Baía dos Porcos com Dois Irmãos ao fundo (foto: Marcos Guttmann)
Brotas, Bonito, Chapada dos Guimarães e Fernando de Noronha. Na véspera da partida, o briefing já revelou a agilidade necessária para uma viagem com esse percurso: seis dias, quatro paraísos, cada qual em um estado brasileiro. A bordo de um Bandeirantes, atravessamos o país visitando e praticando atividades esportivas em lugares magníficos. A ordem crescente de beleza foi uma das grandes sacadas deste itinerário.
Com tantos lugares para conhecer em tão pouco tempo, foi fundamental a logística. Uma equipe de frente do Conexão Gatorade voava em outro avião e preparava o terreno para a nossa chegada. Isso permitiu uma maximização do tempo para as atividades. Jorge Taiar, Sergio Sá Zolino e Hélio Brito Jr. Formavam o batalhão de frente. Acompanhando o nosso grupo vieram, Doro Jr. da ZDL, Adriana Ribeiro e Carolina Almeida.
Quem tiver fôlego para acompanhar, escolha um assento e se prepare para um trailer do paraíso neste Aventura Brasil.
(*) Marcos Guttman viajou a convite da Gatorade.
Dia 1 (12 de fevereiro 2.000) – Brotas
SP-Brotas: 1 hora de vôo
Horário marcado no hangar em Congonhas: 6 horas. Com o tempo ruim, só pudemos decolar às 8h30. Aproveitei a poltrona do avião para dormir mais um pouco. Não tinha me dado conta de que ainda iria ficar entalado com meus quase dois metros de altura naquele avião por mais de 23 horas de vôo ao longo dos seis dias.
A pista de pouso de Brotas estava fechada e fomos desviados para Jaú. De lá, seguimos de van para a capital paulista dos esportes radicais, indo direto para um rapel de 22 metros na Cachoeira das Andorinhas. A descida foi premiada com a força das águas devido às chuvas dos dias anteriores. Novato no esporte, fiz um rápido treinamento antes de descer para o rio.
Já tinha visto a prática de rapel na TV e não me impressionara. Ledo engano. A sensação de ficar dependurado debaixo de uma forte queda d’água é indescritível. O poder de controlar a descida no seu próprio ritmo aumenta a interação com a natureza.
Depois de alguns rapeleiros mais empolgados como eu bisarem a descida, saímos para a pousada, onde nossa bagagem e o almoço nos esperavam.
Pé na jaca – Com o dia curto, mal deu tempo de recuperar o fôlego antes de chegar às margens do Rio Jacaré-Pepira para o rafting. O nome do rio é uma curiosidade à parte: Jacaré, devido à sua forma sinuosa e Pepira, que em tupi-guarani significa ralado.
Pois dá pra ralar mesmo: o nível das corredeiras é III+, o que significa quedas d’água com mais de três metros de altura. Com a chuva dos dias anteriores o volume d’água era intenso. Mais uma vez a chuva favoreceu a atividade, ao invés de prejudicá-la.
Dividimo-nos em três botes, cada um com seu grito de guerra: Gatorade, o bote chapa-branca; Tatiana, onde se encontrava a homônima mascote do grupo; e o mais radical, Rala-rala. Para a decepção do fotógrafo Luiz Doro, nenhum barco virou, mas o Rala-Rala se ralou de verdade, soltando um dos bancos. Acabou sendo apelidado de Pé na Jaca. Fizemos a parte final do rafting em outro bote.
Dia 2 (13 de fevereiro de 2.000)
Jaú (SP)-Bonito (MS): 3 horas de vôo
Acordamos às 6h, debaixo de uma forte chuva para nos deslocarmos até a pista de pouso em Jaú. As notícias que o comandante do avião nos passou ao chegar foram desanimadoras: todos os aeroportos na rota até Bonito estavam fechados por causa do mau tempo e como não tínhamos autonomia de vôo, nem pudemos decolar. Ao cabo de duas horas de espera dentro das vans, o grupo já parecia se conhecer há muitos dias.
