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Tripulação do ABN Amro 2 conta sua versão sobre o acidente


Tripulação do Movistar é transferida (foto: Divulgação/ VOR)

23 de maio de 2006

A chegada do ABN Amro 2 ontem à noite em Portsmouth foi emotiva. Havia familiares, amigos, colegas do Team e de outras equipes esperando pelos jovens tripulantes com um caloroso aplauso de ‘bem vindos’ e parabéns pela coragem e pelas habilidades náuticas em momentos tão difíceis.

Depois de um merecido descanso, na manhã de hoje toda a tripulação se reuniu para esclarecer o trágico evento ocorrido na quinta-feira, 18 de maio, quando o trimmer de velas holandês Hans Horrevoets foi varrido pela água e arrastado para o mar, vindo a falecer. Eles também contaram sobre o resgate dos tripulantes do barco espanhol Movistar.

A coletiva de imprensa foi aberta pelo Diretor Técnico do Team Roy Heiner, que agradeceu o ABN AAmro por estar fazendo o máximo para dar assistência à família de Hans. Roy Heiner também mostrou seu reconhecimento aos jovens, mas agora muito experientes membros do ABN Amro 2. “Esperamos que esta coletiva dê a todos a oportunidade de promover as habilidades e a segurança no mar. Este time aqui presente tem sido incrivelmente corajoso. Tenho profundo respeito por cada um dos membros desta tripulação. Como Team ABN Amro, estamos extremamente orgulhosos deles”.

Em seguida a tripulação descreveu com detalhes o que aconteceu na madrugada de quinta-feira, 18 de maio.

Os fatos – Logo depois das 02:00 GMT (22:00 BR), com a brisa aumentando, a tripulação tinha acabado de fazer uma mudança de vela; do Spinnaker de tope para o fracionado, melhor indicada para as condições piores que estavam previstas. Durante a mudança da vela o vento subiu de 12-14 para 25 nós.

Como os tripulantes estavam guardando a vela usada e arrumando o barco, estavam descendo um por um à cabine para vestir o colete salva-vidas e os cabos de segurança. Naquele momento o comandante Sebastien Josse estava no leme e Hans Horrevoets estava regulando o Spinnaker, com a escota na mão.

Infelizmente, como de praxe, o responsável por trimmar a vela mais importante, Hans seria o último a vestir o colete salva-vidas e os cabos de segurança. Antes que ele tivesse esta oportunidade, o ABN Amro 2 afundou sua proa dentro de uma onda gigante.

Luke Molloy contou sua versão sobre o evento “Eu estava na cabine vestindo meu colete e meu cabo de segurança. Enquanto me vestia junto com o George Peet, o barco mergulhou a proa e o inclinou um pouco para barlavento. Dava para sentir lá dentro… O barco então parou e era possível ouvir a água varrendo o convés. Quando ele se estabilizou o Spinnaker estava solto, batendo. Dava para ouví-la e balançanva toda a mastreçaõ do barco. Daí o Seb gritou ‘homem no mar (MOB) todos no convés’. Eu larguei tudo e corri para cima.”

Não se sabe precisamente como Hans foi varrido para fora do barco. No momento eram quase duas da manhã e estava uma escuridão total, ventos fortes e uma imensa quantidade de água no convés. Simeon Tienpont, que estava no cockpit operando os grinders explica como ficou desorientado com toda a situação “A água estava varrendo o convés e só percebemos que o Hans tinha sumido porque o Spinnaker estava se batendo. Estávamos girando o grinder e nada acontecia”.

Imediatamente ao ouvir o alarme, na cabine, Simon Fisher acionou botão ‘homem ao mar’, registrando assim no GPS a posição exata em que encontravam no momento do acidente. Enquanto isso no convés os outros tripulantes correram para popa para acionar a ‘bóia Jon’, uma marca especial para ‘homem ao mar’, a qual contém uma bóia salva vidas e uma lâmpada que exibe luminosidade de até 2 milhas. Com esta bóia Hans poderia então nadar e manter-se na superfície da água.

Todos os sindicatos participantes da Volvo Ocean Race recebem extenso treinamento para o procedimento de emergência em situações de salvamento de ‘homem ao mar’. E a bordo do ABN Amro 2, a cada tripulante foi designada uma função específica. A primeira tarefa, entretanto, foi parar o barco.

