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Turismo de aventura e acidentes: até onde vão as normas?

O montanhista e espeleólogo Roney Perez dos Santos opina sobre os acidentes ocasionados pela má capacitação de algumas empresas de turismo de aventura e explica a necessidade de se estabelecer leis e normas para as atividades. Fala também sobre a diferença da prática esportiva e da exploração comercial. Acompanhe e opine no Muro de Recados..

Temos que adotar uma visão mais cuidadosa sobre tudo que envolve a ampla gama de atividades praticadas em ambientes naturais e a recente demanda por leis e normas fomentadas pelos infelizes acidentes em operações comerciais.

Rotuladas de ecoturismo, turismo de aventura, esportes radicais, esportes de aventura, entre tantos outros nomes, confundem caminhadas no terreno dos fundos de uma pousada com escalada em alta montanha, ou um pacote turístico com o simples direito de fazer uma caminhada na mata.

A sanha de legisladores oportunistas e a necessidade de normalização das atividades comerciais pode ser pouco efetiva para um aumento real na segurança destas atividades, podendo sim cair na velha prática de criar dificuldades para vender facilidades e legitimar empresas pouco preparadas em detrimento das atividades de pesquisa, esportivas, competitivas ou simplesmente lúdicas, praticadas espontaneamente.

O último acidente ocorrido no PETAR é um ótimo exemplo – O parque Petar conta com um instrumento legal que disciplina a visitação de diversas áreas, principalmente cavernas, até que o plano de manejo esteja concluído. É a Portaria IF -1 de 19 de maio de 1992, que classifica as cavernas e outros atrativos em três categorias de restrição conforme a fragilidade do ambiente e risco ao visitante.

O abismo Divida Externa é classificado como área de visitação restrita cuja a definição é: “…Parágrafo 3 – São áreas de visitação restrita as que constituem ambientes extremamente frágeis ecologicamente ou oferecem significativo risco de segurança física ao visitante.

Por estas características exigirem um maior nível de especialização do público, sendo acessíveis para a realização de pesquisas e atividades de levantamento, treinamento e visitas sempre realizadas por especialistas previamente autorizados, ficam excluídas as áreas de visitação intensiva e extensiva todas as demais serão consideradas de visitação restrita…

“Este documento é de conhecimento de todos os monitores que trabalham lá e das empresas. Conhecimento evidente no site da No Limits, empresa responsável pela atividade.

A empresa adaptou seus produtos a linguagem da Portaria IF-1 e no lugar de vender rapel na caverna, vende um programa de treinamento. Então uma condição de treinamento que exigia experiência dos participantes é comercializada para leigos. O parque agiu conforme as diretrizes e aceitou um pedido de treinamento em um local permitido para isto.

Segurança – A segurança pela força das leis e pela certificação se mostra um mito se as informações que chegaram até o momento forem analisadas.

1. Havia dois monitores da região e dois instrutores da empresa para seis clientes. Um mito freqüente é a obrigatoriedade de monitores, guias e similares, este acidente provou que não.

2. Colocaram dois clientes nas duas cordas descendo simultaneamente um desnível maior que 90 metros.

3. Havia somente uma pessoa dando segurança na ponta das cordas. Erros de organização e coordenação que normas e leis dificilmente coibirão.

4. A corda usada era de 9mm (informação contestada pelo guia da empresa) e um “8” como freio. Equipamentos totalmente inadequados para estas condições, em especial para operação com pessoas não preparadas.

5. Não havia sistema redundante de segurança como aparelhos blocantes ou corda de segurança.

6. A cliente que sofreu a queda não tinha experiência suficiente em rapel e foi posta em uma condição que exigia conhecimento e treinamento.

6. Não havia comunicação adequada entre o topo e o fundo do abismo.

O resultado deste episódio foi a proibição de rapel, prejudicando inclusive as atividades legitimas de treinamento e exploração e das atividades das outras empresas. A legislação existente já permite apurar as responsabilidades e punir quem a justiça considerar culpado.

Há o código penal e a Lei do Consumidor, para citar as duas mais imediatamente aplicáveis. Devido aos recentes acidentes, inclusive gravados em vídeo, fez que muitos legisladores apresentassem projetos de leis absurdas, fruto do desconhecimento e do oportunismo, com pretensões de proibir ou restringir todas as atividades que envolvem riscos. Nesta linha deveriam proibir o futebol, pois é um grande causador de lesões e até mortes de atletas amadores e profissionais.

Para alguns críticos, o Estado, através da administração dos parques, deveria regrar, acompanhar e garantir a segurança de todos em todas as atividades. Isto é simplesmente ridículo, são ambientes naturais com suas belezas e riscos inerentes, justamente o que atrai os freqüentadores destes parques.

Atitudes assim balizadas vão refletir como cerceamento de toda e qualquer prática que não seja ver animais empalhados nos centros de visitantes. Se os parques pelo mundo fossem assim administrados, o Everest não seria mais escalado, todo ano morrem ao menos dois na tentativa de atingir o cume.

Aventura? – O termo aventura remete a um grau de incerteza, de risco, mesmo que controlado ele existe e se um detalhe for esquecido ou desprezado terá como provável resultado uma fatalidade. A responsabilidade de reduzir as chances de um acidente a níveis mínimos é uma questão de conhecimento, treinamento e responsabilidade que dificilmente as normas podem resolver por completo.

Se assim fosse não haveria acidentes nas ruas e estradas, o Código Nacional de Transito e seus complementos são detalhados e bons o suficiente para evitar a quase totalidade dos acidentes de um país que possui um dos mais altos índices de mortes no transito. Os condutores são habilitados, os veículos produzidos sob regras rígidas e licenciados.

Outra leitura é que a necessidade das normas é mais uma estratégia para certificar as empresas do setor para operações com turistas, em especial estrangeiros, do que uma preocupação única com a segurança.

Demanda completamente legítima e que deve ser atendida, mas mantendo claras algumas fronteiras. Não se pode confundir operações comerciais de turismo aventura com as atividades de montanhistas e espeleólogos, esportistas e pesquisadores freqüentemente muito treinados e cientes, colocar tudo em uma vala comum é um erro freqüente causado pelo desconhecimento e reforçado pelo uso de estereótipos fáceis.

As normas serão bem vindas pois balizarão muitas atividades comerciais, sendo um norte para os iniciantes e um mínimo para os que estão no mercado, mas esperar que evitem definitivamente este tipo de acidentes é pouco realista.

As empresas terão que superar as normas e estabelecer suas próprias estratégias de redução administração de riscos, considerando cada particularidade da operação e seus recursos. Estas normas serão também pouco efetivas para os praticantes sérios dos esportes de aventura e das atividades de exploração e levantamento, como a espeleologia e escalada em rocha, que seguem rígidos padrões de segurança e ética assumidos individualmente e em seus grupos, apoiados em conhecimento e treinamento continuados.

*Roney Perez dos Santos é montanhista e espeleólogo desde 1980, membro do Centro Excursionista Universitário (CEU) como vice presidente na gestão 2003-2004, instrutor de montanhismo, espeleologia e fotografia de natureza, co-autor do programa “Pega Leve! – Mínimo Impacto em Ambientes Naturais”. Apoiador da FEMESP e CBME, consultor técnico do programa Montanha Limpa da CBME. Geógrafo, assessor do Instituto Florestal de São Paulo.

Este texto foi escrito por: Roney Perez dos Santos*