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Webventure especial: uma aventura na Coreia do Norte

A Coreia do Norte é protagonista no cenário da geopolítica. No regime de governo mais fechado do mundo há uma ditadura familiar, que restringe liberdades individuais, em um país super militarizado e um tanto mais pobre do que seu irmão sulista.

Mas, afinal quais seriam os atrativos turísticos de um lugar como este? O que podemos fazer, aprender e experimentar como visitantes, em especial como brasileiros, no local mais desconhecido do mundo?

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Prezado leitor, nosso interesse aqui é apolítico e você não vai encontrar fatos históricos, muito menos uma análise da tensão regional, armas nucleares ou méritos morais do governo. Nosso foco é restrito na aventura, na experiência de vida que o local proporciona.

Para isso, fomos atrás de algum aventureiro que pudesse compartilhar as sensações de ser um estrangeiro na obscura e ultra fechada República Democrática da Coreia do Norte – sim, assim eles se autodenominam, o que pode soar estranho para quem conhece o mínimo da história do país.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Encontramos então um viajante, talvez uns dos poucos em nosso país que já estiveram por lá. Ele nos contou em detalhes suas aventuras e mais, ofereceu dicas valiosas para quem  se interessa em conhecer esta cultura e realidade singular no planeta.

Começamos esta matéria especial com um prólogo feito pelo próprio aventureiro, Gabriel Arantes Cecílio, 33 anos, publicitário, fotógrafo e cronista, que topou nos contar de maneira exclusiva e inédita como passou, no final de 2015, 10 dias sendo vigiado de perto pelo regime de Kim Jon-Un, como o único turista no país.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Visitando o desconhecido: um mundo paralelo na Coreia do Norte, por Gabriel Arantes Cecílio

“Man is master of everything and decides everything”
(Kim II Sung – The Juche Ideology)

A poluição havia acabado de mudar o primeiro ponto do nosso planejamento de viagem. Deveríamos pegar um taxi do hotel em Beijing até o aeroporto, mas a fuligem tóxica, baixa e espessa, fazia com que o trânsito fosse imprevisível. Era possível que às 2h reservadas para o trajeto não fossem suficientes. A opção seria arrastar as malas até a estação Quiamen do metrô e irmos de trem para o aeroporto.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

A cada lance de escada das passagens subterrâneas, que cruzam as largas avenidas de Beijing, as pernas no relembravam das 4h de caminhada pelos degraus cobertos de neve da muralha da China no dia anterior. Talvez a mudança do roteiro logo no início fosse um sinal, de que não teríamos pleno controle dos nossos dias na Coreia do Norte.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

As histórias, documentários, livros e artigos sobre a Coreia do Norte, consumidas durante anos, não se encaixavam. O viés político e ativista, de todos os lados, me impediam de construir uma imagem que me parecesse verossímil do país. Queria entender como era o cotidiano de um dos países mais nebulosos do mundo sem as paixões, críticas, filtros e interesses dos olhos que já haviam o visto relatado.

Era uma viagem que há anos aventada, mas nunca realizada. Até que, de uma hora para outra, a visita se concretizou. 15 dias separaram a cogitação inicial da viagem e o embarque. Era hora de ver o desconhecido com meus próprios olhos.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Tudo começou em uma quinta-feira de meados de novembro, estávamos eu, Letícia, minha esposa e Pedro, meu irmão, sentados em uma mesa de bar na Barra Funda. Discutiamos como a abertura entre Cuba e  EUA havia mudado a experiência de se conhecer a ilha. Falei que tínhamos que ir à Coreia do Norte antes que acontecesse a mesma coisa por lá. Letícia que ostentava uma barriga de 6 meses de gravidez, me olhou e disse: “vá antes da sua filha nascer”. Em um minuto tudo passou a fazer sentido.

Sabia que esse é o tipo de viagem que não se deve fazer sozinho, é preciso ter uma testemunha. É fundamental ter alguém que esteja imerso na mesma cultura, que tenha as mesmas referências e que possa discutir, refletir, chegar  a um ponte de entendimento de situações que são ancoradas em planos de sociedade que foi moldada e que enxerga o mundo, de uma forma tão distinta da nossa. A testemunha é o prumo que te traz de volta para o real, ao menos ao que entendemos como sendo, e ao mesmo tempo, compartilha a experiência de embrenhar-se em uma dinâmica insólita.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Na manhã do dia seguinte, mando uma mensagem de WhatsApp: “tem coragem de ir para a Coreia do Norte no começo do mês que vem?”. Um minuto depois a resposta aparece na tela do celular: “Claro que tenho. Precisamos acertar as datas”. Mais um minuto e toca o meu telefone, era a Nagisa, amiga querida de mais de 15 anos.