Distância – “Estes barcos são muito, muito rápidos e depois do acidente já tínhamos nos distanciado do local”, explicou Simon Fisher, adicionando que já naquele instante o vento tinha de novo subido para 37 nós. “Estávamos a 1,6 milhas (quase 3 km) longe do Hans quando o balão e as bolinas tinham sido baixadas e o Stay sail enrolado, daí pudemos velejar contra o vento, viramos o barco e começamos a voltar. Foi impressionante o que fizemos. Toda a tripulação manteve a cabeça no lugar e fizemos a parada de emergência em tempo recorde”.

Devidos aos fortes ventos foram forçados a baixar a vela grande e seguir com o motor ligado “a todo vapor”, pois não era possível seguir um curso direto velejando. Com a ajuda do GPS puderam voltar ao local exato onde Hans tinha caído.

Simon Fisher resume: “No momento seguinte os rapazes no convés estavam com as lanternas prontas e o Simeon já tinha vestido o traje impermeável e poderia entrar na água se fosse necessário. Quando estávamos a quase meia milha (900 metros) da posição ‘homem ao mar’ (MOB), vimos uma bóia salva vidas que tínhamos jogado na água. A meio milha do local encontramos outra bóia circular a uns 300 metros, encontramos a bóia luminosa. Logo em seguida encontramos Hans.

Na segunda tentativa, com a ajuda de Simeon Tienpont, eles conseguiram trazer Hans a bordo. Enquanto alguns dos membros tentavam manter o barco o mais estável possível se posicionando no contravento, George Peet liderava o grupo que tentava ressuscitar Hans usando CPR (ressuscitação cardio-pulmonar), todos tentando aquecê-lo simultaneamente. Ao mesmo tempo eles também estavam em linha direta recebendo instruções de médicos do Hospital Darrisford, na Inglaterra. Infelizmente, apesar de todos os esforços, eles não conseguiram ressuscitar Hans.

A causa da morte até o momento ainda não foi apontada, mas será revelada depois da autópsia que está sendo feita na Holanda.

Lucas Brun sumarizou os sentimentos de todos os tripulantes “É muito difícil lidar com esta situação. Você via a pessoa brincando e conversando com você e logo em seguida está o tirando do mar. Não há nada que possa te preparar para isso. Depois você senta lá no convés durante o seu turno, o que normalmente fazemos com quatro pessoas, mas lá só tem três. É difícil imaginar uma coisa assim.”

Movistar – Para completar o dramático incidente, no sábado o ABN Amro 2 recebeu um pedido de assistência do Movistar. A quilha do barco espanhol mostrava sinais de que iria se desprender e o ABN 2 era o barco que velejava mais próximo e que poderia os resgatar. Apesar de toda a situação, a tripulação do barco branco não pensou duas vezes em dar assistência aos companheiros de prova.

“Obviamente que estávamos passando por uma situação difícil, mas logo que ouvimos o pedido de assistência, eu só queria ter certeza de que eles também estariam seguros”, contou o capitão de turno Nick Bice. “Ter vários amigos a bordo é algo que faz o coração amolecer. Na minha cabeça não passava mais nada além de tirá-los do barco.”

No domingo de manhã, com previsão de ventos de até 50 nós, a tripulação do Movistar foi transferida para o ABN Amro 2, com a ajuda de um bote salva-vidas. Mais tarde eles foram retirados do veleiro por um bote nas proximidades de Falmouth, sul da Inglaterra. Ao mesmo tempo, o corpo de Hans foi transferido para uma fragata da Marinha Holandês visando acelerar o processo de repatriação na Holanda e entrega do corpo à família.

Futuro – Nos próximos dias os tripulantes do ABN Amro 2 vão decidir se ainda querem continuar na Volvo Ocean Race depois do lamentável incidente. Entretanto, há condições para que continuem, esclareceu o diretor técnico Roy Heiner. “Os velejadores vão decidir se vão competir na próxima perna da Volvo Ocean Race. Decidimos que seria escolha deles, mas eles têm que continuar como time, não pode haver separações e nem vai haver novos membros.”

Este texto foi escrito por: James Boyd, do Daily Sail, traduzido pelo Team ABN Amro