiores montanhas do planeta quase tocam o céu azul escuro.
A penúltima parada desta aventura é Lobuche, um conjunto de 4 pequenas pousadas, antigamente abrigo para os pastores que traziam seus rebanhos de yaks no verão para pastar. De Lobuche a Gorak Shep a trilha é bastante acidentada atravessando partes dos glaciares que descem das montanhas vizinhas.
Gorak Shep consiste em apenas 2 pequenas casas que fazem a função de abrigos básicos, na base de uma colina de 5.600 metros, o Kala Patar, na realidade uma crista do Pumori, uma pirâmide perfeita de gelo em frente ao Everest. “O nascer ou por do sol do Kala Patar são espetáculos inesquecíveis”, explica Morgado.
Cuidados Segundo o Manoel Morgado, que hoje organiza trekkings na região, como a temperatura encontrada nesta trilha durante os meses mais apropriados para a caminhada, outubro, novembro, março e abril pode chegar, durante a noite a -12 graus é importante estar bem equipado.
Durante o dia normalmente a temperatura é bastante agradável para caminhar, de 10 a 15 graus mas as mudanças de temperatura podem ser bastante bruscas e o clima nas montanhas pode ser imprevisível.
Durante os meses de inverno é possível fazer trekking no Nepal, mas é melhor escolher alguma trilha com altitudes mais baixas. O verão é a época menos recomendada, já que é a época de chuvas e a visibilidade das montanhas fica bastante prejudicada.
Equipamentos – O item mais importante, segundo Morgado, é uma bota de caminhada com proteção de tornozelos para dar estabilidade nas trilhas acidentadas. Esta bota pode ser de Gore Tex mas isso não é fundamental já que nas épocas de trekking não costuma chover e a linha de neve no Nepal é acima de 5.500 metros de modo que normalmente não se caminha na neve.
Meias próprias para caminhada também são recomendáveis para melhor aquecimento e maciez. Roupas de baixo térmicas (polipropileno ou capilene) são dificeis de ser encontradas no Brasil mas podem ser compradas na Europa durante o vôo de ida. Por causa do vento é bastante importante levar um anorak, cassaco fino de material impermeavel, de nylon ou Gore Tex.
Gorros, luvas, óculos escuros, filtro solar, filtro labial com proteção uv, pílulas de purificação de água a base de iodo, são outros itens importantes. Sleeping bags podem ser comprados no Brasil (o ideal são os de pena de ganso com proteção até -12 graus) ou alugados em Katmandu por ao redor de US 1/dia.
Manoel Morgado, a partir desta aventura, passou a se dedicar a este tipo de trekking. Desenvolveu, inclusive, um projeto de trekking no Nepal para deficientes físicos. O e-mail de Morgado é manoelm@hotmail.com.
Este texto foi escrito por: Webventure