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Waldemar Niclevicz conta em detalhes como foi a tragédia no K2, na Cordilheira do Himalaia

Redação Webventure/ Montanhismo

Vista do cume em direção ao norte  ao lado do serac (foto: Waldemar Niclevicz)
Vista do cume em direção ao norte ao lado do serac (foto: Waldemar Niclevicz)

O montanhista Waldemar Niclevicz, que já esteve por três no K2, conta com riqueza de detalhes como ocorreu a tragédia que vitimou 11 alpinistas no último fim de semana. Acompanhe.

Infelizmente uma tragédia de grandes proporções aconteceu no K2 entre os dias 31 de julho e 1º de agosto, resultando na morte de, pelo menos, 11 alpinistas.

Um grande pedaço do “serac” (glaciar suspenso, a ponto de cair no vazio), que existe na Pirâmide superior do K2, despencou sobre o “Pescoço da Garrafa”, por volta dos 8.300m de altitude, matando, pelo menos, cinco pessoas (três coreanos e dois nepaleses).

Um grupo de aproximadamente 12 pessoas, que haviam chegado no cume do K2 a partir das 19h30 (ou seja, já estava escuro) ficou isolado acima do Pescoço da Garrafa, por volta dos 8.400m, praticamente sem condições de continuar a descida, em razão das cordas fixas terem sido destruídas pela avalanche e de trechos da “Travessia do Japonês” e do próprio “Pescoço da Garrafa” apresentarem um gelo duro como rocha e escorregadio como vidro.

O isolamento deste grupo foi a parte mais dramática desta tragédia. Eles estavam cansados depois de chegarem ao cume, e a “porta de saída” lhes havia sido fechada em razão da avalanche ter destruído as cordas que haviam sido fixadas logo abaixo, justamente na parte mais vertical e traiçoeira da escalada. Desidratados, com fome, foram vítimas de congelamentos com o avançar da noite. Os mais fracos não resistiram e acabaram perecendo, vítimas de edemas pulmonares e cerebrais.

Alguns alpinistas, com muita dificuldade, conseguiram desescalar o “Pescoço da Garrafa” sem a ajuda de cordas, e desceram até o lugar do acampamento 4, que é montando sobre o “Ombro”, por volta dos 8.000m, onde pediram ajuda. Embora todos os que estavam no K2 tenham se envolvido em uma grande operação de resgate, na manhã do dia 3 de agosto já haviam sido confirmadas o total de 11 mortes (3 coreanos, 2 nepaleses, 2 paquistaneses, 1 francês, 1 irlandês, 1 sérvio e 1 norueguês), tornando esta a maior tragédia do K2 de todos os tempos.

Brasil no K2 – Estive no K2 em 1998, 1999 e em 2000, quando finalmente tive a felicidade de abrir a Bandeira do Brasil no alto dos seus 8.611m de altura. A história sofrida, mas com final feliz, está registrada em “Um sonho chamado K2”, da Editora Record. Neste livro conto detalhes de duas grandes tragédias que já haviam acontecido no K2, uma em 1986 e outra em 1995.

Em 1986, a temporada de escalada (entre junho e agosto), foi apelidada de “O Verão Negro do K2”. Um total de 13 pessoas morreram, mas por motivos diversos, em diversas rotas, em dias diferentes. Porém, a maior parte das mortes ocorreram praticamente nas mesmas circunstâncias do último final de semana: após chegarem no cume à noite, a montanha foi envolvida por uma tempestade, e vários alpinistas não conseguiram encontrar o estreito caminho de descida através do “Pescoço da Garrafa”.

Em 1995 a história não foi muito diferente. Meu amigo espanhol Pepe Garces, a quem eu dedico o livro do K2, estava lá e me contou os detalhes, que descrevo no livro em um capítulo intitulado “A montanha sem retorno”. Após o início do ataque final, Pepe desistiu quando estava por volta dos 8.300m, ao sentir os dedos de suas mãos congelando. Sete alpinistas continuaram e chegaram no cume ao anoitecer. Mas um verdadeiro furacão se desencadeou na parte superior da montanha, impossibilitando a descida por um lugar tão delicado como o “Pescoço da Garrafa” e eles nunca mais foram encontrados.

Quem ler “Um sonho chamado K2”, vai ver que por pouco eu não passei por uma situação parecida. Eu e dois amigos italianos, Marco e Abele, também chegamos ao cume do K2 ao anoitecer, e durante a descida, apenas o Abele tinha uma lanterna, o que acabou tornando a descida tensa e perigosa. Quando estávamos a 8.400m eu já tinha sofrido duas quedas e Abele tinha se afastado mais uma vez, me deixando novamente no escuro, preocupado com o Marco que havia descido na frente. Foi quando tomei a difícil decisão de ficar ali mesmo, e esperar o dia amanhecer, para descer com cuidado o trecho mais difícil da escalada.

Como disse o Abele, não acreditando que poderíamos suportar a uma noite em um lugar tão alto e frio: “ou eu ficava com o Waldemar e morreríamos os dois, a 8.400m, ou então eu tratava de me salvar e, acima de tudo, de alcançar o Marco e salvá-lo”; mais tarde, se referindo ao momento em que eu os encontrei na barraca do acampamento 4, ele declarou: “Waldemar parecia que havia ressuscitado”.

Essas tragédias poderiam ter sido evitadas? É preciso analisar cada uma com muito cuidado para responder a esta pergunta, mas a resposta é provavelmente não, pois infelizmente não temos como prever uma avalanche de serac, ou uma mudança brusca do tempo (em razão do micro-clima formado entre as altas montanhas). São fatalidades, e a única forma de evitá-las seria não assumir o risco inerente, sempre presente em uma montanha perigosa e difícil como o K2.

Que Deus abençoe a todos estes bravos alpinistas!

Um forte abraço,

Waldemar Niclevicz

Este texto foi escrito por: Waldemar Niclevicz

Last modified: agosto 5, 2008

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