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Vídeo de escalada em Yosemite: Escalando na Meca do Montanhismo

Redação Webventure/ Montanhismo

Eliseu na saída da Base (foto: Cristian Yoshioka)
Eliseu na saída da Base (foto: Cristian Yoshioka)

Poucos lugares no mundo têm sua história tão ligada a um esporte como Yosemite. Incrustado no meio da Sierra Nevada da Califórnia, foi nesse lugar mágico cercado de paredes rochosas que a escalada livre teve seu principal campo de teste. Onde termos como escalada clean, red point, e escalada de mínimo impacto se firmaram como conceitos para a evolução consciente para este esporte.

Escalar uma grande parede requer experiência e planejamento. Não se começa a escalar big walls dois anos após um curso básico. Para escalar bem e sair vivo de escaladas realmente sérias e comprometidas, o montanhista precisa ter discernimento e bagagem. Além disso, a estratégia é primordial e vai lhe ditar tudo o que irá acontecer nos dias em que permanecer na vertical. Um dos pontos mais importantes com relação a logística é a escolha do estilo que vai ser usado.

Você terá que escolher se sobe leve com apenas o essencial mas mais rápido, ou prefere ir com mais equipamento, suprimentos e consequentemente mais lento. Ter um bom companheiro é essencial e outro ponto a ser muito bem considerado. Seu melhor amigo pode ser um escalador esportivo excelente, mas no big wall as coisas são mais complexas e por vezes mais perigosas que outros tipos de escalada, assim um treino exaustivo deve ser feito para que você e seu comparsa entrem na parede falando a mesma língua.

Certa vez, o mito da escalada americana Royal Robbins disse que “de longe, a Leaning Tower é a parede mais negativa da América”. Isso se reafirma a cada momento da escalada, pois o comum é que seus pés sequer toquem a pedra a maioria das vezes, principalmente se você estiver jumareando. Os lugares planos da rota são a base, o platô de bivaque e o topo. No resto do tempo e durante todo o percurso, o montanhista fica literalmente pendurado pela cadeirinha e seus estribos.

Na chegada a Yosemite, ainda com o corpo um pouco inchado devido ao vôo, passamos pelas montanhas que são o cartão de visitas do parque como o famoso El Captain, o Half Dome, as Catedrais e claro, a Leaning Tower. De longe não se tem a noção exata do quanto ela realmente é inclinada, e como tudo no parque é muito grande, perde-se também a referência de tamanho.

A primeira enfiada da rota que escolhemos, a West Face já começava bem do alto, isso foi um dos fatores de tensão para mim, pois além de estar preste a entrar em um paredão gigante, a base já estava a aproximadamente 200m do solo. Então, conforme planejado, pude guiar a primeira enfiada no primeiro dia e após fixar a corda, voltamos para o acampamento para tentar dormir e iniciarmos efetivamente a escalada na segunda-feira.

Acordamos às 5 da manhã, aliás, estava muito frio, e tomamos café rapidamente para começarmos a trilha até a Leaning, onde parte do nosso equipo e a corda já haviam ficado do dia anterior. Após checarmos todo o equipo, o Eliseu jumareou até o início da segunda enfiada, puxou os haul-bags e me autorizou a fazer o mesmo. Aí foi um dos piores (ou melhores) e mais marcantes momentos da escalada para mim. Como a montanha é muito inclinada, assim que soltei os haul-bags para que o Eliseu pudesse içá-los, estes foram para o meio do vale, a sensação era de que eles iriam se soltar e perderíamos todo o equipo.

Voando – Como se isso não bastasse, depois dos bags, agora era minha vez. Assim que me soltei da base, como não poderia ser diferente, fui lançado também para o meio do vale, e lá estava eu, pendulando num vazio absurdo. (Para os que já fizeram o rapel das Prateleiras em Itatiaia, pode piorar aquela sensação de vazio umas 10 vezes e acho que foi isso que senti na hora).

Um detalhe, no dia anterior, junto com nossa corda estava também a corda de Herr Wurzer, um senhor alemão de 63 anos que adora fazer big walls. O cara é um figuraça e um exemplo de vida para nós que somos mais jovens. Pois bem, o Eliseu me aconselhou a passar uma fita na corda do nosso amigo alemão para que eu não pendulasse tanto para o meio do vale, nem preciso falar que me esqueci de fazer isso, né? E por isso acabei fazendo um dos vôos mais alucinantes da minha vida.

Ainda na segunda-feira o Eliseu guiou mais três enfiadas, duas para chegarmos ao platô Ahwanhee Ledge e uma terceira para adiantarmos o trabalho para o dia seguinte. Completamos os trabalhos do primeiro dia ainda com Sol, e tivemos algumas horas para aproveitarmos a bela vista do platô, após carregarmos apenas as coisas necessárias para se passar a noite no local. Neste lugar não caberiam mais de três pessoas “confortavelmente” instaladas, logo, “sobrou” espaço. Durante a noite, pudemos ver outros escaladores em outras paredes próximas – na verdade, conseguíamos ver apenas a luz de suas headlamps. Isso também era um fato corriqueiro no parque, muitos turistas saiam à noite para ver os escaladores pendurados nas mais diversas vias.

O segundo dia também começou muito cedo, acordamos novamente às 5 da manhã para que pudéssemos tomar café da manhã ainda com auxílio de nossas headlamps, desmontássemos o acampamento e assim que o dia nascesse, estaríamos prontos para começar mais um dia de escalada. Dito e feito, assim que o sol apareceu, nós já estávamos jumareando mais uma enfiada e agora só faltavam duas longas enfiadas. Pela manhã o sol não batia na face em que escalávamos, então, o frio era de matar, mesmo com três peles de roupa mais o corta-vento, ainda sentíamos frio. No segundo dia, o corpo já está mais dolorido e o que eu mais queria era acabar logo com aquela tortura.

Isso é uma coisa muito engraçada porque eu queria mesmo terminar logo a via, ao mesmo tempo, estava em transe curtindo a via mais incrível da minha vida. E foi assim durante grande parte do dia, parado, dando segue, um frio absurdo, e depois calor quando saia limpando a via até chegar no Eliseu. Na minha opinião, a parte mais difícil da via foi uma das enfiadas no segundo dia. Essa enfiada tinha uma passagem por um teto e depois ainda continuava formando um “V” deitado, essa disposição da enfiada dificultava minha vida para limpar a via, algumas vezes dava vontade de deixar para trás o equipo na via de tão mala que era sacar as peças.

Quando eu já estava com o corpo no limite, completamos a via, pouco após as 13h. E apesar de todo cansaço, a sensação de dever cumprido foi a grande compensação por todo o treino e dedicação. Mas ainda tínhamos mais umas quatro horas de rapel por outra parede para chegarmos no chão, e só assim a via foi realmente concluída.

A via foi realmente alucinante, e certamente a mais difícil que fiz até agora. Desci da Leaning Tower não apenas com o psicológico melhor para encarar outras vias, mas também com a prova de que todo o treinamento vale a pena. E nesse ponto eu tive o privilégio de ter sido treinado por duas feras da escalada: André “Bele” Berezoski e Eliseu Frechou, cada um em sua especialidade me prepararam para que eu completasse a via com o menor sofrimento possível. E durante ela, a confiança e paciência do Eliseu foram extremamente importantes para o sucesso dessa escalada. À minha família e aos meus amigos que me incentivaram e se preocuparam também meu muito obrigado. E no próximo ano com certeza volto para fazer mais um big wall em Yosemite Park.

Este texto foi escrito por: Eliseu Frechou e Cristian Yoshioka

Last modified: dezembro 3, 2007

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