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Virtual e Real: dois mundo se encontrando na estrada.

Redação Webventure/ Aventura brasil

Erik com os jipes e  ao fundo  o vulcão Lanin. (foto: arquivo pessoal)
Erik com os jipes e ao fundo o vulcão Lanin. (foto: arquivo pessoal)

Imagine fazer uma viagem aos Lagos Andinos ao lado de pessoas desconhecidas, por 17 dias. Loucura? Confira aqui o relato de Erik De Maria, um aventureiro que, para realizar essa “expedição”, formou um grupo de pessoas via Internet.

Mais uma vez a família De Maria pôs o pé na estrada para mais uma aventura regada a muita estrada, camping, caminhadas, escaladas e maravilhosas paisagens. Desta vez algumas inovações: a primeira foi o comboio de dois Land Rovers, o Defender 110, companheiro de outras expedições e o “Lester”, um Defender 90, meu novo companheiro.

Era sabido que os dois carros iriam para a viagem, mas a equipe de três pessoas não justifica isso. Foi quando a segunda inovação tomou forma. Há algum tempo eu, Erik de Maria, e meus pais, Eduardo De Maria e Iára Regina Carnevalli De Maria, falamos com muitas pessoas sobre nossas expedições e mostramos fotos, damos dicas, etc. A reação da maioria é quase sempre a mesma: “puxa, isso é meu sonho, fazer uma viagem dessas, num carro desses, por lugares como esses…”

Depois de muitas reuniões familiares analisando os prós e os contras, decidimos que daríamos chance para que os ditos sonhadores realizassem seus sonhos. Fizemos convites a todos. Muitos destes só conhecíamos através dos e-mails trocados, mas tudo bem, eles também estavam no espírito de aventura.

Juntando a turma – A coisa evoluiu de tal forma que foram convidados membros de páginas de discussão sobre viagem na Internet, até chegar como conteúdo de uma newsletter do Portal da Viagem. Mas, quando o e-mail chegou à casa das pessoas, havia apenas poucas vagas a serem completadas.

Os custos foram rateados entre os participantes como nos velhos tempos de viagens entre amigos na faculdade. Agora tínhamos um grupo pronto e ávido a embarcar nos carros e fazer a aventura de suas vidas. E assim foi. Para a família De Maria seria a quinta vez na Patagônia Argentina, mas era uma fascinação para a família visitar a região no outono e conhecer novos lugares deslumbrantes.

Com relação ao grupo formado, a maioria eram pessoas com quem nos comunicávamos via e-mail e que não tínhamos tido contato visual, uma vez que eram de outros estados. Mesmo assim o grupo, ou melhor, a equipe, como passou a ser chamada, teve um mês para se afinar via Internet. Os e-mails corriam como correriam os Lands na Patagônia. Essa poderia ter sido a expedição Bill Gates, já que acredito que talvez nenhuma outra equipe de expedição do mundo tenha se formado via Internet.

Os amigos diziam “vocês estão promovendo um teste antropológico e sociológico colocando junto pessoas que não se conhecem para uma expedição de 17 dias, em condições ora cansativas, ora recompensadoras, ora chatas, ora repousantes”. Para a equipe, que se “falava” via e-mail, tudo estava ótimo; nenhuma objeção. Alguns diziam até preferir viajar com desconhecidos ao invés de viajar com amigos de longa data.

Os pré-requisitos eram simples: disposição, espírito de equipe, gostar de viajar, realizar algumas tarefas e ter bom humor. O espírito de equipe se formava como nunca, as tarefas já eram sabidamente divididas: alguns cozinhariam, outros lavariam louça, outros ficariam encarregados de navegação, carros, bagagens, etc…

Para surpresa da família De Maria o espirito foi mais além. Logo apareceu um logotipo para a expedição vindo do Alexandre Mello, que é designer e membro da então equipe; ainda vieram contatos para permuta de alimentos. Outro integrante, Matteo Villano, conseguiu os adesivos para os veículos como doação, que foram printados com o logo criado.

Enfim, todos estavam frenéticos para contribuir para melhorar o que seria a sua expedição. Claro que, para a família De Maria, aquela era uma surpresa mais do que bem vinda, pois temia ser tratada como uma agência de turismo onde cada um vem com sua mala e embarca. Grande sorte: todos contribuíam como se fossem da família.

