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Vida de Fotógrafo

Aconteceu no Estado do Rio Grande do Norte o Rally RN 1500. Participaram do evento 31 motos e 6 carros 4×4. Na organização do evento estavam aproximadamente 15 veículos para apoio, com médicos, socorristas, mecânicos, jornalistas, fotógrafos, entre outros.

O rally que largou dia primeiro de março, deu literalmente uma volta no estado, fazendo um percurso de aproximadamente 1500 km e passando pelas cidades de Santa Cruz, Carnaúbas dos Dantas, Mossoró, Guamaré, Caiçara do Norte, São Miguel do Gostoso, Touros e finalmente chegando a Natal dia 3 de março, por volta das 19 horas.

Como qualquer evento o Rally teve falhas e acertos. Pela primeira vez participei de um evento como esse, e fui convidado por Demis Roussos, fotógrafo oficial do evento e especialista nesse tipo de fotografia. Saí entusiasmado e na expectativa de um dia agitado e de muita adrenalina, o que aconteceu durante todo dia. Trilhas cheias de obstáculos, serras, subidas, descidas, poeira, buracos, muitas pedras de todos os tamanhos, sem falar nas derrapagens emocionantes nas curvas fechadas devido aos pedregulhos.

O primeiro dia – No primeiro dia saímos de Natal para cidade de Campo Redondo. Entramos por uma estrada de barro, percorrendo cerca de 120 km com os obstáculos já citados, até chegar a um povoado chamado Ermo, próximo a Carnaúbas dos Dantas.

Os pilotos fizeram a primeira especial de 50 km dentro desse trecho, passando por alguns povoados que receberam as passagem dos carros e motos em festa e com muita euforia. Era gente nas janelas, telhados, em cima das pedras, com faixas, bandeiras e tudo mais que tinha direito.

Vários fotógrafos cobriam o evento. Eu, Demis, Ana (revista Fora de Estrada), Geraldo Simões (revista Motos), entre outros. Cada fotógrafo ficou em um determinado ponto para registrar a passagem dos pilotos e também ajudavam como referência do percurso ou como aviso de existência de algum obstáculo perigoso a frente. Dessa forma, além de fotografar, faziam parte das equipes organizadoras do evento.

Terminado a primeira especial, seguimos na estrada em direção a Caicó, passando pelo povoado de Ermo, onde termina a estrada de barro. A parti daí é só asfalto, passando por Carnaúba dos Dantas até chegar a cidade de Caicó, onde pernoitamos.

A aventura – Até ai tudo a mil maravilhas – principalmente para quem gosta de aventura – ou melhor, até 25 km antes de chegar ao povoado de Ermo. Nesse momento, aproximadamente 17 horas, nosso veículo quebra e ficamos a mercê da sorte até 19 horas. Ficamos literalmente abandonados, depois de levar uma surra de mosquitos, sem água, sem ter o que comer e a quem recorrer, pois o celular não tinha sinal, estávamos sem rádio e a casa mais próxima ficava aproximadamente há 10 km.

Para amenizar a situação, o resgate chegou às 19 horas, mas não tinha como rebocar o carro, pois só dispunha de uma corda que pediram emprestado. Como o trecho que iríamos percorrer era muito acidentado, com certeza a corda arrebentaria. Mesmo assim resolvemos ainda rebocar o carro de volta para um sítio, aproximadamente 10 km, ficando mais distante de Ermo. Deixamos o carro em frente a uma casa à beira da estrada e seguimos para Caicó, onde encontraríamos todos organizadores do Rally no Hotel Vila do Príncipe.

Na mesma noite, Demis tentou de todas as formas conseguir alguém para nos socorrer, mas não apareceu uma alma caridosa que se sensibilizasse em nos ajudar. Dormimos, e às cinco horas da manhã já estávamos na busca de socorro. Mais uma vez não apareceu ninguém que se dispusesse a nos levar a Carnaúbas dos Dantas, distante 35 km de onde estava o nosso veículo. Imaginou rebocá-lo?

Abandonados – Mesmo com 15 carros no apoio, nem a organização, nem ninguém em particular se dispôs em ajudar, e às 9 horas da manhã fomos largados em frente ao hotel sem darem a mínima para nós. Nunca vi uma falta de solidariedade tão grande. Na hora não acreditei naquilo que estava presenciando. Saímos juntos, estávamos no mesmo barco, mas ao cair dele ninguém teve a coragem de esticar o braço para nos socorrer. Ou será que isso é uma atitude normal? Pelo menos para mim não. Não faria isso nem com um inimigo.

Já perdi as contas das pessoas que salvei nas minhas andanças pelas praias do nosso litoral, onde é comum encontrar pessoas com seu carros atolados na areia, e já atrasei até trabalho para ajudar, sem saber quem são, nem para onde vão, pois não existe prêmio maior que a
satisfação em ajudar. Ou será que meus “amigos” não experimentaram esse prazer? Com certeza se isso acontece com outro eu não hesitaria em ajudar, independente da distância que se encontrasse. Tenham certeza disso!

Solução – Bom, como já estava claro e notório que não podíamos contar com nossos “amigos”, fomos para rodoviária, e de lá pegamos um transporte até um trevo chamado Rajada, pois não tinha uma linha direta para Carnaúbas dos Dantas. As vezes a gente tem a impressão ou fala que foi abandonado por Deus. E minha mãe sempre me diz, “Deus sabe o que faz e a gente não sabe o que diz”.

Sabe aquela história de que Deus escreve certo por linha torta? Pois é, a linha·torta foi tudo aquilo de ruim que acabei de relatar até esse momento, pois mesmo estando rodeados de “amigos” não encontramos nenhum que pudesse nos ajudar. Quanto ao escrever certo, é que ao descer naquele trevo, distante aproximadamente 10 km de Carnaúbas dos Dantas, desce também uma pessoa que morava no povoado de Ermo ha 35 km de onde estava o nosso veículo.

Veja que interessante: essa pessoa estava sentada exatamente na minha frente. Coincidência ou destino? Mistério! Ao relatar o problema para aquela pessoa com jeito humilde e simples, característico do povo do interior e que jamais sabia pelo menos da nossa existência, se prontificou na hora em nos ajudar, absolutamente ao contrário de nossos “amigos”.

Não só conseguiu carona para nos levar até o destino, como foi com veículo próprio nos resgatar. Além depois conseguiu mecânico, fez questão de nos oferecer almoço em sua residência e não quis nenhum centavo como pagamento. Como já era final da tarde, nos ofereceu até hospedagem para que não viajássemos durante a noite.

Chegou a ligar para nós quando já estávamos na estrada de volta, e no dia seguinte para minha residência preocupado se tudo tinha dado certo… E nossos “amigos”, será que tiveram pelo menos a preocupação de saber se ainda estávamos perdidos no meio do mato? Pelo menos não recebi nenhuma ligação deles…Como sou apenas um simples fotógrafo, eu e o Demis, pergunto: será que se um médico da equipe, por exemplo, estivesse em nosso lugar o tratamento seria o mesmo?

Este texto foi escrito por: Canindé Soares