Abastecemos em Castilho, na fronteira entre SÃo Paulo e o Mato Grosso do Sul e aterrissamos na pista do Hotel Zagaia, em Bonito, já no início da tarde. Com o atraso, perdemos o programa agendado para a manhã, a visita à Gruta Azul.
Almoçamos, passamos na pousada e corremos para o rio Baia Bonita. Em Bonito, existem outros rios semelhantes e cada fazendeiro explora o trecho de rio que passa dentro de sua propriedade.
Aquário em tempestade – Na sede, nos equipamos com colete, roupa de neoprene, máscara e snorkel. De lá saímos a pé percorrendo uma trilha em meio a palmeiras, pés de bacuri, araras e micos. Tropicália pura.
A chegada ao ponto do início do mergulho, conhecido como aquário, é um desbunde. A visibilidade e placidez das águas são fantásticas, desde que não se pise no fundo ou se bata o pé (o uso de nadadeiras é proibido). A quantidade e variedade de peixes é surpreendente. Como mergulhador de água salgada, nunca poderia imaginar ver tanta beleza aquática a uma distância tão grande do mar. Bonito, aliás, fica geograficamente quase eqüidistante entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
O mergulho, na verdade é uma flutuação, pois a apnéia é proibida para não levantar areia do fundo. Uma fraca correnteza se encarrega de nos levar ao longo do rio. Depois de uns 15 minutos flutuando, uma tempestade desabou. A paisagem e a visibilidade dentro d’água permanecem inalteradas e continuamos o passeio normalmente, debaixo de raios e trovoadas.
Dia 3 (14 de fevereiro de 2.000)
Bonito(MS) – Cuiabá(MT): 2h30 de vôo
No terceiro dia de viagem já acordamos com a impressão de estar viajando há uma semana, tal a quantidade e intensidade das atividades. Voamos de Bonito a Cuiabá, onde nos aguardava o mais carismático guia local de toda a viagem: Jorge Belfort Mattos Jr, vulgo Moby. Chegando no Parque, ele explicou a formação geológica da Chapada, que há 300 milhões de anos era coberta pelo mar. A outra grande importância da Chapada é estar sobre o centro geodésico da América do Sul (para ter mais detalhes, vale a pena conferir a página www.chapadadosguimaraes.com.br)
Começamos a visita por uma gruta conhecida como Casa de Pedra, onde encontramos fósseis de conchas. Em seguida, iríamos fazer uma caminhada passando por cinco cachoeiras, mas um problema técnico nos impediu. Fiscais do IBAMA nos proibiram de iniciar a caminhada, alegando que a diretoria do Parque desconhecia a autorização que tínhamos. Rumamos então para a sede do Parque, onde se encontra a espetacular cachoeira do Véu da Noiva, com 86 metros de queda livre. Enquanto se resolvia a burocracia com a administração, curtimos o visual da cachoeira por todos os ângulos.
Almoçamos com vista para o Véu e partimos para a etapa seguinte: a Cidade de Pedra, com formações geológicas megalíticas e um panorama deslumbrante sobre um paredão de 350 metros de altura. O que mais me impressionou foi a imensidão daquele lugar. A Terra, aparentemente ínfima diante do universo, se agiganta numa paisagem como a da Chapada.
Dia 4 (15 de fevereiro de 2.000)
Cuiabá(MT) – Fernando de Noronha (PE): 8h30 de vôo
Tomamos café com uma linda vista do alvorecer e descemos para Cuiabá. Entusiasmados com a Chapada, pedimos ao Comandante Mendrico um vôo panorâmico antes de seguirmos para o próximo destino. Apesar do mau tempo, o vôo foi lindo e o piloto radicalizou nos rasantes sobre as escarpas.
Em seguida, enfrentamos quatro horas de vôo até Barreiras, no oeste da Bahia, sem banheiro a bordo. O Bandeirantes foi a aventura do dia. Até os comandantes do avião se integraram ao grupo. Mais três horas e aterrissamos em Natal, última escala antes do paraíso final. Chegamos em Noronha às 22h. A tripulação explicou que a viagem foi mais longa devido ao vento contra enfrentado na maior parte do trajeto.