Ansiedade – Com o passar do tempo, os e-mails foram substituídos por telefonemas semanais, depois diários. Mais tarde, se repetiam várias vezes ao dia e aumentavam na progressão da ansiedade. Tudo pronto, a data chegando e o encontro foi marcado 6h30 do dia 29 de março de 2002, na praça Panamericana, em São Paulo. Foram oito pessoas. Três de Brasília (DF), chefiados por Giselle Dutra. Do Rio de Janeiro, Maria Christina Ulhôa Tenório. E quatro de São Paulo: Clarisse Setyon, Flório Ferregutti, Matteo e Alex.

Seria naquela manhã que os e-mails “tomariam forma de gente” e cada um seria um parceiro de viagem para os próximos 17 dias, deixando a frieza da comunicação via Internet para começar um contato diário dormindo junto, comendo junto, cozinhando junto, caminhando junto e principalmente rindo e curtindo juntos. E assim foi.

Os primeiros dias de estrada foram de reconhecimento. Todos falavam, escutavam, queriam saber mais sobre os outros, sobre como chegaram até lá, queriam reconhecer as coisas relacionadas à expedição, saber onde ficavam as ferramentas, os primeiros socorros, queriam saber se os Land Rovers são mesmo tudo aquilo que escutaram falar e como tinha sido feito o roteiro.

Foram dias interessantes, quando o contato entre os participantes era mesclado de uma certa discrição e algumas formalidades que depois logo passaram, fazendo com que a equipe agisse como uma família. Os dias seguintes foram dedicados a saber tudo sobre os outros, como vivem, relacionamentos, habilidades esportivas, gosto musical (uma vez que cada membro da equipe levava vários CDs), etc… Definitivamente, a partir do terceiro dia, a coisa já se desenrolava bem, fluía como se fôssemos amigos de longa data. Ali tínhamos certeza que, se a proposta de estudo antropológico existisse, ela teria sido bem aproveitada.

O final da jornada diária na estrada era festejado com abraços e sorrisos, afinal, a expedição ia tomando forma e ninguém sabia exatamente o que esperar de uma aventura como essa, nem mesmo a experiente família De Maria, que nunca tinha levado outros interessados. Felizmente as surpresas foram sendo muito positivas.

Concluída a primeira etapa – Após cinco dias de pura estrada atravessando o sul do Brasil, a faixa central da Argentina e depois boa parte do deserto da Patagônia, chegamos a San Carlos de Bariloche. Ali era concluída a primeira etapa da Expedição Lagos Andinos ELA 2002 e foi comemorada como tal: todos pulavam, riam, cantavam parecendo crianças e fotos foram disparadas aos milhões. Foi um momento muito emocionante, todos estavam lá pelo esforço de todos e lá ficaríamos alguns dia.

Atividades opcionais eram a caminhada à Laguna Verde na base do Monte Challuaco e depois a subida do Monte Tronador com pernoite no abrigo de montanha Otto Meilling. As opções haviam sido pesquisadas por mim e depois foram apresentadas à equipe na cidade de Bariloche. A caminhada ao Monte Tronador era uma coisa que a família De Maria estava querendo fazer, mas não sabia que, depois de tamanha afinidade durante a estrada todos queriam fazer também, exceto duas pessoas.

Ficamos muito felizes, porque além de endossarem a parte relacionada a estradas e carros e tudo mais, agora estavam nos acompanhando também nos ataques às montanhas. Achamos ótimo, ali a equipe se fechou ainda mais, já que as condições eram pra lá de hostis: dois dias de caminhada sob temperaturas congelantes do outono, rajadas de vento de 90km/h e chuva forte com gelo. Logo as condições físicas formaram três grupos distintos.

Dentro desses grupos todos se ajudavam como podiam e alguns mais do que podiam, carregando a mochila dos outros além das suas, incentivando com palavras e dando a mão para se equilibrar contra o vento. O abrigo parecia não existir e as condições climáticas faziam tudo piorar muito. Mesmo levando barraca é sabido que seria impossível dormir molhado num glaciar, pois a hipotermia se instalaria rápido; agora era realmente preciso chegar ao abrigo de qualquer forma.

Conforme a instrução do guarda-parque, nós só veríamos o abrigo quando chegássemos lá, e assim foi. A vista daquela pequena casinha incrustada nas rochas entre os glaciares é a visão da sobrevivência, pelo menos naquelas condições climáticas. Lá dentro, depois da chegada, fomos obrigados a nos tornar mais íntimos e mais companheiros, pois a ordem do guia de montanha era simples: “Tirem toda roupa que puderem e quiserem e coloquem junto ao fogo. Só assim poderão usá-las amanhã”.