No final do dia já sabíamos tudo o que precisávamos fazer para ir até a Coreia do Norte. Minha testemunha estava definida e tínhamos duas semanas para organizar tudo.

Agora que conhecemos as motivações e a história que originou esta aventura, vamos saber mais sobre a estadia, percalços e dicas na entrevista imperdível, concedida com exclusividade para Webventure.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

Webventure – Você foi para um lugar longe e muito diferente. É difícil chegar até a Coreia do Norte?

Gabriel – Isto é um mito. Na verdade, em 10 minutos de pesquisa já encontrei todo o passo a passo de como chegar até lá, em inglês e até mesmo em português. Em geral, qualquer brasileiro que quiser consegue, basta conseguir o visto e achar agências de viagens certa, chancelada pelo governo norte coreano.

W – E quais eram as principais expectativas para a viagem?

G – Queria enxergar o cotidiano, sem filtros, do país menos visitado do mundo. Mas desde o início decidi que não faria viagem sozinho. Essa maneira diferente de enxergar o mundo deve ser compartilhada com alguém, então, chamei uma amiga de longa data que me ajudou a debater em tempo real a experiência.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

W – Como você fez o roteiro da viagem?

G – Não tem essa. Só existe uma maneira de visitar o país como turista que é justamente contratar a agência do próprio governo norte coreano. Todos os roteiros são sempre os mesmos e você recebe de um agente do governo antes mesmo de embarcar. Esta é a hora de negociar uma ou outra alteração. No meu caso, quis incluir a visita em um supermercado, o que foi aceito.

W – … Supermercado?
G – Pois é. Queríamos ver como funcionava a vida dos populares, na rotina, no dia a dia. Mas o povo não fala nada sobre política, não vi ninguém reclamando, nem sequer comentando sobre o governo. Há uma certa censura constante, mas o povo parece em geral, feliz.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

W – E o turista também sente essa censura, está vigília constante?

G – Perguntamos ao agente do governo, ainda em Pequim, se quando chegássemos ao destino no aeroporto de Pyongyang teria alguém nos esperando e mais, como saberiam quem éramos.

A resposta foi emblemática: “não se preocupe. Eles saberão quem vocês são”. Quando chegamos tínhamos nossa própria comitiva no país, formada por membros do governo. Aliás, fomos parabenizados já no aeroporto: “parabéns, vocês são os únicos turistas no país hoje”. Demoramos algum tempo para acostumar com a sensação de estamos sendo observados.

W – Uau! Mas como foi a dinâmica dos programas turísticos?

G – Você não faz nada sem os guias, até porque as ruas, os monumentos, a arquitetura, é tudo muito escuro e apagado. É proibido sair do hotel sem eles. Mas visitamos muita coisa interessante, muito museu de guerra, monumentos da revolução e um dos grandes orgulhos dos país, o arco do triunfo na praça principal Pyongyang que possui, orgulhosamente,  6 cm  a mais que o de Paris. Ah, umas atrações mais fantásticas é a biblioteca nacional, que é gigantesca.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

W – Como são os passeios?

G – Tínhamos um carro só nosso e da nossa comitiva. A pé, era uma sensação diferente. As ruas não possuem faixa de pedestres, para atravessá-las é apenas pelo subterrâneo. Os populares ignoram sua presença e há muitos militares, que aliás são grande parte da população. Com os poucos que fizemos contato percebemos ser um povo muito caloroso, apesar de resignado. Ah, lembra do supermercado? É bem decente.

W – Mas e a natureza? Vocês tiveram algum contato com áreas mais rústicas, por exemplo no interior da Coreia do Norte?

G – Sei que é um país muito bonito, com natureza abundante. Mais foi tudo muito protocolar e, o máximo de contato fora da capital foi a ida até a chamada Zona Desmilitarizada, parte mais ao sul, fronteira com a irmã capitalista. É um local com maior nível de pobreza e muita construção abandonada, grandes pilares e esculturas.

Foto: Coreia do Norte – Gabriel Arantes/Arquivo Pessoal

W – Dá para perceber que é um mundo diferente…

G – É uma oportunidade única na vida. Você entra no avião em 2017 e sai em 1987, mas uma 1987 com LED e smartphone. A lição desta aventura, depois de muita reflexão, é que a verdade é muito relativa. Sempre temos as mesmas fontes de informação, que moldam nossa opinião de acordo como o que acham certo. Nada substitui a vivência para formar o real conhecimento. Isso é eterno.