Dia 5 (16 de fevereiro de 2.000)
Fernando de Noronha
Em cinco dias, foi o primeiro em que acordamos depois das 6 horas. Saímos às 9h de buggie para a praia do Bode. Com a maré baixa, caminhamos até a Cacimba do Padre, passando pela Ilha Dois Irmãos e Baia dos Porcos, até chegar à praia do Sancho. É impossível adjetivar a ilha. As fotos dão apenas uma vaga idéia da beleza.
Depois de um bom banho de mar, começamos a subida numa escada talhada na rocha. Do alto, a vista do Sancho acaba com o resto do fôlego de quem chega. Os buggies nos levaram até a Praia do Leão, do outro lado da ilha. É lá o principal local de desova das tartarugas marinhas e onde o Projeto TAMAR entra em ação.
Depois do almoço, fizemos um passeio de barco de um extremo ao outro do arquipélago, circundando a ilha Rata e atravessando até a Ponta da Sapata. A parada para mergulho livre foi no Sancho, onde a visibilidade é um escândalo. Do barco, vemos golfinhos, tartarugas, arraias e o fundo do mar, dez metros abaixo. O dilema de um mergulhador em Noronha é: onde é mais bonito, dentro ou fora d’água?
De volta à pousada, estava meio mareado e chapei na rede. Na hora da saída para o jantar, estava adormecido tão profundamente que Carol e Adriana tiveram de me confirmar: “Marcos, você está em Fernando de Noronha!!!” Não era só sonho.
Dia 6 (17 de fevereiro de 2.000)
Noronha (PE) – Salvador (BA) – São Paulo (SP): 8 horas de vôo
Saímos para uma caminhada do Porto de S. Antônio em direção à Praia do Atalaia. Não pelo caminho mais rápido e sim pelo mais bonito. Seguimos ao longo da Enseada da Caieira, paramos para um mergulho em uma maravilhosa piscina natural. Sempre à margem do mar, subimos até a Ponta do Atalaia. É uma das partes mais isoladas da ilha, sem vestígios de qualquer construção e cercada pelo mar esmeralda. Logo começamos a avistar golfinhos ao longe e peixes nas piscinas naturais 70 metros abaixo de nós.
A parte final da caminhada é por dentro, sem vista para o mar. Quando nos aproximamos da famosa Piscina do Atalaia foi como a visão de um oásis. Foi um refresco entre os peixes coloridos, mas limitado em 20 minutos pelo IBAMA, visando a preservação do local.
Aliás, o trabalho do IBAMA em Noronha tirou a má impressão com que ficamos do órgão na Chapada. O limite de 500 visitantes na Ilha é fundamental para a preservação do ecossistema e para que se possa desfrutar da paisagem sem hordas de turistas. Durante nossa caminhada, o lixo que achávamos pela trilha foi recolhido e ensacado pelo nosso guia Beto.
Para voltar do Atalaia, pegamos uma carona na boléia do caminhão do IBAMA. A tarde era livre, mas todos fizemos o mesmo programa: curtir, sem pressa, uma prainha na Cacimba do Padre.
Último jantar, despedidas e aeroporto. Parte do grupo voltou para São Paulo em vôo comercial, com pernoite em Recife. Eu segui fiel no Bandeirantes. Decolamos às 22h e à 1h já estávamos chegando em Salvador.
Quem achava que a conexão já tinha acabado estava enganado. Por causa do vento de cauda, tivemos de estender nossa permanência em Salvador por um par de horas, pois o aeroporto de Congonhas só abre às 6h. Carol e Doro trataram de propôr atividades para ocupar o grupo e, de repente, no meio da madrugada, estávamos brincando de cego e guia no saguão do aeroporto. Esse encerramento foi uma síntese do que a gente fez durante os seis dias: sem nos darmos conta, fomos guiados ao paraíso, ou melhor, quatro paraísos!
Este texto foi escrito por: Marcos Guttmann*