Foram distribuídos cobertores que, com certeza, já foram usados por vários escaladores e montanhistas nas mesmas condições. Alguns estavam nus enrolados aos cobertores, outros, só de roupas intimas e o abrigo se tornou um grande varal cheio de roupas congeladas. Os dois guias de montanha que estavam lá fizeram chá e logo o calor aumentou, o bom humor voltou e a preocupação foi embora.

Em seguida outros montanhistas chegaram: eram da Califórnia, do Texas e uma garota Argentina. O procedimento foi o mesmo. A noite veio e o aconchego da casa era surpreendente, mesmo que tudo fosse pequenino e o vento estivesse zunindo lá fora. Para o dia seguinte havia duas boas opções: fazer uma caminhada pelos glaciares ou fazer também uma caminhada pelos glaciares, mas com a possibilidade de escalar fendas de gelo usando piquetas – essa opção foi logo aceita.

Conquistar o topo do cume não foi cogitado, uma vez que precisaríamos de mais dois dias, tempo que não dispúnhamos. Mas lá, a facção extreme da equipe fez um pacto de voltar e conquistar o cume assim que possível. A descida da montanha foi muito bonita, o sol raiava e mostrava paisagens que a chuva tinha escondido e mais uma vez milhões de fotos foram detonadas, com muito entusiasmo.

Maravilhoso acampamento – Chegando ao local do acampamento selvagem na beira de um lago, o astral da equipe era maravilhoso e todos se encantavam vendo o pôr-do-sol e depois cantando à beira do lago ouvindo a gaita bem tocada pelo Alex e Flório. A Patagônia já se apresentava de corpo e alma para a equipe, mas ainda faltavam 12 dias de emoção pela região e ela não deixou a desejar.

Fomos a San Martin de Los Andes e todos se divertiram muito na pequenina cidade. Ali já éramos uma grande família. O local do acampamento era abençoado pela natureza, com lindas montanhas nevadas ao fundo, uma floresta dourada pelo outono e um lago azul como um espelho na noite estrelada. Isto deixava o local deslumbrante, tão deslumbrante que eu, em solidariedade ao Mateo, que estava com a barraca avariada, sugeri que abandonássemos as barracas e dormissemos só com o saco de dormir à beira daquele lago sob as estrelas. E lá fomos eu, Mateo, Florio e Alex. As garotas preferiram dormir no quentinho da barraca mesmo.

O dia seguinte era dia de seguir ao Chile e nos estabelecermos na charmosa e aventureira Pucón, considerada a capital Sul Americana dos esportes de ação. O caminho pelo paso” Mamuil Malal foi maravilhoso, com direito a neve caindo e muita lama. Chegamos na cidadezinha e nos divertimos como pudemos, subindo o vulcão Villarica. Duas garotas optaram por uma cavalgada, outros por um tempo para refletir. Cada um, à sua forma, se divertiu bastante. À noite passeamos a pé pela cidade fria, escutando o som dos pés no chão e vendo a condensação de nossa respiração.

Após a estadia em Pucón, era hora de entrar nos carros novamente e partir para a estrada. Os Land Rovers já eram parte de nossa casa e todos adotaram um carinho por eles como o que nós temos, afinal, eles nos levavam a lugares maravilhosos e nos davam possibilidade de nos embrenhar por rotas não convencionais que faziam toda a diferença. Passamos também pelo paso Pino Hachado, com certeza uma das mais belas estradas por onde já dirigimos.

Alegria na volta para casa – O começo da volta teve um ar de dever cumprido, mas as emoções não tinham acabado. Ainda teríamos noites no meio do deserto da Patagônia em total isolamento, 190Km distantes de qualquer vida humana para qualquer lado. Depois de atravessar o Uruguai, a última parada seria no sul do Brasil, exatamente no farol de Santa Marta, o terceiro mais antigo do mundo e o segundo com facho de luz com maior alcance.

Acampamos no pé do farol, ao lado da capela, com uma vista de toda a baía. Para chegar lá, passamos por estradas que estavam um verdadeiro caos, com muita lama (muita mesmo), dunas e tudo mais. Fizemos até um serviço de utilidade pública puxando um carro de uma família que estava atolado. A equipe não acreditava nos Lands fazendo manobras onde o outro veiculo estava atolado e, após engatar o carro num dos nossos, saímos sem maiores esforços puxando o carro cheio, além da carretinha que estava acoplada ao carro da família.

Felizmente a última noite não teve aquele sabor de fim de viagem e todos continuavam animados, mesmo que fisicamente cansados. Ainda guardaríamos energias para o último dia de estrada, com 876Km e a recepção no Kioskão Bar, que fez uma festa e tanto para nós com direito a reportagem e muitos convidados. Ficamos felizes em rever rostos que fizeram falta na viagem que, por um motivo ou outro, não puderam estar conosco.

Foi tudo muito emocionante e regado ao ótimo whisky que o bar nos presenteou. Todos nós tiramos muitas lições dessa Expedição. A minha família em especial, como: a Patagônia é linda sempre e voltaremos lá o maior número de vezes que pudermos, já que há muito a ser explorado. Em segundo lugar, a companhia na viagem é excelente, alivia o stress, facilita as tarefas e nos faz conhecer pessoas que nos acrescentam muito (pessoas sensíveis, dedicadas, interessantes, engraçadas). O balanço geral foi muito bom mesmo! Excelente!

Quem sabe em breve realizaremos o sonho de outras pessoas para uma investida ao Atacama. Para qualquer informação a respeito dessa ou outras expedições já realizadas entrem em contato conosco, que teremos todo o prazer em ajudar. Não poderemos deixar de agradecer aqueles que nos apoiaram. Obrigado à Academia Forma Atlética, MG3 Centro Automotivo, Maximum 4×4 Land Rover Service, AD designs, Portal da Viagem e Avalon Design.

Roteiro – São Paulo, Curitiba (BR 116), Araucária (rod. Do Xisto ), Erechim (rod. Transbrasiliana), Passo Fundo, Carazinho, Ijuí, São Borja, ARGENTINA, Paso de Los Libres, Va. Federal (ruta 14), Paraná, Santa Fé, San Francisco, Villa Maria, Rio Cuarto, Vicunã Mackenna (ruta 35), Santa Rosa, Gral. Acha (ruta 152 ) Neuquen (ruta 22) , San Carlos de Bariloche (ruta 237), Villa La Angostura (ruta 231), San Martin de Los Andes, Junin de Los Andes, Passo Mamuil Malal, CHILE Pucon, Villarrica, Pedregoso, Los Laureles, Las Hortensias, Cunco, Lamacura, Melipeuco, Icalma, Licura, Passo Pino Hachado, ARGENTINA, Las lajas, Zapala, Neuquen, Chelforrd (ruta152), Gral Acha, Santa Rosa, Anguil (ruta 5) , Pehuajó, 9 de Julio, Mercedes, Lujan, Campana, Zárate, Gualeguaychu, Colón, Paysandu, URUGUAY, Tucuarembó, Rivera, BRASIL Santana do Livramento, Rosário do Sul, São Gabriel, Canoas, Alvorada, Osório, Terra de Areia (BR101) Aranaguá, Farol de Santa Marta, Joinville, Curitiba, São Paulo.

Veja o depoimento de alguns dos integrantes do grupo, formado via internet, sobre a viagem.

Erik De Maria – veterinário – “O que aconteceu durante a viagem que eu não pensei que fosse acontecer foi uma integração muito grande. Continuo vendo as pessoas sempre, e tenho tido o Alex como meu companheiro de treinos. Foi uma experiência que eu nunca imagina”.

Alex Melo – publicitário – “A experiência de viajar com desconhecidos foi válida, pois é como o programa ‘No Limite’: frente às dificuldades é que você vê o preparo físico e psicológico das pessoas e você pode ajudá-las. Gostei bastante. Viajar com desconhecidos para mim é tranquilo, pis você acaba conhecendo as pessoas durante a viagem”.

Matheu Villano – administrador – “Um dia eu estava saindo do meu escritório quando cruzei, no trânsito, com o carro da família De Maria, cheio de adesivos. Vi um adesivo do Ushuaia, um lugar que eu sonho em conhecer e comecei a conversar com eles. Ali foi feito o primeiro contato. Um certo dia, o Erik me mandou um e-mail perguntando se eu gostaria de participar da Expedição aos Lagos Andinos. Quando eu soube que seria na companhia de pessoas desconhecidas achei que fosse ser um aviagem problemática, que fossem surgir imprevistos. Mas foi excelente. Eu esperava algum tipo de confusão, de estresse, mas não houve. Essa viagem me surpreendeu. E há também uma filosofia de que ‘quando as pessoas se conhecem muito pouco, elas se respeitam muito mais’.

Este texto foi escrito por: Erik de Maria

Last modified: junho 12, 2002

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Redação Webventure
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